segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Nossa Senhora de Almudena

Espanha - Madri


Quando Madri foi tomada definitivamente aos mouros, Nossa Senhora de Almudena, passou a ser, justamente com Nossa Senhora de Atocha, padroeira do povo madrileno.

O título  -  Nossa Senhora "de Almudena" provém do lugar em que foi encontrada a imagem, que, como tantas outras, havia sido escondida, para não ser profanada.

Todos estão de acordo que a imagem foi escondida na muralha que circundava a vila de Madri, e que aí foi encontrada, mas não concordam no que se refere à época e às circunstâncias em que se deu a sua descoberta. 

Há duas tradições acerca do encontro da imagem: uma diz que foi encontrada durante o assalto do exército de Afonso VI à muralha de Madri, parte da qual desmoronou, aparecendo a imagem; a outra tradição é contada da seguinte maneira: logo que o rei D. Afonso se apoderou de Madri, procedeu-se à purificação da igreja de Santa Maria, que havia sido profanada pelos mouros, e, como não tinha sido encontrada a imagem da Virgem levada para lá por São Tiago, a qual  tinha ocupado o altar-mór do mencionado templo, mandou o Rei que pintasse e fosse colocada em seu lugar outra imagem, que foi chamada - da Flor, por causa de uma flor que o pintor lhe pôs na mão, pintura esta que depois foi colocada no fundo da igreja, quando foi recolocada em seu lugar a antiga imagem. 

Como o Rei sabia da existência  dessa imagem antes da irrupção maometana, fez o voto de procurá-la  com toda a diligência, e, depois de desembaraçar-se dos encargos mais urgentes, e de fazer que se restabelecesse o culto na igreja de Santa Maria, organizou de acordo com a autoridade eclesiástica uma procissão de rogativa, para impetrar do Senhor o encontro da sagrada imagem, ao redor das muralhas da vila. 

Organizado o piedoso cortejo, foi circundando todo o recinto murado, entoando cânticos  e recitando com fervor diversas orações, para obterem da misericórdia divina que lhes mostrasse o lugar onde estava oculta a milagrosa imagem. 
Deste modo chegaram à parte da muralha que dava para a "Cuesta de la Vega", onde se verificou o prodígio  de desmoronar-se um pedaço da muralha, deixando a descoberto a imagem pelas lâmpadas que ali deixaram acesas os cristãos, antes de taparem o nicho  em que ficou encerrada. 
Em virtude de que fenômeno ardiam aquelas duas lâmpadas, que a um e outro lado tinha a imagem, como se uma mão diligente tivesse o cuidado de alimentá-las, para que não se apagassem?...
Foi forçoso admitir a intervenção do sobrenatural, porque foi impossível demonstrar que por via ordinária pudesse alguém acender as duas misteriosas lâmpadas!
É tradição que a imagem foi ali escondida pelos cristãos quando da invasão maometana. 
Passados os primeiros momentos de júbilo que produziu tão portentoso achado, dispôs o Rei que no dia seguinte se fizesse a transladação da sagrada imagem para sua antiga igreja, e que uma cópia dela fosse colocada entre duas lâmpadas constantemente acesas, no nicho da muralha que durante mais de três séculos havia ocupado a imagem autêntica, e assim se fez no meio  das demonstrações de fervor e de júbilo do povo de Madri, que enfim encontrara a venerada imagem à qual deram o título de "Almudena", que quer dizer mercado ou celeiro, porque a parte da muralha onde foi descoberta a imagem fica perto do lugar onde os mouros tinham seu mercado e depósito de cereais.

Não tardou o povo de Madri a experimentar os benéficos efeitos da poderosa intercessão da SS. Virgem sob o título de Nossa Senhora de Almudena, tanto nas necessidades públicas como nas individuais.

Entre os primeiros é digno de menção especial o eficaz auxílio que prestou à vila nos dois cercos que lhe puseram os mouros, depois de haver sido reconquistada por D. Afonso VI. 

Em ambos deu o triunfo às armas cristãs, desbaratando os muçulmanos, e remediou os horrores da fome, que já se fazia sentir pela falta de víveres, fazendo-os chegar em abundância aos sitiados, por via milagrosa. 

A antiga igreja paroquial de Santa Maria (são várias e contraditórias as versões que circulam acerca da época da construção desta igreja), de Madri, onde foi venerada Nossa Senhora de Almudena, quase nada de notável oferecia no que se refere a sua arquitetura, mas a figura saliente do citado templo era a imagem de Nossa Senhora, cujo formoso rosto, majestoso aspecto e a bem executada escultura do Divino Infante que a Virgem sustenta em seus braços, justificam a crença de que a dita obra de arte foi executada, por inspiração divina, por artífices dos tempos apostólicos.

A imagem é de madeira olorosa, que recorda os cedros do Líbano, e a pintura que a cobre é tão consistente, que os estragos naturais do tempo não tem podido deteriorá-la. 

As jóias doadas à milagrosa imagem são muitas e de grande valor, assim como os mantos com que reis e rainhas, príncipes, nobres e outras pessoas de todas as classes sociais se comprazem em adorná-la.

A revolução de julho de 1854 derrubou o histórico templo, e a veneranda imagem teve de receber hospitalidade na próxima igreja do Sacramento, para onde foi transladado também o culto da paróquia.

Grande vergonha era para os madrilenos estar a milagrosa imagem de sua excelsa Padroeira numa igreja que não era sua; por isso foi projetada a construção de um grandioso templo dedicado a Nossa Senhora de Almudena, e que ao mesmo tempo servisse de Catedral da diocese de Madri-Alcalá.


(Versão resumida do livro "La Virgem en Espanã".)

Fonte: Livro Maria e seus gloriosos títulos, Edésia Aducci







quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A fuga do pecado venial - Segundo grau de piedade




O pecado. - O que é o pecado venial?  - É a dominação da satisfação humana a ponto de levar à infração formal, embora leve, de um preceito divino. 
Dominação: Presa às criaturas pela atração do prazer, minha alma prefere sua própria satisfação aos interesses de Deus; ela se satisfaz, e desagrada a Deus. Ela conhece e percebe, ao menos um pouco, o preceito que obriga, e mesmo assim opta pela satisfação enganosa 60; o prazer a domina.
Mas não a domina a ponto de excluir totalmente a glória de Deus; a infração por ele produzida é apenas leve, seja porque a matéria não é grave em si mesma ou na proibição que ela envolve, seja porque há insuficiência de conhecimento ou de consentimento de minha parte. E, por ser de pouca gravidade, tal ofensa não extingue a vida; minha alma não chega a ser totalmente desviada e separada de Deus. É como uma ferida feita à alma, e também à glória de Deus.

Sua gravidade.  - Embora muito menos grave, em sua natureza e em seus efeitos, que o pecado mortal, este mal é ainda a desordem essencial, isto é, o maior de todos os males. Infelizmente, estou longe de o compreender, e mais ainda de o sentir! Quando se trata dos males que atacam meu prazer, compreendo-os instintivamente, e sinto-os poderosamente!... Mas, quanto ao mal que ataca a glória de Deus, compreendo-o tão pouco e sinto-o tão fracamente! Quem compreende o pecado? (Sl 18,13). Onde a sabedoria capaz de compreendê-lo, e a inteligência capaz de reconhecê-lo? (Oséias 14,10) Meu Deus! De que aberrações sou capaz, considerando frequentemente como "mal" aquilo que o é tão pouco, enquanto quase não percebo onde ele mais está presente!... Os males que me aflingem são, muitas vezes, tão úteis! Já o pecado venial nunca o é! As maiores infelicidades contêm sempre algum bem, ao passo que, mesmo no menor pecado venial, enquanto pecado, não há qualquer vestígio de bem!... Quem pode compreender o pecado?...

A reparação. - No segundo grau de sua ascenção, a piedade realizará a reparação dessa desordem. Nas circunstâncias em que há pecado venial, isto é, em que coloco minha satisfação acima da glória de Deus, ofendendo-o e ferindo-o, ela me tornará capaz de ceder à santa glória seu lugar e seus direitos. Já nenhum prazer a usurpará. 
Este grau será constituído pela facilidade e prontidão, bem arraigadas, de situar minha satisfação em seu devido lugar e no papel que lhe convém, sem permitir-lhe, deliberadamente, o menor desvio venial. E essa facilidade deve dominar e controlar meu espírito, meu coração e meu corpo. Diliges ex toto... Ela deve estender-se a todas as circunstâncias e a todas as criaturas. Se fosse preciso sacrificar a satisfação e mesmo imolar a própria vida, a alma o faria resolutamente, antes que cometer voluntariamente e deliberadamente um pecado venial. Quando a virtude puder elevar-se a esse ponto de clareza e de firmeza em que já nenhum temor, nenhuma atração a puder dominar e induzir a uma ofensa a Deus, mesmo leve, formalmente deliberada, ela terá atingido o segundo grau da piedade; está é a vida propriamente cristã. 

Altura desse grau. - Essa elevação não se atinge facilmente, nem comumente. É preciso, com efeito, purificar muitos recônditos interiores onde se escondem impulsos egoístas, apegos terrenos, apelos da sensualidade; é preciso desfazer, um por um, os nós apertados e embaralhados de tantos hábitos que aprisionam a natureza viciada, e que se traduzem, exteriormente, por palavras que exprimem julgamentos temerários, maledicências, irritação, difamação, etc., e também uma multidão de atos em que a verdade, a justiça, a caridade, o dever são omitidos ou comprometidos por interesse: plantas daninhas, infelizmente tão numerosas, que invadem quotidianamente as conversas e a conduta, sem que nos preocupemos em capinar o campo infestado por sua pestilência; é preciso, enfim, elevar as faculdades do ser a uma altura e firmeza que permitam ao "dique" da piedade sobressair e resistir às águas das paixões, seja qual for a força dos ventos e das chuvas. Tantos ventos se desencadeiam, tantas torrentes se abatem, tantas fissuras abalam a piedade! 61 Mesmo considerando apenas as misérias veniais, o trabalho é árduo! 
Em que ponto estarei?... Infeliz de mim, quantas faltas veniais!... A busca de mim mesmo não me leva, com frequência, a ofender a Deus, com meu pleno conhecimento e consentimento? E quantas faltas cometo, quase sem perceber, em consequência de maus hábitos que não combato como deveria! Quantas vezes os meus maus instintos, pouco ou nada reprimidos, provocam desentendimentos e atritos, sem que eu ao menos me importe! Ah! Meus pecados veniais! Já não os posso contar! Eles se tornaram mais numerosos que os cabelos de minha cabeça (Sl 39,13). 

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60. Pelo pecado venial, a pessoa prefere a própria satisfação àquilo que Deus ordena, mas não chega ao ponto de preferi-la ao próprio Deus, pois, nesse caso, haveria um pecado mortal, uma negação da ordem segundo a qual Deus deve ser amado acima de todas as coisas. E essa preferência só é venial se o mandamento desobedecido não implica na perda da amizade com Deus, isto é, se o ato desordenado não anula a disposição da vontade para renunciar à própria satisfação, caso esta conduzisse à destruição da ordem essencial da caridade.

61."Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua ruína!" (Mt 7,27).


Fonte: Livro A vida interior 
- simplificada e reconduzida ao seu fundamento, François de Sales Pollien, Joseph Tissot. 





quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Fuga do pecado mortal - Primeiro grau de piedade



133. O pecado. - O pecado mortal é o domínio da satisfação humana ao ponto de infrigir de modo grave e formal um preceito divino. É a completa e radical perturbação da ordem essencial da minha criação; é a destruição da vida de Deus em mim; é a desordem em toda a sua horrível perversidade. Coloco-me acima de Deus e calco aos pés a sua glória, imolando-a ao meu prazer. Todos aqueles que pecam estão privados da glória de Deus (Rm 3,23).
É preciso chorar esse mal com aquelas lágrimas que a Escritura chama tão apropriadamente "sem consolo" (Tob 10,4). Assim chorava Jeremias: "Considerai, pois, se jamais aconteceu coisa semelhante! Acaso um povo troca de deuses? - e esses nem são deuses! Mas meu povo trocou a mim, seu Deus e sua glória, por ídolos que nada valem! Espantai-vos disso, ó Céus, horrorizai-vos e abalai-vos profundamente - oráculo do Senhor" (Jr 2,10-12).

134. A recuperação. - Os primeiros esforços da piedade se dirigem contra essa abominação, e sua primeira honra será triunfar dela. Não importa o quanto custe, ela se empenhará em reduzir a satisfação à sua ordem de submissão e de serviço, sem permitir-lhe nenhuma usurpação de seu percurso estará concluída quando ela tiver elevado e fortificado suficientemente o espírito, o coração e os sentidos para que a glória divina seja considerada, amada e buscada preferenciamente a qualquer prazer desordenado capaz de ofender mortalmente a Deus. 
Se o prazer não é, em si mesmo ou em suas circunstâncias, proibido pela lei de Deus, e se ele pode conviver com a glória divina, eu me contentarei com situá-lo em seu lugar e restituir-lhe seu papel auxiliar. Mas, se um preceito exige o seu sacrifício, eu o sacrificarei sem nenhuma chance de conciliação, ainda que isso me custe a vida. Esse é o preço da primazia dos direitos de Deus sobre a existência: nenhuma satisfação, nem mesmo a da vida, pode prevalecer sobre eles. 

135. O hábito. - Quando me encontro na disposição de reorientar e de sacrificar, se necessário, qualquer satisfação, de preferência a cometer voluntariamente qualquer falta grave; quando, nessas circunstâncias, consigo agir com prontidão e facilidade; quando essa disposição torna-se solidamente estabelecida, então cheguei ao primeiro grau de piedade. 
Mas ao alcance dessa disposição só estará completo quando ela tiver conquistado todas as minhas potencialidades, sendo capaz de governá-las e defendê-las de forma suficientemente poderosa para que nenhuma criatura, nenhuma circunstância consiga fazer penetrar o inimigo, a menos que ocorra algum imprevisto. O pecado mortal já não pode ter lugar, nem no espírito, nem no corpo (Rm 6,12). "Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu entendimento, com todo o teu coração, com toda a tua alma e todas as tuas forças".
Se eu disse: "a menos que ocorra algum imprevisto", é porque a pobre fraqueza humana faz com que essas misérias sejam sempre possíveis, mesmo com as melhores e mais fortes disposições. Mas esses acidentes passageiros não impedem que o hábito adquirido subsista, nem fazem a alma decair do estado a que chegou. Ao falar em estado de alma ou em grau de virtude, nunca devemos ter em conta os simples sobressaltos das faltas resultantes da pura fragilidade. 

136. Atos e hábito. - Esse grau, como os seguintes, não se caracteriza pelo maior ou menor número de atos praticados, mas pela unidade e perfeição atingidas pela disposição. Com efeito, a alma só pode atingir um estado definido na medida em que conquista a unidade de sua disposição característica. Bem sei que essa disposição se adquire pela repetição dos atos; mas a repetição dos atos, embora contribua poderosamente para formar o hábito, não é o hábito em si. Este tem sua raiz natural nas tendências da alma, e sua raiz sobrenatural nas graças infusas. E não se desenvolve apenas pelo meu trabalho humano, mas sobretudo pelo trabalho de Deus em mim, como veremos na segunda Parte. Portanto, na elaboração da minha vida concorrem, em primeiro lugar, as tendências naturais; depois, as graças sobrenaturais; em seguida, a ação providencial, e por fim a minha ação pessoal. A piedade é o resultado final desses quatro fatores. (...)

138. Altura desse primeiro grau. - Trata-se já de um grau de piedade, uma vez que é pelo conhecimento, amor e busca de Deus que se evita o pecado. Onde essas três coisas estão unidas: conhecimento, amor e busca de Deus, a piedade sempre está presente. Por mais débeis que sejam os inícios, não deixam de fazer parte da grande disposição que é o resumo e a unidade dinâmica da vida cristã. 
Além disso, não é tarefa de um dia chegar, não simplesmente a evitar de fato o pecado mortal e sentir-me disposto a evitá-lo a todo custo, mas a cultivar, fundamentar e forticar essa disposição, de forma a ter facilidade e prontidão para os sacrifícios realmente necessários, mesmo o da própria vida, para evitar o pecado mortal, e de forma que essa facilidade e prontidão se estabeleçam nos sentidos, no coração, no espírito, em todo o meu ser. 
Terei chegado a esse ponto? Não me vejo, às vezes, claudicando entre dois partidos? Terei compreendido até que ponto o Senhor é meu Deus e de que forma devo segui-lo? (1Rs, 18,21). Em minha luta contra o pecado, já resisti até o sangue? (Hb 12,4). Poderei dizer, ó meu Deus, que já galguei ao menos o primeiro degrau? Estou seguro disso? Meu espírito, meu coração, meus sentidos... terão eles facilidade e prontidão para rejeitar o pecado, a simples ideia do pecado? Já vivi no pecado... tê-lo-ei eliminado por completo? Já estive mergulhado no atoleiro... estarei realmente liberto e completamente limpo? Que sou eu, meu Deus? De que me glorifico, eu que não passo de um amontoado de terra e cinza? (Eclo 10,9). Que piedade é a minha, se ainda não cheguei ao primeiro degrau?!...


Fonte: Livro A vida interior- de François de Sales Pollien, Joseph Tissot











quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A vida




(...) O que é viver?  - É ter em si uma atividade própria, proveniente de um príncípio íntimo, que tem o poder de se desenvolver em sua ação e de possuir o seu desenvolvimento 6.
Há dois tipos de vida, a perfeita e a imperfeita. A vida perfeita é a do ser que se possui e se basta, na plenitude de um movimento que nada tem a desenvolver. Essa plenitude absoluta de vida somente se encontra em Deus.
O ato divino, pelo qual Deus se possui, se conhece e se ama na Trindade de suas Pessoas, é um ato infinito; e esse ato é a vida de Deus em si mesmo.
No céu, terei a plenitude de vida  da qual o meu ser se tiver tornado capaz; e possuirei, sem fim e sem mudança, em um ato pleno que mobilizará toda a minha força vital, o desenvolvimento que tiver atingido. Esta será, em minha medida própria e acabada, a vida perfeita. 
Aqui na terra, a vida é imperfeita. - E o que é a vida imperfeita? É o movimento de aquisição, pelo qual um ser se desenvolve. O princípio de atividade interna vai crescendo e se dilatando em sua ação. É uma vida que se faz, que se constrói, que se organiza, e cujo sinal característico é, portanto, a aquisição e o crescimento. O crescimento do ser imperfeito é a manifestação essencial de sua vida. E essa é a condição da minha vida presente. 

20. Natural e sobrenatural. - Sou feito para viver: que quer dizer isto? Quer dizer que sou chamado a desenvolver em mim os frutos da santidade neste mundo, a fim de possuir no céu, como desfecho e para sempre, a vida eterna (Rm 6,22). A vida deste mundo é um crescimento, a vida do céu é uma posse, e ambas constituem a atividade própria do meu ser.
Tenho uma alma e um corpo; a alma vive por si mesma, com uma vida recebida de Deus; e o corpo vive por meio da alma que o anima. A alma pode agir; e ela age, por meio das faculdades que possui. O corpo pode agir; e ele age, por meio das capacidades que lhe são próprias, e que são animadas e regidas pela alma. Esta possui toda uma organização de faculdades cognitivas, volitivas e ativas; e aquele possui uma série de orgãos que se conectam às faculdades da alma e agem por meio delas. Na ação e no desenvolvimento dessas faculdades e dessas potências consiste a minha vida natural. 
Tenho também, pela graça de Deus, uma outra vida; isto é, uma outra capacidade de agir e crescer; não mais por mim, mas por Deus. É a vida sobrenatural onde Deus, unindo-se à minha natureza por um liame inefável, eleva-me acima de mim mesmo, e concede às minhas faculdades o poder de realizar atos divinos. Ele mesmo se torna, então, a vida de minha vida, a alma de minha alma: mistério de amor!
E essa vida é a vida sobrenatural, quer dizer, a vida eterna 7; pois é o desenvolvimento, aqui na terra, da vida que possuirei no céu.

21. Crescei. - Sou feito para viver e somente para viver. - Que farei no céu? - Viverei, sem fim, no ato único do louvor eterno, fonte eterna de bem-aventurança. - Que devo fazer aqui na terra? - Devo viver, isto é, desenvolver-me, uma vez que a vida imperfeita, a única que tenho agora, consiste em desenvolver-se. "Crescei e multiplicai-vos", disse o Senhor ao homem, dando-lhe o poder de desenvolver e de comunicar a vida (Gn 1,28). Essa foi a primeira palavra que o Criador lhe dirigiu; em sua plenitude e sua majestade, ela contém e exprime a lei total da vida. Todas as minhas obrigações, sem nenhuma exceção, encontram sua base e sua explicação nessa obrigação primeira, na qual se encontra o sentido e a medida de todos os meus deveres para com Deus, para com as demais criaturas e para comigo mesmo. É preciso crescer, é preciso desenvolver a vida física, moral, intelectual. Essa é a razão dos cuidados e precauções a tomar na manutenção do corpo, na educação do coração e na instrução do espírito. Cada um é responsável pelo trabalho de aquisição e de conservação do pleno desenvolvimento de suas faculdades. 

22. Vida cristã. - E esse desenvolvimento natural deve estar ordenado para Deus. As faculdades aperfeiçoadas devem servir de instrumentos para a vida sobrenatural. "Não entregueis vossos membros ao pecado, como armas de injustiça", diz São Paulo; "pelo contrário, oferecei-vos a Deus para, superando vossa morte, ter a sua vida, e oferecei vossos membros como armas de justiça a serviço de Deus" (Rm 6,13).
A vida sobrenatural é, pois, normalmente chamada a elevar-se pelo próprio crescimento da vida natural; sou obrigado a fazer o que depende de minha liberdade, para harmonizar a natureza com a graça. O privilégio - revelado pelo grande apóstolo - de expansão do divino em meio e acima das desagregações do que é terrestre 8, manifesta misericordiosamente seus efeitos nas leis de punição às quais Deus me submeteu; mas não se estende às falsificações que eu introduzir.

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(6) Cf. São Tomás, De Potentia, § 10, a. I c.
(7) "A graça de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rm 6,23).
(8) Ver nº4.


Trecho retirado do livro: A vida interior - simplificada e reconduzida ao seu fundamento,
François de Sales Pollien, Joseph Tissot.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Nossa Senhora de Lignou


Couterne - França



O Santuário de Nossa Senhora de Lignou é muito frequentado, e dista cerca de 4 quilômetros da cidade termal de Bagnoles-dell'Orne, e 2 quilômetros da encantadora igreja de Couterne.

O Santuário é situado no cimo de uma ridente colina, em uma pequena e tranquila aldeia.

A sua torre é coroada por uma branca estátua de Maria, que os raios do sol fazem resplandecer. 

O Santuário domina toda a região, o imenso horizonte da Normândia inteira, e do Maine, que se estende a seus pés. 

Segundo a tradição, o título - "de Lignou"  originou-se de "Lignum", que quer dizer lenho, madeira, referindo-se provavelmente à "árvore" onde a imagem foi encontrada.

As peregrinações a este Santuário são realizadas durante o mês de maio, assim como no dia 15 de agosto.

A imagem de Nossa Senhora é preta, de uma mistura de terra cozida e de substância metálica difícil de precisar, e tem 0,80 c. de altura, sendo extraordináriamente pesada; permaneceu durante muito tempo em uma árvore, uma espinha branca ou pibriteiro, onde foi encontrada, e aonde, segundo a lenda, ela tornou a se fixar depois de três retiradas. Defronte desta árvore foi construída uma capela para a imagem. 

Uma  notícia publicada em 1869 faz remontar ao século XI um dos teixos que havia perto da capela, atualmente desaparecidos, e sabe-se, pela tradição, que, quando construiram um edifício religioso, plantavam ao redor ou perto alguns teixos, para que essas árvores fôssem testemunhas de sua idade.

Em 1928 foi concluído o novo Santuário, obra do arquiteto Pignard. O pibriteiro legendário é renovado de geração em geração, em lembrança do encontro da imagem milagrosa, e é até hoje respeitado, e os peregrinos gostam de levar consigo fragmentos dessa árvore, conservando-os  com devoção.

(Versão um tanto resumida do livro "Mille Pèlerinages de Notre-Dame", de I. Coutrier de Chefdubois).

Fonte: Livro Maria e seus gloriosos títulos, de Edésia Aducci.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Nossa Senhora da Paz

Toledo (Espanha)

Festa a 9 de julho



A origem da devoção a Nossa Senhora da Paz tem suas raízes na cidade de Toledo (Espanha).

Nessa cidade, em um templo consagrado a Maria Santíssima e muito venerado pelos fiéis, a Rainha do céu tinha visitado e agraciado diversas vezes a Santo Ildefonso.
Entretanto, mais tarde foi esse templo transformado pelos mouros em mesquita e profanado com os cultos e ritos de sua falsa religião; e quando, em 1085, o rei Afonso VI tomou a cidade, viram os cristãos, com grande mágoa, que nos tratados jurados por ele ficava o referido templo em poder dos mouros.

Partindo Afonso VI para Castela, deixou em Toledo sua esposa, a Rainha D. Constança, e o Arcebispo eleito, D. Bernardo, os quais, compartilhando o desejo ardente dos cristãos, e levados também pelos próprios sentimentos, que julgavam uma indignidade estar o templo principal em poder dos inimigos, resolveram assaltá-lo, uma noite, com pessoas armadas, e apoderar-se dele. E assim o fizeram.

Indignado o Rei, por não ter sido respeitado o seu juramento, dirigiu-se à cidade, resolvido a castigar severamente os principais autores daquela afronta. Grande foi o contentamento dos mouros em contraste com a tristeza dos cristãos. Vendo estes que o Rei já se achava às portas da cidade, sairam em procissão pelas ruas, vestidos de luto e cilício e implorando clemência; outros, no templo, de joelhos, imploravam a Maria Santíssima que tocasse no coração do Monarca. E eis que realmente  se opera o milagre: seu coração abranda-se inteiramente.

Os mouros, que antegozavam o castigo que cairia sobre os cristãos e a vingança de sua injúria, começaram a recear que o castigo se voltasse contra eles, tirando-lhes a liberdade e tornando-lhes a vida dura e insuportável; pressurosos apresentaram-se, portanto, ao Rei, e prostados a seus pés, suplicaram-lhe que perdoasse à Rainha e o Arcebispo, deixando eles o aludido templo em poder dos cristãos.

Acedeu o Rei com prazer ao pedido dos mouros, transformando a sua ira em benevolência, e a sua tristeza em alegria.

A procissão entrou triunfante na cidade, e, dirigindo-se ao templo da Virgem, renderam-lhe graças por haver outorgado a paz à cidade. E para que se perpetuasse, na memória das gerações vindouras, essa graça tão singular, foi instituída a festa de Nossa Senhora  da Paz.

(Esta notícia foi extraída do livrinho "História, novena e missa de Nossa Senhora da Paz", do Revmo. Pe. Sebastião Maria, SS. CC.)

NOTA- A imagem de Nossa Senhora da Paz representa Maria Santíssima sustendo no braço esquerdo o Menino Jesus, e na mão direita segura um ramo de oliveira, símbolo da paz. O Menino tem na mão esquerda uma bola que representa o mundo, e na direita um ramo de oliveira.

Fonte: Livro Maria e seus gloriosos títulos, de Edésia Aducci.

Nossa Senhora de Walsingham





Inglaterra




O Santuário Nacional de Nossa Senhora, para os ingleses, é o Santuário de Walsingham, o ponto central da veneração de Maria Santíssima na ilha; a sua história está intimamente ligada à história da Igreja Católica na Inglaterra.

O que deu origem ao título e à veneração de Nossa Senhora de Walsingham foi uma visão que teve Richeldis de Faverches.

A esta senhora apareceu a Mãe de Deus conduzindo-a em espírito à sua casinha de Nazaré, perto da qual lhe recomendou que tomasse medidas exatas de sua casa, para que pudesse ser edificada em Walsingham uma casa semelhante; mas só depois que a aparição se repetiu três vezes, começou Richeldis alegremente a dar cumprimento ao desejo de Nossa Senhora.

Segundo John Belland, investigador do século XVI, estes acontecimentos se deram no ano de 1061.
O filho de Richeldis, Geoffrey de Faverches, deixou como seu substituto, antes de sua peregrinação à Terra Santa, o Capelão Edvoy, dando-lhe a incumbência de erigir um convento em suas terras, e confiar a "Santa Casa" à proteção de uma Ordem religiosa. A essa Ordem seria também conferido o padroado da igreja de Todos os Santos.

Estas incumbências foram ratificadas por Richard de Clare, duque de Gloucester, sucessor de Geoffrey. 

De 1146 a 1174 encarregaram-se do Covento os Cônegos Agostinianos, que ficaram sendo também os guardas da "Santa Casa" até a destruição do Convento e a proibição das peregrinações na Inglaterra.

Mas... retrocedamos ao ano de 1061: diz a tradição que, quando Richeldis tratou de começar a construção da "Santa Casa", viu certa manhã, com espanto, olhando para um prado, dois pedaços planos do terreno misteriosamente não atingidos pelo orvalho, e esses dois planos correspondiam exatamente às dimensões dos alicerces da casa de Nazaré, que Richeldis havia medido na sua visão; porém, quando ela fazia começar a  construção num daqueles lugares assinalados, o qual ficava na proximidade de duas fontes, sobrevieram singulares acontecimentos, que estorvavam ou retardavam os trabalhos iniciados. Tudo falhava, e ninguém acreditava que a capela fosse algum dia acabada.

Mas Richeldis voltou-se aflita para a Mãe de Deus, pedindo-lhe auxílio e proteção para a sua obra, e eis que, na madrugada de uma noite de oração fervorosa e confiante, seu pedido é satisfeito de modo maravilhoso: Richeldis encontra o Santuário (a "Santa Casa") muito bem construído a 200 pés de distância do lugar que tinham começado a construí-lo.

A este grande  milagre uniram-se muitas curas maravilhosas e o livramento dos mais variados perigos e necessidades.

A fama de Walsingham como lugar de graças extraordinárias espalhou-se rapidamente, e começaram a afluir peregrinos de toda a parte.

Ao longo das estradas por onde passavam as peregrinações foram erigidas de espaço a espaço capelas e outros lugares de oração. Duas capelas ainda existem: uma fica em King´s Lynn e é denominada Capela de Nossa Senhora da Colina Vermelha; a outra, situada em Houghton-in-the-Dale, é dedicada a Santa Catarina de Alexandria e conhecida por "Capelinha dos chinelos", porque aí tiravam os peregrinos os sapatos, continuando o trajeto descalços.

Já muito antes da extinção deste lugar de culto católico por ordem do Cromwell, no ano de 1538, já muito antes tinha começado o calvário de Walsingham, depois de ter o culto católico florescido durante três séculos naquele lugar bendito. 

Mas... não falemos nas perseguições, porque os perseguidores desaparecem, e Deus continua vencendo até os dias de hoje.

Mais ou menos trezentos anos depois da destruição da imagem milagrosa de Walsingham, começou o movimento de Oxford, que visava o florescimento da fé católica na Ilha, e, com esse movimento, foi pouco a pouco renascendo a veneração da SS. Virgem Maria; com este fim uniram-se os veneradores de Nossa Senhora em 1848; em 1880 nasceu a Confraria das Filhas de Maria, em 1904 a Liga de Nossa Senhora, e nos anos seguintes muitas outras organizações semelhantes.

Em 1921 resolveram mandar fazer uma cópia da antiga imagem, e, como a antiga capela estava ainda como a tinham deixado depois da pilhagem, colocaram a imagem na igreja paroquial.




E assim começou a aumentar a devoção a Nossa Senhora, começando também dentro em pouco as romarias a serem organizadas regularmente.

Poucos anos depois foi necessário aumentar a igreja, e por isso resolveram reconstruir a "Santa Casa" segundo o modelo e o tamanho da primitiva, encerrando-a, porém, numa construção maior.

A obra foi começada em 1931, e em 1937 foi consagrada à igreja, que foi anexada ao antigo edifício. 


A devoção a Nossa Senhora de Walsingham foi-se tornando sempre mais intensa, e inúmeras foram as graças concedidas pela Mãe de Deus, tanto nos doentes como aos sãos, havendo também muitas conversões e muitas curas milagrosas.

Nossa Senhora de Walsingham é o título de Nossa Senhora mais amado e invocado na Inglaterra.

(Versão resumida do livro "Wallfahrtsorte Europas", quem desejar notícia mais detalhada consulte o livro "Walsingham, the History of a famous Shine!, de H. M. Sillett).

Fonte: Livro Maria e seus gloriosos títulos, de Edésia Aducci.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

LONGAS AUSÊNCIAS


“Era demais o agarramento de Irma com sua mãe. Das filhas era a mais ‘beijoqueira’ e... a mais desobediente. Dia e noite derretia-se  em meiguices para com a mãezinha. Fazia-lhe companhia à noite,  acompanhava-a nas visitas. No colégio, os olhos vermelhos  de pranto ‘saudoso’ favoreciam as caçoadas  das colegas.
Casou-se e fez uma cena daquelas para deixar a mãezinha. O bom rapaz que lhe era esposo notou, tempos depois, uns ares tristes na esposa. Saudades, no mínimo, calculou ele. Estudava um jeito para remediá-las. Um dia Irma vem atirar-se nos braços do marido e, desfeita em pranto, com ares de criança, dizia:
- Não aguento mais as saudades de mamãe!
- Irás vê-la quanto antes, meu bem. – Tal foi a resposta e dali em diante surgiram economias e sacrifícios ignorados pela esposa.  Não queria o marido contrariá-la nessa exigência, ainda mais no estado em que ela se achava. Levou-a para a casa da mãe e, após o nascimento do filhinho, voltou para a gerência da importante firma aos seus cuidados. A permanência de Irma prolongou-se ao lado da mãezinha cúmplice. Ele foi comendo em hotéis, foi sentindo a solidão no lar, foi notando o desarranjo na casa, foi achando falta de muita coisa.
E todos os anos Irma dava pranto saudoso e permanência risonha ao lado da mãe, longe do marido. Certa vez ele observou que ela lhe fazia falta.
- Mas como você é egoísta! Isso não é amor: bem vejo que você não me quer bem, que nunca me quis bem... (Linguagem de todas as pessoas contrariadas).
Ferido em sua sinceridade, acanhado diante de certas explicações delicadas, o marido concordava em viver solitário por vários meses. Digo mal. Não vivia solitário. Vivia compensado, após ter lutado contra a tentação insidiosa e meiga. A companhia que a esposa lhe roubava era criminosamente substituída...
Um dia tudo veio à tona do conhecimento. Irma fez uma cena tresloucada. A mãe reclamou para perto de si a filha ‘inocente’ e traída. Ruiu o lar, sepultando a felicidade de vários corações.
De quem foi a culpa? Dividamo-la antes de tudo entre a mãe e a filha. A primeira viciou a futura esposa, mostrou incompreensão da natureza moça e sadia  do genro. Faltou à segunda a séria obrigação que toda esposa tem, em consciência, de estudar e conhecer, acompanhar e assistir o marido. Obrigação de adivinhar-lhe até os desejos, ainda que sejam sem nome e expressões.  Foi cruel  para um erro da qual foi mãe e causa.
Ao jovem marido faltou a coragem de dizer um não categórico às manhas  e saudades da  esposa,  aos desejos de menina de colégio.
Gravíssima imprudência é, por conseguinte, a longa ausência entre jovens casais. Os médicos, os pastores de almas, os experimentados da vida a desaconselham e reprovam. A moral cristã exige razões sérias para a permitir, acompanhando tudo de sábios conselhos à esposa. O próprio São Paulo desconfia dessa ausência e a quer só por pouco tempo.
Leitora manda embora teu sentimentalismo lacrimoso e saudoso da mãezinha! Hoje pertences a teu marido e lhe deves fazer companhia. Se ele fidalgamente te oferecer ausências, aceita-as com muita parcimônia e prudência.
Não queres parar com teu choro de saudades, ao qual o marido não se abranda, pela qual até te cesura? Toma o chapéu e vai dar uma volta, olhando... os novos modelos de chapéus e vestidos. Perante a terceira vitrina as lágrimas já terão secado."

As três chamas do lar 

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Famílias numerosas



Quando as pessoas veem uma família numerosa logo pensam e por vezes falam :' - Nossa! Vocês não tem televisão em casa?'
Embora a frase seja ridícula, é verdadeira. No sentido que quando as pessoas não possuíam televisão, internet e tantas outras distrações, elas viviam mais intensamente suas vidas; conversavam, cantavam, contavam histórias para seus filhos e óbvio tinham mais tempo livre para o convívio íntimo com o cônjugue, não somente o ato sexual em si mas também havia maior cumplicidade, diálogo, sonhos compartilhados, histórias vividas. 
Hoje a maioria das famílias vivem ao redor de um aparelho televisor, vivendo uma vida paralela, aquela que é mostrada na tela da TV, sonham os sonhos dos atores e de diálogo mesmo só restam as falas dos filmes prediletos que já sabem de cor.

As histórias dos heróis da antiguidade, das princesas, das peripécias dos reinos encantados, as cantigas de roda...
Foram substituídos por desenhos animados esdrúxulos, novelas imundas e ruídos horripilantes com ritmo acelerado.
Hoje para muitos ter filhos é "uma sentença de morte". 
Eu penso: Morte para quem? Para o quê?
Morte sim! Ao nosso egoísmo, a nossa falta de compromisso às promessas que assumimos na celebração do nosso matrimônio.
Morte à nossa falta de responsabilidade como cristãos católicos!
Morte à tudo o que nos impede de seguir a Cristo de perto.

Quer saber como era o olhar de Cristo?
Olhe nos olhos de um bebê e sinta toda pureza e paz que um dia se Deus quiser gozaremos eternamente com Ele. 
Sacrifícios sempre terão, mesmo que a vida seja difícil, nada se compara a gerar filhos para o Céu, com a confiança que um dia eles verão a Deus face a face e aí tudo terá valido a pena. 

Sejamos férteis! No amor e na vida!
Sim à Vida! Não ao aborto!
Não! ao controle de natalidade!
Não! à cultura de morte!







quinta-feira, 25 de junho de 2015

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

Fonte: Livro Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem 
Autor: São Luís Maria Grignion de Montfort; Missionário Apostólico, Fundador da Congregação dos Missionários da Companhia de Maria e da Congregação das Filhas da Sabedoria. 
44° edição- Editora Vozes- Petrópolis, 2014.





ARTIGO III
Esta devoção nos proporciona as boas graças da Santíssima Virgem

§ I. Maria se dá a quem é seu escravo por amor

144. Terceiro motivo. A Santíssima Virgem, Mãe de doçura e misericórdia, que jamais se deixa vencer em amor e liberalidade, vendo que alguém se lhe entrega inteiramente, para honrá-la e servir-lhe, despojando do que tem de mais caro para com isso adorná-la, entrega-se também inteiramente e de um modo inefável, a quem tudo lhe dá. Ela o faz imergir no abismo de suas graças, reveste-o de seus merecimentos, dá-lhe o apoio de seu poder, ilumina-o com sua luz, abrasa-o de seu amor, comunica-lhe suas virtudes: sua humildade, sua fé, sua pureza, etc.; constitui-se seu penhor, seu suplemento, seu tudo para com Jesus. Como, enfim, essa pessoa consagrada é toda de Maria, Maria também é toda dela; de modo que se pode dizer desse perfeito servo e filho de Maria o que São João Evangelista diz de si próprio, que ele a tomou como um bem, para sua casa: "Accepit eam discipulus in sua" (Jo 19,27). 
145. É isto que produz na alma fiel uma grande desconfiança, desprezo e ódio de si mesma, ao lado de uma confiança ilimitada na Santíssima Virgem, sua boa Senhora. Já não procura, como antes, o seu apoio em suas próprias disposições, intenções, méritos, virtudes e boas obras, pois, tendo sacrificado tudo a Jesus por esta boa Mãe, só lhe resta um tesouro que resume todos os seus bens e de que Ele não dispõe, e esse tesouro é Maria. 
É o que faz aproximar-se de Nosso Senhor, sem receio servil nem escrupuloso, e rezar com extrema confiança; é o que o faz adquirir os sentimentos do devoto e sábio abade Ruperto, o qual, aludindo à vitória de Jacob sobre um anjo (cf. Gn 32,24), dirige à Santíssima Virgem estas belas palavras: "Ó Maria, minha princesa e Mãe Imaculada de Deus-homem, Jesus Cristo, é meu desejo lutar com este 
Homem, isto é, o Verbo, divino, armado não com meus próprios méritos, mas com os vossos: "O Domina, Dei Genitrix, Maria, et incorrupta Mater Dei et hominis, non meis, sed tuis armatus meritis, cum isto Viro, scilicet Verbo Dei, luctare cupio"6
Oh! quão poderoso e forte é, para Jesus Cristo, quem está armado dos méritos e da intercessão da digna Mãe de Deus, que, como diz Santo Agostinho, venceu amorosamente o Todo-poderoso. 

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6. Rup., Prolog, in Cant.

§ II. Maria purifica nossas boas obras, embeleza-as e as torna aceitáveis a seu Filho.

