sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Tudo se acaba com a morte




 Finis venit; venit finis. 

O fim chega; chega o fim (Ez 7,6). 


Ponto I

Os mundanos só consideram feliz quem goza dos bens deste mundo: honras, prazeres e riquezas. Mas a morte acaba com esta ventura terrestre. "Que é vossa vida? É um vapor que aparece por um momento" (Tg 4,15). Os vapores que a terra exala, quando sobem ao ar, sob o efeito dos raios solares oferecem, às vezes, aspecto vistoso; mas quanto tempo dura essa aparência brilhante? Ao sopro do menor vento, tudo desaparece. Aquele poderoso do mundo, hoje tão acatado, tão temido, quase adorado, amanhã, quando estiver morto, será desprezado, olvidado e amaldiçoado. A morte obriga a deixar tudo. O grande servo de Deus Tomás de Kempis ufanava-se de ter construído uma casa magnífca. Um de seus amigos, porém, observou-lhe que notava um grave defeito. 

- Qual? - perguntou ele. 

- O defeito que encontro nela - respondeu-lhe o amigo - é que mandaste fazer uma porta.

- Como? - retorquiu o dono da casa - a porta é um defeito? - Sim - acrescentou o outro - porque virá o dia em que, por essa porta, deverás sair morto, deixando a casa e tudo o mais que te pertence. 

A morte, enfim, despoja o homem de todos os bens do mundo.

Que espetáculo ver arrancar este príncipe de seu próprio palácio para nunca mais entrar nele, e considerar que outros tomam posse de seus móveis, de seus tesouros e de todos os demais bens! Os servos deixam-no na sepultura coberto apenas com uma veste suficiente para cobrir-lhe as carnes; já não há quem o estime nem o adule; nem se levam em conta as ordens que deixou. Saladino, conquistador de muitos reinos na Ásia, ordenou, ao morrer, que, quando transportassem seu corpo à sepultura, um soldado precedesse o esquife, levando suspensa de uma lança a mortalha e gritasse: "Eis aqui tudo o que Saladino leva para a sepultura!" Quando um cadáver de um príncipe desce à sepultura, desfazem-se suas carnes, e nos restos mortais não se conserva indício algum que o distingua dos outros. "Contempla os sepulcros, - disse São Basílio - e não poderás distinguir quem foi o servo e quem o amo." Na presença de Alexandre Magno, certo dia, Diógenes mostrou-se mui absorvido em procurar alguma coisa entre um montão de ossos humanos. 

- Que procuras aí? - perguntou Alexandre, com curiosidade. 

- Procuro - respondeu Diógenes - o crânio do rei Filipe, vosso pai, e não o encontro. Mostrai-me, se o podeis encontrar.

Neste mundo todos os homens nascem em condições desiguais, mas a morte os iguala - disse Sêneca. Horácio dizia também que a morte nivela os cetros e os cajados. Numa palavra, quando a morte chega, finis venit, tudo se acaba e tudo se deixa; de todas as coisas deste mundo nenhuma levamos para a tumba. 


AFETOS E SÚPLICAS

Senhor, já que me fazes reconhecer que tudo quanto o mundo estima não passa de fumo e demência, dai-me força para livrar-me dele antes que a morte me arrebate. Infeliz de mim, que tantas vezes, por míseros prazeres e bens terrenos, vos ofendi e perdi a vós que sois o Bem infinito! Ó meu Jesus, médico celestial, volvei os vossos olhos para minha pobre alma; vede as feridas que eu mesmo lhe abri com meus pecados, e tende piedade de mim. Mas, para me curar, quereis também que me arrependa das ofensas que vos fiz. Já que me arrependo de coração, curai-me, agora que podeis fazê-lo ( Sl 40,5). Esqueci-me de vós; mas vós não me esquecestes, e agora me dais a entender que até quereis olvidar minhas ofensas, se eu as detestar (Ez 18,21). 

Sim, detesto e aborreço-as mais que todos os males. Esquecei, pois, meu Redentor, as amarguras que vos causei. Doravante, prefiro perder tudo, até a vida, a perder a vossa graça. De que me serviriam, sem ela, todos os bens do mundo? Dignai-vos ajudar-me, Senhor, já que conheceis minha fraqueza. 

O inferno não deixará de tentar-me; prepara mil assaltos para me reduzir de novo à condição de seu escravo. Mas, vós, meu Jesus, não me abandoneis! Quero ser escravo de vosso amor. Sois meu único Senhor, que me criastes, que me remistes e que me amastes sem limites. Sois o único que mereceis amor, e só a vós é que eu quero amar. 


Santo Afonso Maria de Ligório - Preparação para a morte, pg. 16-19. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário