segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Tudo se acaba com a morte - parte II



Achando-se Filipe II, rei de Espanha, às portas da morte, mandou vir seu filho à sua presença e, abrindo o manto real com que se cobria, mostrou-lhe o peito já roído de vermes, dizendo: Príncipe, vede como se mede e como se acabam todas as grandezas deste mundo. Foi com razão que Teodoreto disse que a morte não teme riquezas, nem poder, nem púrpura; e que tanto os vassalos como os príncipes se tornam presa de corrupção. Assim, todo aquele que morre, ainda que seja príncipe, nada leva consigo ao túmulo. Toda a glória acaba no leito mortuário (Sl 48,18). 

Refere Santo Antônio que, na morte de Alexandre Magno, exclamara um filósofo: "Ai está quem ontem calcava a terra aos pés; hoje é pela terra oprimido. Ontem cobiçava a terra inteira; hoje basta-lhe um espaço de sete palmos. Ontem dirigia exércitos inumeráveis através do mundo; hoje uns poucos coveiros o levam ao túmulo". Mas escutemos, antes de tudo, o que disse o próprio Deus: "Por que se ensoberbece o pó e a cinza? (Eclo 10,9). Homem, não vês que és pó e cinza, de que te orgulhas? Para que te serve consumir teus anos e teu espírito em adquirir grandezas deste mundo? Virá a morte e então se dissiparão todas as grandezas e todos os teus projetos (Sl 145,4). 

Quão preferível foi a morte de São Paulo Eremita, que viveu sessenta anos em uma gruta, à de Nero, imperador de Roma! Quanto mais feliz a morte de São Félix, simple frade capuchinho, do que a de Henrique VIII, que passou sua vida entre as pompas reais, mas sendo inimigo de Deus! É preciso considerar, porém, que os Santos, para alcançar morte semelhante, abandonaram tudo: pátria, delícias e quantas esperanças o mundo lhes oferecia, para abraçarem a vida pobre e menosprezada. 

Sepultaram-se em vida sobre a terra, para não serem sepultados no inferno depois da morte. Como, porém, os mundanos podem esperar morte feliz, vivendo como vivem, em pecados, prazeres terrestres e ocasiões perigosas? Deus preveniu os pecadores que na hora da morte o procurarão e não o hão de achar (Jo 7,34). Disse que então já não será tempo de misericórdia, mas sim de justa vingança (Dt 32,15). 

A razão nos ensina esta mesma verdade, porque, na hora da morte, o mundano se achará fraco de espiríto, obscurecido e duro de coração pelos maus hábitos que contraiu; as tentações então manifestar-se-ão mais violentas, e ele, que em vida se acostumou a render-se e a deixar-se vencer, como resistirá naquele transe? Seria uma graça extraordinária e poderosa para lhe transformar o coração. Mas será Deus obrigado a lhe conceder? Ou talvez a mereceu pela vida desordenada que levou? E, no entanto, trata-se nessa ocasião da desdita ou da felicidade eterna. Como é possível, ao pensar nisto, que aquele que crê nas verdades da fé não renuncie a tudo para entregar-se inteiramente a Deus, que nos julgará segundo nossas obras? 


AFETOS E SÚPLICAS 

Ah, Senhor! quantas noites passei sem vossa graça! Em que estado miserável se achava então a minha alma! Vós a odiáveis, e ela queria vosso ódio! Estava condenado ao inferno; só faltava executar a sentença. 

Meu Deus, dignaste aproximar-vos de mim, incitando-me ao perdão. Mas quem me assegurará que agora já me haveis perdoado? Ó meu Jesus, devo viver nesse receio até que venhais julgar-me? Contudo, a dor que sinto de vos ter ofendido, meu desejo de amar-vos e sobretudo vossa Paixão, é Redentor meu, dão-me confiança de que me acho em vossa graça. Arrependo-me de vos ter ofendido, ó Soberano Bem, e amo-vos sobre todas as coisas. Prefiro perder tudo a perder a vossa graça e o vosso amor. Quereis que sinta alegria o coração que vos procura (1Cr 16,10). Detesto, Senhor, as injúrias que vos fiz; inspirai-me confiança e coragem. Não me lanceis em rosto minha ingratidão, que eu mesmo reconheço e destesto. Dissestes que não quereis a morte do pecador, mas que se converta e viva (Ez 33,11). Pois bem, meu Deus, renuncio a tudo e me converto à vós: é a vós a quem procuro, a vós a quem eu quero, a vós a quem eu amo sobre todas as coisas. 

Dai-me vosso amor e nada mais vos peço. 

Ó Maria, que sois minha esperança, alcançai-me a santa perseverança. 


Santo Afonso Maria de Ligório - Preparação para a morte, pg. 19-22. 

sábado, 14 de dezembro de 2024

Os pecados


 Do pecado em geral - o pecado original 


1. O pecado é a livre trangressão da lei de Deus; é pois qualquer pensamento, palavra, ação ou omissão contra a lei de Deus. 

2. Por lei de Deus entende-se não só lei que Ele mesmo deu, isto é o Decálogo, mas também qualquer lei humana tanto eclesiástica como civil porque Deus deu aos superiores a faculdade de fazerem leis. 

3. O pecado é o maior de todos os males, porque ofende à Deus que é o supremo bem, e porque dele provêm todos os males que sofremos nesta vida e na outra. 

4. Há duas espécies de pecado, o pecado original e o pecado atual ou pessoal. 

5. O pecado original é aquele com que nascemos e o temos como por herança do nosso primeiro pai Adão. 

6. Adão e Eva, os nossos primeiros pais, foram depois de criados colocados no paraíso terrestre, jardim delicioso, cheio de toda a sorte de árvores e de frutas, onde haviam de passar uma vida venturosa, trabalhando sem cansaço, louvando e engrandecendo a Deus, a serem depois transportados no céu sem morrerem para gozar da eterna felicidade. Os seus descendentes haviam de participar dessa fortuna, mas Adão e Eva perderam tanto bem pelo seu pecado e desobediência, comendo do fruto duma árvore, de que Deus lhes tinha proibido que comessem. 

7. Como se moveram eles a cometer este pecado de soberba e desobediência? Deixou-se Eva enganar pelo demônio que lhe disse que seriam como Deuses, e Adão seguiu o exemplo da mulher, comendo daquele fruto como ela. 

Para enganar Eva serviu-se o demônio duma serpente, e o espírito maligno obrou assim por inveja, querendo que os homens fossem infelizes como ele. 

8. Por essa desobediência Adão e Eva fizeram-se desgraçados a si e a sua posteridade, ficando incursos, por causa de sua culpa a muitas felicidades. 

Respectivamente ao corpo, foram reduzidos aos trabalhos, às infelicidades e à morte. Relativamente à alma contraíram a ignorância, a concupiscência, e o império do demônio. 

Relativamente a esta vida, foram excluídos do paraíso terrestre, e perderam o senhorio que tinham sobre todos os animais. Como se haviam rebelados contra Deus, tudo se rebelou contra eles. Adão e seus descendentes foram condenados a comerem o pão com suor do seu rosto. Pelo que toca a outra vida foi-lhes vedada a entrada no céu e tornaram-se dignos do inferno.

9. Adão e Eva foram causa da desgraça de seus descendentes comunicando-lhes o seu pecado e as consequências dele. 

10. Esta transmissão da culpa original e das suas consequências a todos os homens é um mistério. 

11. Encontramos porém na justiça humana exemplo semelhante de comunicação. Assim quando um homem é condenado a perder seus bens, perde-os para si e para os filhos e descendentes. 

12. Por um privilégio especial e para honra de Nosso Senhor que foi o seu filho. Maria Santíssima foi preservada do pecado original. 

13. O sacramento do Batismo nos lava do pecado original, mas não tira as consequências dele. Ficamos com a ignorância, a fraqueza da vontade para o bem, a concupiscência ou inclinação do pecado, as misérias da vida e a necessidade de morrer. 


Explicação da gravura

14. Representa a gravura Adão e Eva desodecendo a Deus e expulsos por um anjo do paraíso terrestre. 

15. No ângulo superior esquerdo vê-se a morte do Salvador que nos remiu do pecado e do inferno.

16. No ângulo superior direito vê-se um padre batizando uma criança para lembrar-nos que o batismo tira a culpa original.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Tudo se acaba com a morte




 Finis venit; venit finis. 

O fim chega; chega o fim (Ez 7,6). 


Ponto I

Os mundanos só consideram feliz quem goza dos bens deste mundo: honras, prazeres e riquezas. Mas a morte acaba com esta ventura terrestre. "Que é vossa vida? É um vapor que aparece por um momento" (Tg 4,15). Os vapores que a terra exala, quando sobem ao ar, sob o efeito dos raios solares oferecem, às vezes, aspecto vistoso; mas quanto tempo dura essa aparência brilhante? Ao sopro do menor vento, tudo desaparece. Aquele poderoso do mundo, hoje tão acatado, tão temido, quase adorado, amanhã, quando estiver morto, será desprezado, olvidado e amaldiçoado. A morte obriga a deixar tudo. O grande servo de Deus Tomás de Kempis ufanava-se de ter construído uma casa magnífca. Um de seus amigos, porém, observou-lhe que notava um grave defeito. 

- Qual? - perguntou ele. 

- O defeito que encontro nela - respondeu-lhe o amigo - é que mandaste fazer uma porta.

- Como? - retorquiu o dono da casa - a porta é um defeito? - Sim - acrescentou o outro - porque virá o dia em que, por essa porta, deverás sair morto, deixando a casa e tudo o mais que te pertence. 

A morte, enfim, despoja o homem de todos os bens do mundo.

Que espetáculo ver arrancar este príncipe de seu próprio palácio para nunca mais entrar nele, e considerar que outros tomam posse de seus móveis, de seus tesouros e de todos os demais bens! Os servos deixam-no na sepultura coberto apenas com uma veste suficiente para cobrir-lhe as carnes; já não há quem o estime nem o adule; nem se levam em conta as ordens que deixou. Saladino, conquistador de muitos reinos na Ásia, ordenou, ao morrer, que, quando transportassem seu corpo à sepultura, um soldado precedesse o esquife, levando suspensa de uma lança a mortalha e gritasse: "Eis aqui tudo o que Saladino leva para a sepultura!" Quando um cadáver de um príncipe desce à sepultura, desfazem-se suas carnes, e nos restos mortais não se conserva indício algum que o distingua dos outros. "Contempla os sepulcros, - disse São Basílio - e não poderás distinguir quem foi o servo e quem o amo." Na presença de Alexandre Magno, certo dia, Diógenes mostrou-se mui absorvido em procurar alguma coisa entre um montão de ossos humanos. 

- Que procuras aí? - perguntou Alexandre, com curiosidade. 

- Procuro - respondeu Diógenes - o crânio do rei Filipe, vosso pai, e não o encontro. Mostrai-me, se o podeis encontrar.

Neste mundo todos os homens nascem em condições desiguais, mas a morte os iguala - disse Sêneca. Horácio dizia também que a morte nivela os cetros e os cajados. Numa palavra, quando a morte chega, finis venit, tudo se acaba e tudo se deixa; de todas as coisas deste mundo nenhuma levamos para a tumba. 


AFETOS E SÚPLICAS

Senhor, já que me fazes reconhecer que tudo quanto o mundo estima não passa de fumo e demência, dai-me força para livrar-me dele antes que a morte me arrebate. Infeliz de mim, que tantas vezes, por míseros prazeres e bens terrenos, vos ofendi e perdi a vós que sois o Bem infinito! Ó meu Jesus, médico celestial, volvei os vossos olhos para minha pobre alma; vede as feridas que eu mesmo lhe abri com meus pecados, e tende piedade de mim. Mas, para me curar, quereis também que me arrependa das ofensas que vos fiz. Já que me arrependo de coração, curai-me, agora que podeis fazê-lo ( Sl 40,5). Esqueci-me de vós; mas vós não me esquecestes, e agora me dais a entender que até quereis olvidar minhas ofensas, se eu as detestar (Ez 18,21). 

Sim, detesto e aborreço-as mais que todos os males. Esquecei, pois, meu Redentor, as amarguras que vos causei. Doravante, prefiro perder tudo, até a vida, a perder a vossa graça. De que me serviriam, sem ela, todos os bens do mundo? Dignai-vos ajudar-me, Senhor, já que conheceis minha fraqueza. 

O inferno não deixará de tentar-me; prepara mil assaltos para me reduzir de novo à condição de seu escravo. Mas, vós, meu Jesus, não me abandoneis! Quero ser escravo de vosso amor. Sois meu único Senhor, que me criastes, que me remistes e que me amastes sem limites. Sois o único que mereceis amor, e só a vós é que eu quero amar. 


Santo Afonso Maria de Ligório - Preparação para a morte, pg. 16-19. 

sábado, 16 de novembro de 2024

O Juízo




O JUÍZO PARTICULAR 
 

1. O juízo particular é o que se faz à hora da morte. Segundo a opinião comum, este juízo faz-se no próprio lugar onde morremos. 

2. Depois da morte, a nossa alma estará na presença de Jesus Cristo para ser julgado pelas suas obras e ouvir pronunciar a sentença que há de fixar a sua sorte eterna. 

3. O Evangelho nos ensina quão necessário é pensar no juízo particular. 

4. Como se tivessem ajuntado à roda de Jesus muitos gentios, de sorte que uns a outros se atropelavam, começou Ele a dizer a seus discípulos: Guardai-vos do fermento dos Fariseus que é a hipocrisia, porque nenhuma coisa há oculta que não venha a descobrir-se. As coisas que dizestes nas trevas, às claras serão ditas, e o que falastes ao ouvido no gabinete será apregoado sobre os telhados. A vós pois, amigos meus, os digo, que não tenhais medo daqueles que matam o corpo, e depois disto não têm mais que fazer. Mas eu vos mostrarei a quem haveis de temer: temei aquele que depois de matar, tem poder de lançar no inferno; sim, eu vos digo, temei a este. Não se vendem cinco pardais por dois asses* e nem um deles só está em esquecimento diante de Deus? E até os cabelos da vossa cabeça todos estão contados. Pois não temais, porque de maior valia sois vós que muitos pardais. Ora eu vos declaro que todo o que me confessar diante dos homens, também o Filho do Homem o confessará diante dos Anjos de Deus; o que porém me negar diante dos homens, também será negado diante dos Anjos de Deus. E todo o que proferir uma palavra contra o Filho do Homem ser-lhe-á dado perdão; mas aquele que blasfemar, contra o Espírito Santo, não lhe será isto perdoado... (Lc 12,1-10). Estejam cingidos os vossos lombos e nas vossas mãos tochas acesas, e sede vós semelhantes aos homens que esperam a seu Senhor ao voltar das bodas, para que quando vier e bater à porta, logo lhe abram. Bem-aventurados aqueles servos, a quem o Senhor achar vigiando quando vier; na verdade vos digo que ele se cingirá e os fará sentar à mesa e passando por entre eles, os servirá. E se vier na segunda vigília, e se vier na terceira vigília, e assim os achar, bem-aventurados são os tais servos. Mas sabeis isto, que se o pai de família soubesse a hora em que viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e, não deixaria minar a sua casa. Vós pois estais apercebidos, porque à hora que não cuidais, virá o Filho do homem. Disse-lhe então Pedro: Senhor, tu propôs esta parábola respeititiva só a nós, ou também a todos? E o Senhor lhe disse: Quem crês é o dispenseiro fiel e prudente, que pôs o Senhor sobre a sua família para dar a cada um a seu tempo a ração de trigo? Bem-aventurado aquele servo, que quando o Senhor vier, o achar assim obrando. Verdadeiramente vos digo que ele o constituirá administrador de tudo quanto possui. Porém se disser o tal servo no seu coração: Meu Senhor tarda em vir; e começar a espancar os servos, e as criadas, e a comer, e a beber, e a embriagar-se, virá o Senhor daquele servo no dia em que ele o não espera, e na hora em que ele não cuida, e removê-lo-á, e pôr-lo-á à parte com os infiéis. (Lc 12,35-47). 


Explicação da gravura

5. A gravura representa o juízo particular que terá lugar logo depois da morte. 

6. A esquerda está o juízo do justo, e a direita o juízo do pecador. O tribunal de Cristo vê-se elevado na própria casa onde acabam de expirar. 

7. A alma do justo é apresentada a Jesus pelo anjo da guarda, precedido da Virgem e de São José. Um anjo sustenta na mão esquerda a coroa para premiá-lo, e na direita a balança da justiça, onde se pesam os merecimentos do difunto.

8. A alma do pecador comparece também diante do juíz supremo, mas esconde a sua face. Está acompanhada pelos demônios e ligada por uma cadeia a Lúcifer. Jesus Cristo repele-a e da contra ela a sentença da eterna reprovação.

*Asses: pequena moeda chamada dipônio entre os romanos.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

A morte do justo e a do pecador

 



1. Morte boa e feliz é a morte do Cristão que está em graça.

2. Morte desgraçada é a do pecador em estado de pecado mortal: é a suprema desgraça para o homem. 

3. Diz a Sagrada Escritura que a morte dos pecadores é péssima.

4. Péssima é, 1º porque o pecador sente muito deixar os bens temporais aos quais ele unicamente se afeiçoou, e que lhe lembram os seus pecados; 2º porque há de sofrer em breve no inferno o terrível castigo duma vida criminosa.

5. Morte péssima foi a de Herodes que nos é narrada nos Atos dos Apóstolos: Herodes, tendo feito buscar a Pedro (que o anjo livrara da prisão), e não o achando, feito exame a respeito dos guardas, os mandou justiçar, e passando da Judéia e a Cesaréia, deixou-se aqui ficar. Ora Herodes estava irritado contra os de Tiro e de Sidônia. Mas estes, de comum acordo o foram buscar, e com o favor de Blasto, que era seu camarista, pediram paz, porque das terras do rei é que o seu país tirava a subsistência. E um dia assinado, Herodes vestido em traje real, se assentou no tribunal e lhes fazia uma falta. E o povo o aplaudia dizendo: Isto são vozes de Deus e não de homem. Porém subitamente o feriu o anjo do Senhor, pelo motivo de que não tinha tributado honra a Deus, e comido de bichos, expirou. (At 12, 19-24).

6. Péssima também foi a morte de Judas o traídor, cuja narração lemos nos mesmos Atos: Então (depois da Ascenção do Senhor) os Apóstolos voltaram para Jerusalém... e tendo entrado em certa casa, subiram aos quartos de cima onde permaneciam Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago filho de Alfeu, Simão o zeloso, e Judas, irmão de Tiago. Todos estes perseveraram unanimamente na oração com as mulheres e com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos deles. Naquele dias, levantando-se Pedro no meio dos irmãos (e montava a multidão dos que ali se achavam juntos a quase cento e vinte pessoas) disse: Varões irmãos, e necessário que se cumpra a Escritura, que o Espírito Santo predisse por boca de Davi acerca de Judas, que foi o condutor daqueles que prenderam a Jesus, o qual estava entre nós alistado no mesmo número, e a quem coube a sorte deste ministério. E este possui de fato um campo do preço da iniquidade, e depois de se pendurar rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram. E tão notório se fez a todos os habitantes de Jerusalém aquele sucesso, que se ficou chamando aquele campo, na língua deles, Haceldama, isto é, campo de sangue. (At 1,12-20). 

10. A Sagrada Escritura diz que a morte dos justos é preciosa aos olhos do Senhor.

11. A morte do justo é preciosa, 1º porque ela livra o justo de todos os males desta vida; 2º porque o justo ama a Deus e tem a consciência em paz; 3º porque o justo está para receber no céu o prêmio das boas obras que praticou durante a vida.

Explicação da gravura

12. Representa a gravura a morte do justo, e a morte do pecador. O justo, resignado e sossegado recebe as últimas consolações da religião, cercado dos parentes e amigos que oram por ele, animado pelo santo anjo da guarda; Jesus Cristo e a Virgem Santíssima o contemplam do céu, e o demônio envergonhado e raivoso foge para o inferno. 

13. O pecador repele com desprezo o sacerdote: o seu anjo da guarda afasta-se chorando, e os demônios cercam a cama, esperando o último suspiro do doente para se apoderarem da alma pecadora.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Os últimos fins do homem - A morte


 

A MORTE

1. Os últimos fins ou novíssimos do homem são a morte, o juízo, o inferno e o paraíso.

2. É bom lembrarmo-nos frequentemente os nossos últimos fins; esta lembrança afasta o pecado e nos excita ao fervor e ao zelo no serviço de Deus. Diz a Escritura sagrada: "Lembra-te de teus últimos fins e nunca mais hás de pecar."


A morte

3. A morte é o fim da vida, a separação da alma do corpo, a passagem da vida à eternidade.

4. Depois da morte do corpo corrompe-se e desfaz-se em pó; mas há de ressuscitar no fim do mundo.

5. A alma vai comparece na presença de Deus para ser julgada pelas suas obras.

6. Pelo pecado dos nossos primeiros pais entrou a morte do mundo. Proibiu-lhes Deus que comessem do fruto da árvore sita no meio do paraíso, ameaçando-os de morte de desobedecessem. Pelos pérfidos conselhos do demônio transgrediram aquele mandamento e foram condenados à morte, eles e todos os seus descendentes.

7. É pois certíssimo que todos os homens hão de morrer. São Paulo diz: "Decretado foi: todos os homens hão de morrer uma vez."

8. Mas quando morreremos? Quando aprouver a Deus; incerta é a hora da morte. Por isso Nosso Senhor disse: "Vigiai e orai, porque não sabeis nem o dia nem a hora". Quis Deus que a hora da morte fosse incerta e desconhecida, para que estivéssemos sempre preparados para morrer, já que todos os dias podemos morrer.

9. A melhor preparação para a morte é uma vida cristã. 

10. A preparação próxima para a morte é uma boa confissão e a recepção dos últimos sacramentos. É preciso não esperar os últimos dias da enfermidade ou doença para preparar-se para a morte, porque é expôr-se à condenação eterna, morrendo impenitente, como o indica Nosso Senhor no seguinte lugar do Evangelho: Um dia, um homem da plebe disse a Jesus: Dize a meu irmão que reparta comigo da herança. Porém Jesus lhe respondeu: Homem, quem me constituiu a mim juíz ou partidor sobre vós-outros? Depois lhe disse: Guardai-vos e acautelai-vos de toda a avareza, porque a vida de cada um não consiste na abundância das coisas que possui. Sobre o que lhe propôs esta parábola dizendo: O campo de um homem rico tinha dado abundantes frutos, e ele revolvia dentro de si estes pensamentos dizendo: Que farei, que não tenho aonde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto; derrubarei os meus celeiros e far-lo-ei maiores, e neles recolherei todas as minhas novidades e os meus bens. E direi à minha alma: Alma minha, tu tens muitos bens em depósito para largos anos; descança, come, bebe, regala-te. Mas Deus disse a este homem: Néscio, esta noite, te virão a demandar a tua alma, e as coisas que tu ajuntaste para quem serão? - Assim é o que entesoura para si e não é rico para Deus. (Lc 12, 13-22)


Explicação da gravura

11. A gravura representa a São Francisco de Borja, fidalgo da corte do imperador Carlos V. Tendo falecido a esposa do imperador, foi Francisco encarregado de levar o cadáver da imperatriz à Grenada. Chegado o préstito à cidade, abriu-se o féretro ou caixão para que se certificasse que o corpo nele contido era o da imperatriz. À vista do cadáver já podre e desfigurado, tão comovido ficou Francisco de Borja que resolveu renunciar às vaidades e ao mundo. Entrou na Compahia de Jesus, onde se tornou um grande santo.

12. Nos ângulos superiores vê-se um homem e uma mulher mirando-se ao espelho, e vendo a sua caveira. Na cabeça deles está a palavra Hoje, e no espelho a palavra: Amanhã. 

13. Na parte inferior vê-se um cemitério com cruzes e monumentos funerários e inscrições, com campas abertas deixando ver esqueletos.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 






sábado, 9 de novembro de 2024

Da Saudação Angélica

 



Explicação da gravura

1. A gravura trata da saudação angélica, chamada vulgarmente Ave-Maria, porque principia por estas palavras. Chama-se saudação angélica porque as primeiras palavras referem-se à saudação que o Arcanjo Gabriel dirigiu à Virgem de Nazaré, quando foi mandado por Deus, anunciar-lhe o mistério da Encarnação.

2. Essas palavras são: "Ave-Maria, cheia de graça o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as mulheres."

3. As outras palavras são parte de Santa Isabel, parte da Igreja. - As de Santa Isabel são: "E bendito é o fruto do vosso ventre", dirigidas a Nossa Senhora quando foi a visitar Santa Isabel, sua prima. - As palavras da Igreja são: "Jesus, Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Assim seja."

4. A oração principia pela saudação Ave-Maria, para testemunhar-lhe o nosso profundo respeito, chamando-lhe Senhora e Rainha, que tanto significa o nome de Maria, - Estas palavras estão representadas da gravura pela Anunciação do Anjo. 

5. Chamamos à Maria cheia de graça, porque, havendo de ser mãe de Deus, foi enriquecida de todas as graças que podem convir a uma pura criatura. - Palavras representadas na gravura pela Imaculada Conceição.

6. Dizemos: O Senhor é convosco, para significar que o Senhor foi sempre com a Virgem desde o princípio da sua conceição que por isso foi isenta de toda a culpa tanto original como atual. - Palavras representadas pela Virgem tendo ao colo a Nosso Senhor. 

7. "Sois bendita entre as mulheres" - quer dizer que a Virgem foi cheia de maiores graças que qualquer outra criatura. Foi, com efeito, preservada da culpa original: foi Mãe de Deus sempre Virgem: foi a criatura mais santa e mais agradável a Deus por todas as suas virtudes, abaixo da alma de Jesus Cristo. - Palavras representadas por Maria no meio de mulheres e mais elevada do que todas elas.

8. "Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus," quer dizer que assim como o seu divino Filho é bendito sobre todas as coisas, assim também Maria, como Mãe sua, é bendita sobre todas as puras criaturas tanto na terra, como no céu. - Palavras representadas na gravura por a Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, e pela Virgem tendo o menino Jesus ao colo e ao pé de si São João Batista. 

9. Dizemos "Santa Maria Mãe de Deus" porque, havendo de interessar a Senhora no despacho que lhe pedimos, nos lembra a Igreja que Ela é Mãe de Deus, isto é, que nada pode ser superior ao seu valimento. - Palavras representadas por Maria coroada no céu Rainha dos Anjos e dos homens.

10. Acrescentamos: "Rogai por nós pecadores", para movê-la à piedade para conosco que somos miseráveis pelo pecado. - Palavras representadas por Maria ajoelhada diante de Jesus Cristo e rogando por nós. 

11. Dizemos: "Agora e na hora de nossa morte", porque sempre temos necessidade do seu auxílio, especialmente na hora da morte em que é perigosíssimo o combate. - Palavras representadas pela Virgem aparecendo a um moribundo.

12. Devemos tributar à Virgem Maria respeito profundo e terna confiança, porque é Mãe do Salvador e Mãe nossa, Rainha dos Anjos e dos homens, e a mais santa das criaturas.

13. Devemos pois invocá-la muitas vezes, pedindo-lhe a sua proteção, celebrar as suas festas com piedade filial, e fazer diligência por imitar as suas virtudes.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 




domingo, 3 de novembro de 2024

A oração dominical

 




Explicação da gravura

1. A gravura trata da oração dominical ou Pai-Nosso; oração dominical quer dizer oração do Senhor, porque Nosso Senhor Jesus Cristo foi quem a compôs, para nos ensinar a orar. 

2. Consta a oração dominical de uma invocação e de sete petições.

3. As palavras da invocação são: Pai Nosso que estais no céu, que são como um pequeno prefácio, ou exordio para a oração dominical.

4. Chamamos a Deus nosso Pai, porque Jesus Cristo quer que oremos a Deus com amor e confiança filial. 

5. Dizemos Pai nosso e não Pai meu porque devemos orar como irmãos uns dos outros, e como membros da Igreja, pertencentes a mesma família do Pai celestial.

6. Acrescentamos: que estais no céu, para levantar nossos corações a contemplar o infinito poder de Deus que resplandece particularmente na obra dos céus, e ainda para nos advertir que a nossa oração, para obter os bens temporais, deve ser também encaminhada a conseguir os bens celestiais.

7. 1º petição: Santificado seja o vosso nome. - Pedimos nesta primeira petição que Deus seja conhecido em todo o mundo e que o seu santo Nome seja honrado e glorificado como cumpre. Podemos todos santificar o nome de Deus, reconhecendo como dom seu todo bem assim espiritual como temporal, mas santificar-se particularmente aquele santo nome obedecendo ao que ele nos manda. Está representada esta petição pela cura dum coxo, operada por São Pedro quando disse: Em nome de Jesus, levanta-te e anda.

8. 2º petição: Venha a nós o vosso reino. - Pedimos com estas palavras que venha depressa o reino de Deus, isto é, que Deus reine nas almas dos cristãos pela graça, e que acabamos as batalhas que temos com o mundo, o demônio e a carne, cheguemos à eterna bem-aventurança. Mas devemos fazer violência a nós mesmo para arrebatar esta glória. Está representada esta petição por Tobias profetizando o advento do reino de Deus. 

9. 3ª petição: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. - Pedimos a graça para cumprir os mandamentos, venerada e obedecida em todo o mundo de tão bom grado como os Anjos obedecem no céu. Está representada no centro da gravura por Nosso Senhor orando no jardim das Oliveiras.

10. 4ª petição: O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Pedimos assim o pão quotidiano tanto espiritual que é a graça de Deus, como temporal, que é o sustento necessário para nos conservar no serviço de Deus. Representada está a 4ª petição por um anjo que traz um pão ao profeta Elias. 

11. 5ª petição: Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos nossos pecados como perdoamos as ofensas que nos fazem. O perdão das injúrias é uma condição sem a qual é uma condição sem a qual não podemos receber de Deus o perdão de nossos pecados. A petição quinta está representada por Jesus Cristo perdoando na cruz aos seus verdugos, e por Davi poupando a Saul que o perseguia para matá-lo.

12. 6ª petição: Não nos deixeis cair em tentação, - Pedimos a Deus que nos livre das tentações, ou não permitindo que sejamos tentados, ou dando-nos a graça de não sermos vencidos. As tentações, se não consentimos nelas, são úteis e meritórias, porque nos fazem ser humildes e recorrer à Deus: vem a ser uma ocasião de merecimento na terra, e de glória no céu quando ficamos vencedores. Para não sermos tentados devemos fugir particularmente três coisas: a ociosidade, o dormir muito e a intemperança. 
A gravura representa a tentação de Nosso Senhor no deserto.

13. 7ª petição: << Mas livrai-nos do mal. >> Pedimos a Deus que nos livre de todo o mal tanto da alma como do corpo, no tempo e para a eternidade. Nas adversidades devemos sofrer com paciência e submeter-nos à vontade de Deus. 
A gravura representa Daniel miraculosamente preservado da fúria dos leões. 


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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Ponto III - Preparação para a morte




 Neste quadro da morte, caro irmão, reconhece-te a si mesmo, e considera o que virás a ser um dia: "Recorda-te que és pó, e em pó te converterás". Pensa que dentro de poucos anos, quiçá dentro de alguns meses ou dias, não serás mais que vermes e podridão. Este pensamento fez de Ló um grande santo: "À podridão eu disse: tu és meu pai; aos vermes: sois minha mãe e minha irmã".

Tudo se há de acabar, e se perderes a tua alma na morte, tudo estará perdido para ti. "Considera-te desde já como um morto, - disse São Lourenço Justiniano - pois sabes que necessariamente hás de morrer". Se já estivesse morto, que não desejaria ter feito por Deus? Portanto, agora que vives, pensa que algum dia cairás morto. Disse Boaventura que o piloto, para governar o navio, se coloca na extremidade traseira do mesmo; assim o homem, para levar uma vida boa e santa, deve imaginar sempre o que será dele na hora da morte. Por isso, exclama São Bernardo: "Considera os pecados de tua mocidade e cora; considera os pecados da tua idade viril e chora; considera as desordens da vida presente, e estremece", e apressa-te em remediá-la prontamente. 

 São Camilo de Lélis, ao aproximar-se de alguma sepultura, fazia estas reflexões: Se estes mortos voltassem ao mundo, que não fariam pela vida eterna? E eu, que disponho de tempo, que faço eu por minha alma? Este Santo pensava assim por humildade; mas tu, querido irmão, talvez com razão receies ser considerado aquela figueira sem fruto, da qual disse o Senhor: "Três anos já que venho buscar frutas a esta figueira e não os achei (Lc 13,7).

Tu, que há mais de três anos estás neste mundo, considera quais frutos tens produzido? Considera - diz São Bernardo - que o Senhor não procura somente flores, mas quer frutos; isto é, não se contenta com bons propósitos e desejos, mas exige a prática de obras santas. É preciso, pois, que saibas aproveitar o tempo que Deus, por sua misericórdia, te concede, e não esperes com a prática do bem até que seja tarde, no instante solene quando se diz: Vamos, chegou o momento de deixar este mundo. Depressa! O que está feito, está feito. 


AFETOS E SÚPLICAS

Aqui me tendes, Senhor, sou aquela árvore que há muitos anos merecia ouvir de vós estas palavras: "Cortai-a, pois, para que debalde há de ocupar terreno? (Lc13,7). Nada mais certo, porque, em tantos anos que estou no mundo, ainda não dei frutos senão cardos e espinhos do pecado. Mas vós, Senhor, não quereis que desespere. Dissestes a todos: aquele que me procurar, achar-me-á (Mt 7,7). Procuro-vos, meu Deus, e quero receber vossa graça. Detesto, de todo coração, as ofensas que cometi e quisera morrer de dor por elas. No passado fugi de vós, mas agora prefiro vossa amizade à posse de todos os reinos do mundo. Não quero mais resistir ao vosso chamamento. Quereis-me todo para vós e sem reserva entrego inteiramente. Na cruz, deste-vos todo a mim; todo me dou a vós. 

Senhor, vós dissestes: "Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu a darei" (Jo 14,14). Meu Jesus, confiado nessa grande promessa, pelo vosso santo nome e pelos vossos méritos, peço a vossa graça e o vosso amor. Fazei que deles se replete a minha alma, onde antes morava o pecado. Agradeço-vos por me terdes inspirado o pensamento de dirigir-vos esta oração, sinal evidente de que quereis ouvir-me. Ouvi-me, pois, meu Jesus! Concedei-me grande amor por vós, dai-me, um grande desejo de agradar-vos e depois a força de cumpri-lo. 

Ó Maria, minha excelsa intercessora, escutai-me vós também e rogai a Jesus por mim!



Santo Afonso Maria de Ligório - Preparação para a morte.


domingo, 20 de outubro de 2024

A oração


 Da oração em geral



1. A oração é uma elevação da nossa alma e do nosso coração a Deus para pedir-lhe o que é mais conveniente para a nossa salvação eterna.

2. Temos todos obrigação de orar, e por duas razões. A primeira é porque Nosso Senhor o mandou formalmente, dizendo que convinha orar sempre a Deus, e a segunda são as nossas necessidades contínuas.

3. Há duas espécies de oração: mental e vocal; ou por outro modo de coração e de boca.

4. A oração mental ou de coração é aquela em que se ora a Deus com a mente e com o coração, sem recorrer a certas palavras de costumes.

5. A oração de boca ou vocal é aquela que se faz com palavras.

6. Deus conhece as nossas necessidades, mas quer Ele que lhe dirijamos nossas preces, porque, com impetrar o que pedimos, quer que reconhecemos e exaltemos a sua benignidade para conosco.

7. Pode se fazer oração em todo lugar e em todo tempo, mas devemos principalmente orar de manhã e à noite, nas tentações e tribulações, e na igreja porque é o lugar consagrado a Deus e a casa propriamente da oração; porque ali se celebram os sagrados mistérios: porque o concurso de muitos que oram juntos torna a oração mais eficaz e poderosa.

8. A nossa esperança de que havemos de ser ouvidos na oração funda-se nas promessas de Deus onipotente, misericordioso é fidelíssimo, e nos merecimentos de N. S. Jesus Cristo, em nome do qual, como Ele mesmo nos ensinou e como pratica a Igreja, havemos de pedir as graças na oração.

9. Da oração provêm os seguintes frutos: 1º honra-se e louva-se a Deus; 2º aumenta-se a virtude; 3º enfraquecem-se as paixões; 4º aplaca-se a justiça de Deus.

10. A oração não é ouvida por culpa de quem ora, quando quem ora está em desgraça de Deus sem vontade de converter-se.

11. A oração não é ouvida por causa do modo como é feita, quando lhe faltam as condições necessárias, cujas principais são: atenção, humildade, fé e perseverança. 

12. Orar com atenção quer dizer que nos devemos aplicar à oração sem nos distrairmos voluntariamente, e orar de coração em quanto rezarmos com a boca.

13. Orar com humildade quer dizer que nos devemos reputar indignos de alcançar o que pedimos e acompanhar a oração com reverente compostura do corpo.

14. Orar com fé quer dizer que Deus pode e quer ouvir-nos pelos merecimentos de seu divino filho.

15. Orar com perseverança quer dizer não cessar de pedir a graça que havemos mister, acrescentando sempre: se for da vossa vontade.

16. As nossas orações não são ouvidas pelo motivo de coisa que pedimos, quando pedimos coisas que não convêm à nossa eterna salvação.

17. O que devemos pedir é o que se contém no Pai-nosso.

18. Podemos pedir a Deus a saúde e os bens temporais, com tal que isto se faça com submissão à sua vontade.

19. Devemos orar por nós, pelos nossos pais e parentes, por nossos superiores espirituais e temporais, em geral por todos os homens, não excetuando os nossos inimigos, pela nossa pátria, e pelas almas do purgatório a fim de livrá-las das suas penas e introduzi-las no céu. 



Explicação da gravura


20. No meio está Moisés orando numa colina em quanto os Hebreus lutam na planície contra os inimigos.

21. Vê-se no ângulo superior esquerdo uma família a rezar em comum. No ângulo superior direito, uma família a rezar antes da comida. No ângulo inferior esquerdo, uma família rezando antes do trabalho.

22. No ângulo inferior direito vê-se a Santo Antão orando com atenção e fervor diante do Crucifixo em quanto os demônios procuram distrair e tentá-lo de mil maneiras.


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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.


 


sábado, 19 de outubro de 2024

4º Mandamento da Igreja: Jejuar quando manda a Igreja




 5º Mandamento da Igreja: Não comer carne nas sextas-feiras e nos Sábados.¹

1. A Igreja nos manda jejuar na quaresma toda, exceto os domingos, nas quatro temporas, e nas vigílias de algumas festas.

2. O jejuar consiste a comer uma só vez ao dia com abstinência de certas comidas, que são as carnes de animais terrestres e aves de pena, os ovos e laticínios² que são produzidos pelos animais. 

3. Nos devemos abster dessas comidas por mortificação, pois são nutritivas e mais gostosas.

4. Comer carne nos dias de jejum, sem causa, é pecado mortal.

5. Dizemos que para jejuar se há de comer uma só vez ao dia, porque a consoada* somente é permitida pelo costume. Podemos comer à consoada coisas de pouca substância e em pequena quantidade.

6. Para comer ovos e laticínios ao jantar em dias de jejum é preciso tomar a Bula da santa Cruzada.

7. O preceito do jejum principia a obrigar a vinte e um anos completos.³

8. A Igreja sendo mãe não quer prejudicar a saúde de seus filhos, e por isso dispensa da obrigação do jejum os que não tem boa saúde ou que tem muito trabalho extraordinário.

9. A quaresma são quarenta dias de jejum e penitência, instituídos pela Igreja, 1º para honrar e imitar o Jejum de Jesus Cristo no deserto; 2º para excitar-nos a fazer penitência; 3º para preparar-nos à celebrar os mistérios da paixão de Cristo; 4º para dispor-nos a comunhão pascal.

10. O jejum das quatro temporas foi instituído: 1º para consagrar pela penitência cada uma das estações do ano; 2º para pedir a Deus a conservação dos frutos da terra; 3º para dar-lhe graças pelos frutos já recebidos; 4º para suplicar-lhe que dê bons ministros à sua Igreja.

11. Foi instituído o jejum das vigílias para que os fiéis se preparem a celebrar mais, devotamente as festas. 

12. Nos ordena a Igreja a abstinência em cada semana para nos estimular a viver na penitência e fazer-nos exercitar na mesma, escolheu a sexta-feira em honra da paixão de Jesus Cristo e o sábado em memória da sua sepultura.

13. Principia a obrigar o preceito de não comer carne deste os sete anos completos.

14. Quem está dispensado da abstinência não está dispensado do jejum: são coisas diversas.

15. Nos dias de jejum não se pode comer carne e peixe na mesma comida.


Explicação da gravura

16. Na parte superior da gravura, vê-se a N. S. Jesus Cristo tentado pelo demônio no deserto.

17. À direita, um padre impõe a cinza na cabeça dos fiéis no primeiro dia da Quaresma dizendo: Lembre-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar. 

18. À esquerda, nas temporas do verão, está representado a ordenação dos subdiáconos; mais abaixo, nas têmporas do outono, está representada a ordenação dos diáconos; embaixo, nas têmporas do inverno, está representado a imposição das mãos na ordenação dos padres; mais acima, à direita, nas têmporas da primavera, está representada a consagração das mãos na ordenação dos sacerdotes.

19. Na parte superior da gravura à direita vê-se o velho Eleazar a quem querem obrigar a comer carnes proíbidas pela lei.

20. Na parte superior vê-se ainda representado um festim onde se serve carne em dia proíbido. Ao centro vê-se um baile em tempo de quaresma, e mais abaixo o inferno onde se precipitam.

21. No ângulo esquerdo inferior vê-se, profeta Jonas profetizando a ruína de Nínive.

22. No ângulo direito vê-se São João Batista pregando penitência aos Judeus.


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1. A Igreja hoje, após o Concílio Vaticano II mudou um pouco as regras do jejum. Hoje de forma obrigatória ele ( o jejum) só é mandado para a Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira Santa. As outras sextas-feiras ou sábados ficam a decisão do fiel para modelar sua devoção.

2. Da mesma forma, a abstinência [em todas as sextas-feiras do ano] hoje se toma para com as carnes de animais de sangue quente, ou seja, bovinos, suínos e aves. Os ovos e laticínios são permitidos mesmo em dias de abstinência, assim como os peixes e frutos do mar.

3. O jejum torna-se obrigatório a partir dos 18 anos e a abstinência a partir dos 14. 

*Consoada: leve refeição noturna, sem carne, que se toma em dia de jejum.

P.S.: "Os tempos e os dias de penitência ao longo do ano litúrgico (o tempo da quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor) são momentos fortes da prática penitencial da Igreja. Esses tempos são particularmente apropiados aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras de caridade e missionárias). CIC 1438


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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.



quarta-feira, 16 de outubro de 2024

2º Mandamento da Igreja: Confessar ao menos uma vez cada ano.

 3º Mandamento da Igreja: Comungar pela Páscoa da Ressureição.




1. Estamos obrigados a este preceito logo que chegamos ao uso da razão e que começamos a conhecer o bem e o mal. 

2. Não se satisfaz a este preceito por uma confissão voluntariamente nula, porque a Igreja manda fazer uma confissão válida e frutuosa. 

3. Além da confissão anual devemos confessar quando temos devoção de receber a sagrada comunhão; quando nos conhecemos réus de pecado mortal e quando nos achamos em perigo de vida. 

4. Não há obrigação de comungar em dia de Páscoa, mas quando nos desobrigamos de Quaresma, segundo o costume do nosso reino.

5. Não podemos comungar em dia de Páscoa ou por desobriga* em qualquer igreja; deve ser em a nossa igreja paroquial, exceto se, com muita causa, o pároco nos der licença para comungar em outra igreja. 

6. Grande pecado é deixar uma pessoa de satisfazer ao preceito da comunhão ou a desobriga*, porque é desobedecer à Igreja em matéria grave, desprezar o maior benefício de Deus, e dar escândalo ao próximo.

7. Quando a Igreja nos diz que nos devemos confessar ao menos uma vez no ano, e comungar ao menos na Páscoa de Ressureição quer que entendamos que o seu desejo é que os fiéis se confessem e comunguem mais a miúdo, porque é difícil viver cristãmente se nos confessarmos e comungarmos uma só vez no ano. 


Explicação da gravura 


8. Na parte superior da gravura, à direita, começa a representação das festas que a Igreja aconselha aos cristãos para santificar pela recepção dos sacramentos da penitência e da Eucaristia.

9. À esquerda, vê-se a Porta da Quaresma que a Igreja abre aos bons cristãos para os preparar por meio da oração e da penitência para a confissão e comunhão pascal. Nem todos os cristãos obedecem ao chamamento da Igreja: muitos preferem os prazeres mundanos ao cumprimento dos deveres religiosos.

10. Acima da porta da Quaresma vê-se um confessionário onde os fiéis recebem o perdão das suas faltas, recuperam a paz da alma e a amizade de Deus. Da cruz Nosso Senhor aplica-lhes os merecimentos de seu sangue e morte. À direita do confessionário veem-se os fiéis cumprindo o preceito da comunhão pascal recebendo com a sagrada Eucaristia o penhor da vida eterna.

11. Na parte inferior da estampa, à direita, veem-se os Israelitas reunidos à mesa para comer o cordeiro pascal. Sobre eles um anjo com uma espada prepara-se para matar os primogênitos dos Egípcios. Assim como os Israelitas que marcaram as suas portas com o sangue do cordeiro pascal e se alimentaram com a sua carne, foram poupados pelo anjo exterminador assim os cristãos que pelo sacramento da penitência purificam as suas almas no sangue de Jesus e que na Eucaristia se alimentam da sua carne, evitarão a morte eterna. 

12. Desde o tempo dos apóstolos sempre os cristãos se confessaram. No ângulo esquerdo inferior veem-se cristãos confessando-se a São Paulo.


*Desobriga: cumprimento do preceito da Quaresma.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

sábado, 12 de outubro de 2024

Nossa Senhora Aparecida




 São Paulo (Brasil)

Festa a 12 de outubro


No ano de 1717, ao passar por Guaratinguetá o Conde de Assumar, a Câmara notificou aos pescadores que se fizessem ao rio, para pescarem, pois desejavam honrar, com lauta mesa, um tão alto personagem. 

Entre outros foram então pescar Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso, em suas canoas. Porém, todos, ainda que continuassem até o pôrto de Itaguassu, muito distante do ponto da partida, nada conseguiram.

Desapontados com a inutilidade dos seus esforços, tentam contudo novamente pescar aqui e além, e, lançando João Alves a sua rede de arrasto, tirou o corpo de uma imagem de Nossa Senhora, sem a cabeça, pelo que lançou outra vez a rede mais abaixo, e tirou a cabeça da mesma imagem, não se tendo sabido nunca quem a tinha lançado ao rio. Não tinham conseguido pegar um só peixe, como já dissemos; porém, continuando a pescaria depois do precioso achado, foi tão copiosa em poucos lanços, que, receosos de naufragarem, voltaram para suas casas assombrados com o que lhes tinha sucedido.

Felipe Pedroso conservou a referida imagem (que o povo chamou logo de Senhora Aparecida) em sua casa durante vários anos, e depois presenteou-a a seu filho Atanásio, que morava em Itaguassu, em cujo porto tinham encontrado a pequenina imagem. Atanásio, inspirado pela sua fé, fez um oratório e colocou num altar a aparecida imagem, e aos sábados, à noite, o povo da vizinhança ali se reunia para rezar o terço e outras devoções.

Em uma dessas rezas, estando a noite serena, apagaram-se repentinamente as velas que alumiavam a imagem de Nossa Senhora, e, querendo alguém acendê-las de novo, vê o povo, com pasmo, que as velas por si sós, sem ninguém lhes tocar, acendem-se de repente!

Foi este o primeiro prodígio, que se repetiu várias vezes, de modo que a notícia do estranho fato chegou ao conhecimento do Vigário de Guaratinguetá, Pe. José Alves Vilela, que, com outros devotos, lhe edificaram uma capelinha; mas essa capelinha logo se tornou pequena, pelo que foi demolida, e, no lugar em que hoje está, edificaram outra maior, que, reformada e aumentada, é a Basílica atual (velha).





A imagem está hoje em um nicho riquíssimo, tendo na cabeça uma coroal real que foi benzida pelo Santo Padre.

Eis por que Nossa Senhora grangeou mais um título em nossa amada pátria: Nossa Senhora Aparecida, por ter uma imagem sua aparecido na rede de um pescador.

Nossa Senhora Aparecida foi proclamada padroeira do Brasil, e terá em breve um santuário condigno na nova basílica que lhe será construída em Aparecida (Santuário Nacional de Aparecida, em Aparecida, SP, Brasil).




Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, rogai por nós. (300 dias de indulgência - Pio XI).


Maria e seus gloriosos títulos, Edésia Aducci, editora Lar Católico, 1960, 2ª edição.

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sábado, 5 de outubro de 2024

Figura bíblica desta perfeita devoção: Rebeca e Jacó


 183. De todas as verdades que acabo de descrever em relação à Santíssima Virgem, o Espírito Santo nos apresenta, na Sagrada Escritura (Gn 27), uma figura admirável na história de Jacó, o qual recebeu a bênção de Isaac, graças à solicitude e engenho de sua mãe Rebeca. 

Ei-la tal como a conta o Espírito Santo. Em seguida ajuntarei a explicação.


ARTIGO I

Rebeca e Jacó

§I. História de Jacó

184. Esaú vendera a Jacó seu direito de primogenitura. Anos depois, Rebeca, mãe dos dois irmãos, assegurou a Jacó, - que ela amava ternamente -, as vantagens daquele privilégio, empregando, para isto, uma astúcia santa e cheia de mistério. Pois Isaac, sentindo-se extremamente velho, quis, antes de morrer, abençoar seus filhos, e, chamando Esaú, o preferido, ordenou-lhe que fosse caçar algo para ele comer. Depois o abençoaria. Rebeca, prontamente, pôs Jacó ao corrente do que se passava, e disse-lhe que fosse buscar dois cabritos no rebanho. Assim que ele lhos trouxe, ela os preparou do modo que Isaac mais gostava. Em seguida, com as vestes de Esaú, que ela guardava, vestiu Jacó e com as peles dos cabritos envolveu-lhe o pescoço e as mãos, a fim de que Isaac, que não podia ver, acreditasse, tateando-lhe as mãos, que fosse Esaú, embora ouvindo a Voz de Jacó. Isaac, com efeito, ficou surpreso ao ouvir a voz que ele reconhecia como a de Jacó, mas, fazendo-o aproximar-se e tateando-lhe os pelos que cobriam as mãos do filho, murmurou: Em verdade a voz é de Jacó, mas as mãos são de Esaú. E, convencido, comeu. Em seguida, ao beijar Jacó sentiu a fragrância das roupas de Esaú, o que acabou por dissipar-lhe as dúvidas. Abençoou-o, então, e desejou-lhe o orvalho do céu e a fecundidade da terra; estabeleceu-o senhor de todos os seus irmãos; e terminou a bênção com estas palavras: "Aquele que te amaldiçar seja amaldiçoado, e aquele que te abençoar seja cumulado de bênçãos". 

Apenas Isaac acabara de falar, entrou Esaú trazendo um guisado da caça que abatera, e o apresentou ao pai, pedindo-lhe que comesse e em seguida o abençoasse. O santo patriarca ficou extremamente surpreendido, ao ficar ciente do engano, mas, longe de retratar o que fizera, confirmou-o, pois reconhecia no fato, evidentemente, o dedo de Deus. Então Esaú, como observa a Sagrada Escritura, gritou com grande clamor, e acusando em altas vozes o embuste de seu irmão, perguntou ao pai se ele não tinha outra bênção. Neste ponto, notam os Santos Padres, ele era a imagem dos que facilmente conciliam Deus com o mundo, querendo gozar ao mesmo tempo as consolações do céu e as da terra, Isaac, comovido pelos gritos de Esaú, abençoou, enfim, mas a bênção que lhe deu foi uma bênção terrena, sujeitando-o ao irmão. Por isso Esaú concebeu um ódio tão profundo contra Jacó que, para matá-lo, só esperava a morte do pai. E Jacó não teria podido evitar a morte, se sua extremosa mãe Rebeca não o protegesse com sua habilidade e os bons conselhos que lhe deu e que ele seguiu.


§ II. Interpretação da história de Jacó

185. Antes de explicar esta história tão bela, é preciso notar que, conforme todos os Santos Padres e intérpretes da Sagrada Escritura, Jacó e figura de Jesus Cristo e dos predestinados, enquanto Esaú é figura dos réprobos; basta, apenas, examinar a atitude de um e de outro para verificá-lo.

1º) Esaú, figura dos réprobos

1º) Esaú, o mais velho, era forte e robusto de corpo, destro e habilidoso no manejo do arco e na arte da caça. 

2º) Quase não parava em casa, e, confiante em sua força e destreza, só trabalhava fora, ao ar livre.

3º) Pouco se incomodava de agradar a sua mãe Rebeca, e nada fazia por ela.

4º) Era guloso e gostava tanto de satisfazer o paladar, que chegou a vender seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas.

5º) Estava, como Caim. cheio de inveja de seu irmão Jacó, e o perseguia sem tréguas.

186. Eis a conduta dos réprobos, todos os dias: 

1º) Fiam-se em sua força e indústria nos negócios temporais; são muito fortes, muito hábeis e esclarecidos para as coisas da terra, mas extremamente fracos e ignorantes nas coisas do céu: "In terrenis fortes, in caelestibus debiles". Por isso: 

187. 2º) Não se demoram ou se demoram muito pouco em sua própria casa, quer dizer no seu interior, que é a casa interior e essencial dada por Deus a cada homem para aí morar, conforme seu exemplo, pois Deus mora sempre em sua casa. Os réprobos não amam o retiro, nem a espiritualidade, nem a devoção interior e chamam de espíritos acanhados, carolas e selvagens aqueles que são espirituais e retirados do mundo, e que trabalham mais no interior do que fora.

188. 3º) Os réprobos não se preocupam de modo algum com a devoção à Santíssima Virgem, a Mãe dos predestinados. É verdade que não a odeiam formalmente, fazem-lhe às vezes um elogio, dizem que a amam, praticam até alguma devoção em sua honra, mas, de resto, não suportariam vê-la amada ternamente, porque não têm para ela as ternuras de Jacó. Acham motivo de censura nas práticas de devoção, a que se entregam os bons filhos e servos da Virgem Santíssima para obter sua afeição, na certeza de que esta devoção lhes é necessária à salvação, e acham mais que, desde que não odeiam formalmente a Santíssima Virgem, e que não desprezam abertamente sua devoção, isso é bastante e já ganharam as boas graças da Santíssima Virgem e são seis servos, ao recitarem ou resmungarem algumas orações em sua honra, sem a menor ternura por ela nem emenda para eles. 

189. 4º) Esses réprobos vendem seu direito de primogenitura, isto é, os gozos do paraíso, por um prato de lentilhas, os prazeres da terra. Riem, bebem, comem, divertem-se, jogam, dançam, etc., sem a mínima preocupação, como Esaú, de se tornarem dignos de bênção do Pai celeste. Em três palavras, eles só pensam na terra, só amam a terra, só falam e agem pela terra e pelos prazeres, por uma vã fumaça de honra, e por um pedaço de matéria amarela ou branca, a graça batismal, sua veste de inocência, sua celestial herança. 

190. 5º) Os réprobos, finalmente, em segredo ou às claras, odeiam e perseguem diariamente os predestinados. Prejudicam-nos quanto podem, desprezam-nos, roubam-nos, enganam-nos, empobrecem-nos, expulsam-nos, reduzem-nos a pó; enquanto eles mesmos fazem fortuna, gozam seus prazeres, vivem em situação esplêndida, enriquecem, se engrandecem e levam vida folgada. 


2º) Jacó, figura dos predestinados

191. 1º) Jacó, o caçula, era de compleição franzina, meigo e sossegado. Permanecia em casa o mais possível, para ganhar as graças de sua mãe Rebeca, que o amava ternamente. Se saía de casa, não o fazia por vontade própria, nem por confiança em sua própria habilidade, mas para obedecer a sua mãe.

192. 2º) Amava e honrava sua mãe: por isso ficava em casa junto dela. Seu maior contentamento era vê-la; evitava tudo que pudesse desagradar-lhe e fazia tudo que imaginava agradar-lhe. Tudo isso concorria para aumentar em Rebeca o amor que dedicava ao filho. 

193. 3º) Em todas as coisas ele era submisso a sua mãe, obedecia-lhe inteiramente em tudo, com obediência pronta, sem tardanças, e amorosa, sem queixas; ao menor sinal da vontade materna, o pequeno Jacó corria e trabalhava. Acreditava piamente, sem discutir, em tudo que a mãe lhe dizia: por exemplo, quando Rebeca o mandou buscar os dois cabritos, e ele os trouxe a fim de ela os preparar para Isaac, Jacó não replicou nem observou que bastava um para satisfazer o apetite de um só homem, mas, sem discenir, fez exatamente como ela mandou.

194. 4º) Ele depositava uma confiança sem limites em sua querida mãe; como não contava absolutamente com sua própria experiência, apoiava-se unicamente na proteção e nos desvelos maternos. Chamava por ela em todas as suas necessidades e a consultava em todas as suas dúvidas: por exemplo, quando lhe perguntou se, em vez de bênção, não receberia a maldição de seu pai, creu e confiou na resposta que ela lhe deu de que tomaria sobre si a maldição.

195. 5º) Ele imitava, enfim, na medida de sua capacidade, as virtudes que via em sua mãe; e parece que uma das razões por que ele permanecia em casa, tão sedentário, é que procurava imitar sua virtuosa mãe, e afastar-se de más companhia, que corrompem os costumes. Por tal motivo, tornou-se digno de receber a dupla bênção de seu querido pai.

196. Eis também a conduta diária dos predestinados:

1º) Vivem em casa, sedentariamente, com sua mãe, quer dizer, amam o recolhimento, são interiores, e se aplicam à oração, mas conforme o exemplo e a companhia de sua Mãe, a Santíssima Virgem, cuja glória está toda no interior e que, durante a vida inteira, tanto amou o retirou e a oração. É verdade que aparecem às vezes fora, no mundo; fazem-no, porém,  em obediência à vontade de Deus e de sua querida Mãe, para cumprir os deveres de estado. Por grandes coisas que façam no exterior e que apareçam, preferem muito mais as que fazem no interior, em companhia da Santíssima Virgem, porque aí executam a grande obra de sua perfeição, ao lado da qual todas as outras são como brinquedos de criança. Por isso, enquanto que seus irmãos e irmãs trabalham muitas vezes para o exterior com mais entusiasmo, habilidade e sucesso, recebendo os louvores e aprovações do mundo, eles sabem, pela luz do Espírito Santo, que há muito mais glória, bem e prazer em permanecer oculto no reconhecimento com Jesus Cristo, seu modelo, numa submissão inteira e perfeita a sua Mãe, do que em realizar, por si próprio, maravilhas naturais e da graça no mundo, como tantos Esaús e réprobos. "Gloria et divitiae in domo eius" (Sl 111,3) - a glória para Deus e as riquezas para os homens encontram-se na casa de Maria. 

Senhor Jesus, quão amáveis são vossos tabernáculos! O pardal encontrou uma casa para se alojar, e a rola, um ninho, onde abrigar seus filhotes. Oh! como é feliz o homem que mora na casa de Maria, na qual fizestes, primeiro, a vossa morada! É nesta casa de predestinados que ele de Vós somente recebe socorro, e em seu coração dispôs subidas e degraus de todas as virtudes, para elevar-se à perfeição neste vale de lágrimas. "Quam dilecta tabernacula..." (Sl 83).

197. 2º) Eles amam ternamente e honram em verdade a Santíssima Virgem, como sua boa Mãe e Senhora. Amam-na não só com a boca, mas verdadeiramente; honram-na não só no exterior, mas no fundo do coração; evitam, como Jacó, tudo que pode desagradar-lhe, e praticam com fervor tudo que creem poder adquirir-lhes sua benevolência. Trazem-lhe e lhe entregam não só dois cabritos como Jacó a Rebeca, mas seu corpo e sua alma, com tudo que do corpo e da alma depende, de que são figura os dois cabritos de Jacó, 1º) para que ela os receba como um dom que lhe pertence; 2º) para que os sacrifique e faça morrer ao pecado e a si próprios, escorchando-os e despojando-os da própria pele de seu amor-próprio, e para agradar, por este meio, a Jesus, seu Filho, que não quer para amigos e discípulos, senão aqueles que estiverem mortos a si mesmos; 3º) para que os prepare ao gosto do Pai celeste, e para servir à sua maior glória, que ela conhece melhor que nenhuma outra criatura; 4º) para que, por seus cuidados e intercessões, este corpo e esta alma, purificados de toda mancha, bem mortos, bem despojados e bem preparados, sejam um manjar delicado, digno do paladar e da bênção do Pai celeste. Não é o que farão as pessoas predestinadas, que apreciarão e praticarão a consagração perfeita a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, como lhes ensinamos, para testemunhar a Jesus e Maria um amor efetivo e corajoso?

Os réprobos dizem que amam a Jesus, que honram Maria, mas não com sua substância¹, com os seus haveres, ao ponto de lhes sacrificar seu corpo com os sentidos, sua alma com todas as paixões, como fazem os predestinados. 

198. 3º) Eles são submissos e obedientes à Santíssima Virgem, como a sua boa Mãe, a exemplo de Jesus Cristo, que, dos trinta e três anos que viveu sobre a terra, dedicou trinta a glorificar a Deus seu Pai, por uma perfeita e inteira submissão a sua Mãe Santíssima. A ela obedecem, seguindo com exatidão os seus conselhos, como o pequeno Jacó seguia os de sua mãe, que lhe diz: "Acquiesce consiliis meis" (Gn 27,8) - Meu filho, segue meus conselhos; ou como os criados nas bodas de Caná, aos quais a Santíssima Virgem diz: "Quodcumque dixerit vobis facite" - Fazei tudo o que Ele vos disser (Jo 2,5). Por ter obedecido a sua mãe, Jacó recebeu a bênção, como por milagre, embora por direito natural não devesse recebê-la; porque os servos nas bodas de Caná seguiram o conselho da Santíssima Virgem, foram honrados com o primeiro milagre de Jesus Cristo, que nessa ocasião, a pedido de sua Mãe, converteu a água em vinho. Assim, todos aqueles que até ao fim dos séculos receberem a bênção do Pai celeste, e forem honrados com as maravilhas de Deus, só receberão estas graças em consequência de sua perfeita obediência a Maria; os Esaús, ao contrário, perderão sua bênção, por falta de submissão à Santíssima Virgem. 

199. 4º) Os predestinados têm uma grande confiança na bondade e no poder da Santíssima Virgem; reclamam sem cessar seu socorro; olham-na como a estrela polar guiando-os a seguro porto; comunicam-lhe, com o coração aberto, suas penas e suas necessidades; acolhem-se à sua misericórdia e doçura para, por sua intercessão, alcançar o perdão de seus pecados, ou para gozar de seus maternais carinhos em suas aflições e contrariedades. Atiram-se até, escondem-se e se perdem de um modo admirável em seu regaço amoroso e virginal, para aí ficarem abrasados de amor, para aí se purificarem das menores manchas, e para aí encontrarem plenamente a Jesus, que aí reside como no mais glorioso dos tronos. Oh!  que felicidade! "Não creiais, diz o Abade Guerrico, que seja maior felicidade habitar o seio de Abraão que o seio de Maria, pois neste colocou o Senhor o seu trono: Ne credideris maioris esse felicitatis habitare in sinu Abrahae quam in sinu Mariae, cum in eo Dominus posuerit thronum suum".²

Os réprobos, ao contrário, põem toda a confiança em si próprios, só comem, como o filho pródigo, o que comem os porcos; como vermes, só se alimentam de terra; e porque amam somente as coisas visíveis e passageiras, como os mundanos, não apreciam as doçuras e suavidades do seio de Maria. Não sentem aquele apoio e aquela confiança que os predestinados sentem pela Santíssima Virgem, sua boa Mãe. Amam miseravelmente sua fome exterior, como diz São Gregório³, porque não querem provar a suavidade que está preparada no próprio íntimo deles e no íntimo de Jesus e de Maria. 

200. 5º) Finalmente, os predestinados mantêm-se nos caminhos da Santíssima Virgem, isto é, imitam-na, e nisto eles são verdadeiramente felizes e devotos, trazendo assim o sinal infalível de sua predestinação. Esta boa Mãe lhes diz: "Beati qui custodiunt vias meas" (Pr 8,32) - Bem-aventurados os que praticam minhas virtudes, e caminham sobre as pegadas de minha vida, com o socorro da divina graça. Eles são felizes neste mundo, durante sua vida, devido à abundância de graças e de doçuras que eu lhes comunico de minha plenitude e com muito mais abundância que aos outros que não me imitam tão esforçadamente; eles são felizes em sua morte, que é doce e tranquila, e na qual eu os assisto, para os conduzir às alegrias da eternidade; serão finalmente, felizes na eternidade, porque jamais perdeu algum dos meus servos, que durante a vida tenha imitado fielmente as minhas virtudes. 

Os réprobos, ao contrário, são infelizes durante a vida, em sua morte e na eternidade, porque não imitam a Santíssima Virgem em suas virtudes, contentando-se com pertencer a alguma de suas confrarias, com recitar uma ou outra oração em sua honra ou fazer qualquer devoção exterior. 

Ó Virgem Santíssima, minha boa Mãe, quão felizes são aqueles - eu o repito com transportes de coração - quão felizes são aqueles que, sem se deixar seduzir por uma falsa devoção, guardam fielmente vossos caminhos, vossos conselhos e vossas ordens! Quão infelizes, porém, e malditos, aqueles, que, abusando de vossa devoção, não guardam os mandamentos de vosso Filho! "Maledicti omnes qui declinant a mandatis tuis" - Malditos os que se afastam de teus mandamentos (Sl 118,21).

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1. Cf. Pr 3,9: "Honora Dominum de tua substantia" (Honra o Senhor com os teus haveres).

2. Sermo 1 in Assumptione, n.4.

3. "Amamus foris miseri famem nostram" (Homil. 36 in Evangel.).

São Luís Maria Grignion de Montfort; Missionário Apostólico, Fundador da Congregação dos Missionários da Companhia de Maria e da Congregação das Filhas da Sabedoria. 
44° edição- Editora Vozes- Petrópolis, 2014.