146. Esta bondosa Senhora purifica, embeleza e torna aceitáveis a seu Filho todas as nossas boas obras, porque, por esta devoção, as damos todas a Ele pelas mãos de sua Mãe Santíssima.
1°) Ela as purifica de toda mancha de amor-próprio e do apego imperceptível à criatura, apego que se insunua insensivelmente nas melhores ações. Desde que elas estão em suas mãos puríssimas e fecunda, estas mesmas mãos, que não foram jamais manchadas nem ociosas, e que purificam tudo que tocam, tiram do presente que lhe fazemos tudo que pode deteriorá-lo ou torná-lo imperfeito. 
147. 2°) Ela embeleza nossas boas ações, ornando-as com seus méritos e virtudes. É como se um campônio, querendo ganhar a amizade do rei, se dirigisse à rainha, e lhe apresentasse uma maçã, que representasse todo o seu lucro, e lhe pedisse que a oferecesse ao rei. A rainha, acolhendo a pobre dádiva do camponês, punha-a no centro de grande e magnífico prato de ouro, e apresentava-a assim ao rei, da parte do ofertante. Nestas circuntâncias, a maçã, indigna por si mesma de ser oferecida ao rei, torna-se um presente digno de sua majestade, devido ao prato de ouro e à importância da pessoa que a apresenta. 
148. 3°) Ela apresenta essas boas obras a Jesus Cristo, pois nada retém para si do que lhe ofertamos.Tudo remete fielmente a Jesus. Se algo lhe damos a ela, damos necessariamente a Jesus. Se a louvamos e glorificamos, logo ela louva e glorifica a Jesus. Hoje como outrora, quando Santa Isabel a exaltou, ela canta, quando a louvamos e bendizemos: "Magnificat anima mea Dominum..." (Lc 1,46).
149. 4°) Faz Jesus aceitar essas boas obras, por pequeno e pobre que seja o presente que ofertamos ao Santo dos santos e Rei dos reis. Quando apresentamos alguma coisa a Jesus, de nossa própria iniciativa e apoiados em nossa própria capacidade e disposição, Jesus examina o presente, e muitas vezes o rejeita em vista das manchas que a dádiva contraiu do nosso amor-próprio, como antigamente rejeitou os sacrifícios dos judeus por estarem cheios de vontade própria. Quando, porém, lhe apresentamos algo pelas mãos puras e virginais de sua bem-amada, tomamo-lo pelo seu lado fraco, se me é permitida a expressão. Ele não considera tanto a oferta que lhe fazemos como sua boa Mãe que lha apresenta; não olha tanto a procedência do presente como a portadora. Deste modo, Maria, que nunca foi repelida, e, pelo contrário, foi sempre bem recebida, faz que seja agradavelmente recebido pela Majestade divina tudo que lhe apresenta, pequeno ou grande: basta que Maria lho apresente para que Jesus o receba e acolha. Conselho valioso é o que dava São Bernardo aos que dirigia no caminho da perfeição: "Quando quiserdes oferecer qualquer coisa a Deus, tende o cuidado de oferecê-lo pelas mãos agradáveis e digníssimas de Maria, a menos que queiras ser rejeitados" - Modicum quid offerre desideras, manibus Mariae offerendum tradere cura, si non vis sustinere repulsam¹.
150. E, como vimos (n. 146), a própria natureza não inspira aos pequenos como agir em relação aos grandes? Por que não há de levar-nos a graça a fazer o mesmo em relação a Deus, que está infinitamente acima de nós, e diante do qual somos menos que átomos? tendo além disso uma advogada tão poderosa, que não foi jamais repelida; tão habilidosa que conhece os segredos para ganhar o Coração de Deus; tão boa e caridosa que não se esquiva a ninguém, por pequeno e mau que seja. 
Referirei mais adiante a verdadeira figura das verdades que afirmo, na hsitória de Jacob e Rebeca (cf. cap. VI). 

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1. São Bernardo: "De Aquaeductu". 

ARTIGO IV


Esta devoção é um meio excelente de promover a maior glória de Deus

151. Quarto motivo.  Esta devoção fielmente praticada é um excelente meio para fazer com que o valor de todas as nossas boas obras contribua para a maior glória de Deus. Quase ninguém age com este nobre intuito, apesar de a isto estarmos obrigados, ou porque não conhece em que consiste a maior glória de Deus, ou porque não a quer. Mas a Santíssima Virgem, a quem conferimos o valor de nossas boas obras, sabe perfeitamente em que consiste a maior glória de Deus, nada faz que não contribua para este fim. Daí, um perfeito servo desta amável Soberana, que a ela se consagrou inteiramente, como dissemos, pode dizer ousadamente que o valor de todas as suas ações, pensamentos e palavras, é aproveitado para a maior glória de Deus, a não ser que revogue expressamente a intenção de sua oferta. Pode-se encontrar algo de mais consolador para uma alma que ama a Deus com um amor puro e desinteressado, e que preza mais a glória e os interesses de Deus, que os seus próprios interesses?

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

Fonte: Livro Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem 
Autor: São Luís Maria Grignion de Montfort; Missionário Apostólico, Fundador da Congregação dos Missionários da Companhia de Maria e da Congregação das Filhas da Sabedoria. 
44° edição- Editora Vozes- Petrópolis, 2014.

CAPITULO V


Motivos que nos recomendam esta devoção

*

ARTIGO I 

Esta devoção nos põe inteiramente ao serviço de Deus

135. Primeiro motivo, que nos mostra a excelência desta consagração de nós mesmos a Jesus Cristo pelas mãos de Maria.
Desde que não se pode conceber sobre a terra emprego mais relevante que o serviço de Deus; se o menor servidor de Deus é mais rico, mais poderoso  mais nobre que todos os reis e imperadores da terra que não sejam também servidores de Deus, quais não serão as riquezas, o poder  e a dignidade do fiel e perfeito servidor que se tiver devotado ao serviço divino, tão inteiramente e sem reserva quanto for capaz!? Assim será um fiel e amoroso escravo de Jesus e Maria, que, pelas mãos de Maria Santíssima, se entregar inteiramente ao serviço deste Rei dos reis, e que não reservar nada para si: nem todo o ouro da terra e as belezas do céu o podem pagar.
136. As outras congregações, associações e confrarias eretas em honra de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, que promovem grande bem no cristianismo, não mandam que se dê tudo sem reserva; não prescrevem a seus associados mais que certas práticas e atos para satisfazerem suas obrigações; deixam-nos livres em todas as outras ações e instantes de sua vida. Mas nesta devoção, que apresento, damos sem reserva a Jesus e a Maria todos os nossos pensamentos, palavras, ações e sofrimentos, e todos os momentos da vida: de sorte que, ou despertados ou adormecidos, bebendo ou comendo, nas ações as mais importantes como nas mais corriqueiras, pode-se sempre dizer em verdade que o que fazemos, embora nem sequer nos ocorra a ideia, pertence a Jesus e a Maria em virtude da nossa oferta, a menos que o retratemos expressamente. Que consolação!
137. Além disso, como já ficou dito, não há outra prática como esta, pela qual nos desfazemos, que se insinua até nas melhores ações; e nosso bom Jesus nos dá esta grande graça em recompensa do ato heróico e desinteressado que fizemos, cedendo-lhe, pelas mãos de sua Mãe Santíssima, todo o valor de nossas boas obras. Se, mesmo neste mundo, ele dá o cêntuplo àqueles que, por seu amor, abandonam os bens exteriores, temporais e caducos (Cf. Mt 19,20), em que proporção dará aos que lhes sacrificarem até seus bens interiores e espirituais?!
138. Jesus, nosso divino amigo, deu-se a nós sem reserva, seu corpo e sua alma, suas virtudes, graças e méritos: "Se toto totum me comparavit" - diz São Bernardo: Ele ganhou-me inteiramente dando-se inteiramente a mim. A justiça e a gratidão exigem, portanto, que lhe demos tudo que pudermos. Foi Ele o primeiro a ser liberal para conosco: sejamos também generosos para com Ele e experimentaremos mais ainda sua liberalidade, durante a vida, na hora da morte e por toda a eternidade. "Cum liberali liberalis erit". 


ARTIGO II

Esta devoção nos leva a imitar o exemplo dado por Jesus Cristo, e a praticar a humildade

139. Segundo motivo, que nos mostra que é justo e vantajoso aos cristãos consagrar-se, por esta prática, inteiramente à Santíssima Virgem, a fim de pertencer mais perfeitamente a Jesus Cristo.
Este bom Mestre não desdenhou encerrar-se no seio da Santíssima Virgem, como um cativo, um escravo amoroso, e submeter-se a ela, obedecendo-lhe durante trinta anos. É aqui, repito, que o espírito humano se confunde, quando reflete seriamente nesta atitude da divina Sabedoria encarnada, que não quis, embora podendo, dar-se diretamente aos homens, preferindo fazê-lo por intermédio da SS. Virgem; que não quis aparecer no mundo em plena idade viril, independente de quem quer que fosse, mas como uma criancinha dependendo dos cuidados de sua Mãe Santíssima, e mantida por ela. Esta sabedoria infinita, cheia de um desejo imenso de glorificar a Deus seu Pai e de salvar os homens, não encontrou meio algum mais perfeito nem mais simples de fazê-lo, do que se submetendo em todas as coisas à Santíssima Virgem, não só durante oito, dez ou quinze anos, mas durante trinta anos; e Ele deu mais glória a Deus seu Pai durante todo esse tempo de submissão à Santíssima Virgem, como não lheu empregando os últimos três anos de sua vida a fazer prodígios, a pregar por toda parte, a converter os homens. Oh! que grande glória, damos a Deus, submetendo-nos a Maria, a exemplo de Jesus. 
Com um exemplo tão visível e conhecido de todo mundo, seremos insensatos a ponto de pensar que encontraremos um meio mais perfeito e mais certo para glorificar a Deus, que não seja submetendo-nos a Maria, a exemplo de seu Filho?
140. Lembremos aqui, para prova de dependência que devemos ter para com Maria,o que já ficou dito (n. 14-39), citando os exemplos que nos dão o Pai, o Filho e o Espírito Santo nesta dependência. Deus Pai nos deu e dá seu Filho por ela somente, só produz outros filhos por meio dela, e só por intermédio dela nos comunica sua graças. Deus Filho foi formado para todo o mundo, por ela, e não é senão por ela que é formado todos os dias, e gerado por ela em união com o Espírito Santo, e é ela a única via pela qual nos comunica suas virtudes e seus méritos. O Espírito Santo formou Jesus Cristo por meio dela, e por meio dela forma os membros de seu corpo místico, e só por ela nos dispensa seus dons e favores. Depois de exemplos tão claros e instantes, poderemos, sem uma extrema cegueira, prescindir de Maria, deixar de consagrar-nos a ela e de depender dela para irmos a Deus e a Ele nos sacrificarmos?
141.  Eis algumas passagens dos Santos Padres, que escolhi como prova do que acabo de dizer:
"Duo filii Mariae sunt, homo Deus e homo purus; unius corporaliter, et alterius spiritualiter mater est Maria" (São Boaventura e Orígenes)¹.
"Haec est voluntas Dei, qui totum nos voluit habere per Mariam; ac proinde, si quid spei, si quid gratiae, si quid salutis, ab ea noverimus redundare" (São Bernardo)².
"Omnia dona, virtutes, gratiae ipsius Spiritus Sancti, quibus vult, et quando vult, quomodo vult, quantum vult per ipsius manus administrantur" (São Bernardino)³.
"Qui indignus eras cui daretur, datum est Mariae, ut per eam acciperes quidquid haberes" (São Bernardo)4.
142.  Deus, vendo que somos indignos de receber suas graças diretamente de suas mãos divinas, dá-as a Maria, a fim de obtermos por ela o que Ele nos quer dar; e também redunda em glória para Ele, receber pelas mãos de Maria o reconhecimento, o respeito e o amor que lhe devemos por seus benefícios. É, pois, muito justo que imitemos o procedimento de Deus, a fim - diz São Bernardo5 - de que a graça volte a seu autor pelo mesmo canal por onde veio: "Ut eodem alveo ad largitorem gratia redeat quo fluxit". 
É o que fazemos por meio de nossa devoção: oferecemos e consagramos à Santíssima Virgem tudo o que somos e tudo o que possuímos, a fim de que Nosso Senhor receba por sua mediação a glória e o reconhecimento que lhe devemos. Reconhecemo-nos indignos e incapazes de, por nós mesmos, aproximar-nos de sua majestade infinita; e por isso servimo-nos da intercessão da Santíssima Virgem. 
143. Além disso, é uma prática de grande humildade, virtude que Deus ama acima de todas as outras. Uma alma que se eleva a si mesma, rebaixa Deus; Deus resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes (Tg 4,6). Se vos rebaixais crendo-vos indignos de aparecer diante dele e de vos aproximar dele, Ele desce, rebaixa-se para vir até vós, para comprazer-se em vós, e para vos elevar. Quando, porém, tentamos aproximar-nos atrevidamente de Deus, sem medianeiro, Deus se esquiva e não conseguimos atingi-lo. Oh! quanto Ele ama a humildade de coração. É a esta humildade que convida esta prática de devoção, pois ensina a não nos aproximarmos diretamente de Nosso Senhor, por misericordioso e doce que Ele seja, mas a nos servimos sempre da intercessão da Santíssima Virgem tanto para comparecer diante de Deus, como para lhe falar, aproximar-nos dele, oferecer-lhe qualquer coisa, para nos unirmos ou nos consagrarmos a Ele. 



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1. "Maria tem dois filhos, um, homem-Deus e o outro, puro homem; de um Maria é Mãe corporal, do outro, mãe espiritual" (Speculum B.M.V., lect. III, § 1,2).
2. SÃO BERNARDO. De Aquaeductu, n.6: "Tal é a vontade de Deus que quis que tenhamos tudo por Maria. Se, portanto, temos alguma esperança, alguma graça, algum dom salutar, saibamos que isto nos vem por suas mãos". 
3. SÃO BERNARDINO DE SENA. Sermo in Nativ. B.V. art. un., cap.8: "Todos os dons, virtudes e graças do Espírito Santo são distribuídos pelas mãos de Maria, a quem ela quer, quando quer, como quer, e quanto quer".
4. SÃO BERNARDO. Sermo 3 in vigilia Nativitatis Domini, elas foram dadas a Maria, a fim de que por ela recebesses tudo o que terias".
5. "De Aquaeductu", n.18.














terça-feira, 21 de abril de 2015

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

Fonte: Livro Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem 
Autor: São Luís Maria Grignion de Montfort; Missionário Apostólico, Fundador da Congregação dos Missionários da Companhia de Maria e da Congregação das Filhas da Sabedoria. 
44° edição- Editora Vozes- Petrópolis, 2014.


CAPÍTULO IV
Da perfeita devoção à Santíssima Virgem ou a perfeita consagração a Jesus Cristo

120. A mais perfeita devoção é aquela pela qual nos conformamos, unimos e consagramos mais perfeitamente a Jesus Cristo, pois toda a nossa perfeição consiste em sermos conformados, unidos e consagrados a Ele. Ora, pois que Maria é, de todas as criaturas, a mais conforme a Jesus Cristo, segue daí que, de todas as devoções, a que mais consagra e conforma uma alma a Nosso Senhor é a devoção à Santíssima Virgem, sua santa Mãe, e que, quanto mais uma alma se consagrar a Maria, mais consagrada estará a Jesus Cristo. 
Eis por que a perfeita consagração a Jesus Cristo nada mais é que uma perfeita e inteira consagração à Santíssima Virgem, e nisto consiste a devoção que eu ensino; ou, por outra, uma perfeita renovação dos votos e promessas do santo batismo. 


ARTIGO I
Uma perfeita e inteira consagração de si mesmo à Santíssima Virgem

121. Esta devoção consiste, portanto, em entregar-se inteiramente à Santíssima Virgem, a fim de, por ela, pertencer inteiramente a Jesus Cristo¹. É preciso dar-lhe: 1°) nosso corpo com todos os seus membros e sentidos; 2°) nossa alma com todas as suas potências; 3°) nossos bens exteriores, que chamamos de fortuna, presentes e futuros; 4°) nossos bens interiores e espirituais, que são nossos méritos, nossas virtudes e nossas boas obras passadas, presentes e futuras. Numa palavra, tudo que temos na ordem da natureza e na ordem da graça, e tudo que, no porvir, poderemos ter na ordem da natureza, da graça e da glória, e isto sem nenhuma reserva, sem a reserva sequer de um real, de um cabelo, da menos boa ação, para toda a eternidade, sem pretender nem esperar a mínima recompensa de sua oferenda e de seu serviço, a não ser a honra de pertencer a Jesus Cristo por ela e nela, mesmo que esta amável Senhora não fosse, como é sempre, a mais liberal e reconhecida das criaturas. 
122. Importa notar, aqui, duas coisas que há nas boas obras que fazemos, a saber: a satisfação e o mérito, ou o valor   satisfatório ou impetrátorio e o valor meritório. O valor satisfatório ou impetratório de uma boa obra é uma ação na medida em que satisfaz a pena devida pelo pecado, ou em que obtém alguma nova graça; o valor meritório ou o mérito é uma boa ação, em quanto merece a graça e a glória eterna. Ora, nesta consagração de nós mesmos à Santíssima Virgem, nós lhe damos todo o valor satisfatório, impetratório e meritório, ou, por outra, as satisfações e os méritos de todas as nossas boas obras: damos-lhe nossos méritos, nossas graças e nossas virtudes, não para comunicá-los a outrem (porque nossos méritos, graças e virtudes, propriamente falando, são incomunicáveis; só Jesus Cristo, fazendo-se nosso penhor diante de seu Pai, pôde comunicar-nos seus méritos), mas para no-los conservar, aumentar e encarecer, como diremos ainda (Cf. n. 146ss.). Damos-lhe nossas satisfações para que ela nos comunique a quem bem lhe pareça e para maior glória de Deus. 
***


123. Daí segue: 1°) que, por esta devoção, damos a Jesus Cristo, do modo mais perfeito, pois que o fazemos pelas mãos de Maria, tudo que lhe podemos dar, e muito mais que por outras devoções, pelas quais lhe damos uma parte de nosso tempo ou de nossas boas obras, ou uma parte de nossas satisfações e mortificações. Aqui damos e consagramos tudo, até o direito de dispor dos bens interiores, e as satisfações que ganhamos por nossas boas obras, dia a dia: e isto não se faz nem mesmo numa ordem religiosa. Nestas, consagram-se a Deus os bens de fortuna pelo voto da pobreza, os bens do corpo pelo voto da castidade, a vontade própria pelo voto de obediência, e, às vezes, a liberdade do corpo pelo voto de clausura. Não se lhe dá, porém, a liberdade ou o direito que temos de dispor de nossas boas obras, nem se renuncia tanto como se pode ao que o cristão tem de mais precioso e caro: seus méritos e satisfações.
124. 2°) Uma pessoa, que assim voluntariamente se consagrou e sacrificou a Jesus Cristo por Maria, já não pode dispor do valor de nenhuma de suas boas ações. Tudo que sofre, tudo que pensa, diz e faz de bem pertence a Maria, para que ela de tudo disponha conforme a vontade e para maior glória de seu Filho, sem que, entretanto, esta dependência prejudique de modo algum as obrigações do estado no qual esteja presentemente, ou venha a estar no futuro: por exemplo, as obrigações de um sacerdote que, por dever de ofício ou por outro motivo, deve aplicar o valor satisfatório e impetratório da santa missa a um particular; pois não se faz esta oferta a não ser conforme a ordem de Deus e os deveres de estado.
125. 3°) A consagração é feita conjuntamente à Santíssima Virgem e a Jesus Cristo; à Santíssima Virgem como ao meio perfeito que Jesus Cristo escolheu para se unir a nós e nós a ele; e a Nosso Senhor como o nosso fim último, ao qual devemos tudo o que somos, como a nosso Redentor e nosso Deus.

ARTIGO II
Uma perfeita renovação dos votos do batismo



126. Disse acima (cf.n.120) que a esta devoção podia-se chamar muito bem uma perfeita renovação dos votos ou promessas do santo batismo. 
Todo cristão, antes do batismo, era escravo do demônio, pois lhe pertencia. Na ocasião do batismo o cristão, por sua própria boca ou pela de seu padrinho e de sua madrinha, renunciou a Satanás, a suas pompas e obras, e tomou Jesus Cristo para seu Mestre e soberano Senhor, passando a depender dele, na qualidade de escravos por amor. É o que se faz pela presente devoção: renuncia-se (como está indicado na fórmula de consagração) ao demônio, ao mundo, ao pecado e a si próprio, dando-se inteiramente a Jesus Cristo pelas mãos de Maria. Faz-se até algo mais, pois se, no batismo, falamos ordinariamente pela boca de outrem, pela boca do padrinho ou da madrinha, dando-nos a Jesus Cristo por procuração, nesta devoção fazemo-lo nós mesmos, voluntariamente, com conhecimento de causa.
No batismo não é pelas mãos de Maria que nos damos a Jesus Cristo, pelo menos de uma maneira expressa, nem fazemos doação a ele do valor de nossas boas ações; depois do batismo, ficamos inteiramente livres de aplicar esse valor a quem quisermos ou de conservá-lo para nós. Por essa devoção, damo-nos, porém, a Nosso Senhor pelas mãos de Maria, e lhe consagramos o valor de todas as nossas ações.
127. No santo batismo, diz Santo Tomás, os homens fazem o voto de renunciar ao demônio e às suas pompas: "In baptismo vovent homines abrenuntiare diablo et pompis eius"¹. E este voto, afirma Santo Agostinho, é o maior e o mais indispensável. "Votum maximum nostrum quo vovimus nos Christo esse mansuros"².  É também o que dizem os canonistas: "Praecipuum votum est quod in baptismate facimus" - o voto principal é o que fazemos no batismo. Quem, entretanto, guarda tão grande voto? Quem é que mantém fielmente as promessas do santo batismo? Não é um fato que quase todos os cristãos falseiam à fidelidade que no batismo prometeram a Jesus Cristo? Donde poderá vir esse desregramento universal, senão do esquecimento em que se vive das promessas e compromissos do santo batismo, e por que cada um não ratifica espontaneamente o contrato de aliança feito com Deus por seu padrinho e sua madrinha?
128. É tão verdade isto, que o Concílio de Sens, convocado por ordem de Luís o Bonachão para pôr cobro às grandes desordens dos cristãos, declarou que a causa principal da corrupção então reinante vinha do esquecimento e ignorância em que se vivia dos compromissos tomados no santo batismo; e não encontrou melhor remédio para tão grande mal do que induzir os cristãos a renovar as promessas do santo batismo.
129. O Catecismo do Concílio de Trento, fiel intérprete deste santo Concílio, exorta os curas a fazer o mesmo, e a relembrar aos fiéis que estão ligados e consagrados a Nosso Senhor Jesus Cristo, como escravos a seu Redentor e Senhor. Eis as palavras textuais: "Parochus fidelem populum ad eam rationem cohortabitur ut sciat aequissimum esse... nos ipsos, non secus ac mancipia Redemptori nostro et Domino in perpetuum addicere et consecrare" ³
130. Ora, se os Concílios, os Santos Padres e a própria experiência nos mostram que o melhor meio de remediar os desregramentos dos cristãos é fazê-los relembrar as obrigações assumidas no batismo e renovar os votos que então fizeram, não é natural que se faça isto presentemente, de um modo perfeito, por esta devoção e consagração a Nosso Senhor, por intermédio de sua Mãe Santíssima? Digo "de um modo perfeito" porque nos servimos, nesta consagração a Jesus Cristo, do mais perfeito de todos os meios, que a Santíssima Virgem. 

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1. Summa Theol. 2-2, q.88, art. 2, arg. 1.
2. Epístola 59 ad Paulin.
3.Catec. Conc. Trind., p. 3, art. 2, § 15, "De secundo Symboli articulo" in fine.

Respostas a algumas objeções

131. Não se pode objetar que esta devoção seja nova ou sem importância. Não é nova porque os concílios, os padres e muitos autores antigos e modernos falam desta consagração a Nosso Senhor ou renovação das promessas do batismo,como de uma prática antiga, aconselhando-a a todos  os cristãos. Esta prática também não é sem importância, pois a principal fonte de todas as desordens e consequente condenação dos cristãos está no esquecimento e indiferença por esta renovação. 
132. Alguns podem alegar que esta devoção, levando-nos a dar a Nosso Senhor, pelas mãos de Maria Santíssima, o valor de todas as nossas boas obras, orações, mortificações e esmolas, torna-nos impotentes para socorrer as almas de nossos parentes, amigos e benfeitores.
A esses respondo primeiro não é crível que nossos amigos, parentes ou benfeitores sofram prejuízo por nos termos devotado e consagrado sem reserva ao serviço de Nosso Senhor  e de sua Mãe Santíssima. Seria fazer uma injúria ao poder e  bondade de Jesus e Maria, que saberão muito bem valer os nossos parentes, amigos e benfeitores, aproveitando o nosso crédito espiritual, ou por outro meio qualquer.
Segundo, esta prática não impede que rezemos pelos outros, vivos ou mortos, se bem que a aplicação de nossas boas obras dependa da vontade da Santíssima Virgem; e, bem ao contrário, esta circunstância nos levará a rezar com muito mais confiança, do mesmo modo que uma pessoa rica, que tivesse doado a um grande príncipe todos os seus bens, rogaria com redobrada confiança a esse príncipe que beneficiasse a algum amigo necessitado. Seria até causar prazer a esse príncipe dar-lhe ocasião de demostrar seu reconhecimento a uma pessoa que de tudo se tivesse despojado para engrandecê-lo, que se tivesse reduzido a completa pobreza para honrá-lo. O mesmo se deve dizer de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem: eles jamais se deixarão vencer em reconhecimento.


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133. Outros dirão, talvez: Se eu der à Santíssima Virgem todo o valor de minhas ações para que ela o aplique a quem quiser, terei de sofrer talvez muito tempo no purgatório.

Esta objeção, produto do amor-próprio  e da ignorância da liberalidade de Deus e de sua Mãe Santíssima, destrói-se por si mesmo. Uma alma cheia de fervor e generosa, que antepõe os interesses de Deus aos seus próprios, que tudo que tem dá a Deus inteiramente, sem reserva, que só aspira à glória e ao reino de Jesus Cristo por intermédio de sua Mãe Santíssima, e que se sacrifica completamente para obtê-lo, esta alma generosa, repito, e liberal, será castigada no outro mundo por ter sido mais liberal e desinteressada que as outras? Muito ao contrário, é a esta alma, como veremos a seguir, que Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima se mostram mais generosos neste mundo e no outro, na ordem da natureza, da graça e da glória. 


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134. Vejamos agora, o mais brevemente que pudermos, os motivos que nos recomendam esta devoção, os maravilhosos efeitos que ela produz nas almas fiéis, e as práticas desta devoção.