quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A fuga do pecado venial - Segundo grau de piedade




O pecado. - O que é o pecado venial?  - É a dominação da satisfação humana a ponto de levar à infração formal, embora leve, de um preceito divino. 
Dominação: Presa às criaturas pela atração do prazer, minha alma prefere sua própria satisfação aos interesses de Deus; ela se satisfaz, e desagrada a Deus. Ela conhece e percebe, ao menos um pouco, o preceito que obriga, e mesmo assim opta pela satisfação enganosa 60; o prazer a domina.
Mas não a domina a ponto de excluir totalmente a glória de Deus; a infração por ele produzida é apenas leve, seja porque a matéria não é grave em si mesma ou na proibição que ela envolve, seja porque há insuficiência de conhecimento ou de consentimento de minha parte. E, por ser de pouca gravidade, tal ofensa não extingue a vida; minha alma não chega a ser totalmente desviada e separada de Deus. É como uma ferida feita à alma, e também à glória de Deus.

Sua gravidade.  - Embora muito menos grave, em sua natureza e em seus efeitos, que o pecado mortal, este mal é ainda a desordem essencial, isto é, o maior de todos os males. Infelizmente, estou longe de o compreender, e mais ainda de o sentir! Quando se trata dos males que atacam meu prazer, compreendo-os instintivamente, e sinto-os poderosamente!... Mas, quanto ao mal que ataca a glória de Deus, compreendo-o tão pouco e sinto-o tão fracamente! Quem compreende o pecado? (Sl 18,13). Onde a sabedoria capaz de compreendê-lo, e a inteligência capaz de reconhecê-lo? (Oséias 14,10) Meu Deus! De que aberrações sou capaz, considerando frequentemente como "mal" aquilo que o é tão pouco, enquanto quase não percebo onde ele mais está presente!... Os males que me aflingem são, muitas vezes, tão úteis! Já o pecado venial nunca o é! As maiores infelicidades contêm sempre algum bem, ao passo que, mesmo no menor pecado venial, enquanto pecado, não há qualquer vestígio de bem!... Quem pode compreender o pecado?...

A reparação. - No segundo grau de sua ascenção, a piedade realizará a reparação dessa desordem. Nas circunstâncias em que há pecado venial, isto é, em que coloco minha satisfação acima da glória de Deus, ofendendo-o e ferindo-o, ela me tornará capaz de ceder à santa glória seu lugar e seus direitos. Já nenhum prazer a usurpará. 
Este grau será constituído pela facilidade e prontidão, bem arraigadas, de situar minha satisfação em seu devido lugar e no papel que lhe convém, sem permitir-lhe, deliberadamente, o menor desvio venial. E essa facilidade deve dominar e controlar meu espírito, meu coração e meu corpo. Diliges ex toto... Ela deve estender-se a todas as circunstâncias e a todas as criaturas. Se fosse preciso sacrificar a satisfação e mesmo imolar a própria vida, a alma o faria resolutamente, antes que cometer voluntariamente e deliberadamente um pecado venial. Quando a virtude puder elevar-se a esse ponto de clareza e de firmeza em que já nenhum temor, nenhuma atração a puder dominar e induzir a uma ofensa a Deus, mesmo leve, formalmente deliberada, ela terá atingido o segundo grau da piedade; está é a vida propriamente cristã. 

Altura desse grau. - Essa elevação não se atinge facilmente, nem comumente. É preciso, com efeito, purificar muitos recônditos interiores onde se escondem impulsos egoístas, apegos terrenos, apelos da sensualidade; é preciso desfazer, um por um, os nós apertados e embaralhados de tantos hábitos que aprisionam a natureza viciada, e que se traduzem, exteriormente, por palavras que exprimem julgamentos temerários, maledicências, irritação, difamação, etc., e também uma multidão de atos em que a verdade, a justiça, a caridade, o dever são omitidos ou comprometidos por interesse: plantas daninhas, infelizmente tão numerosas, que invadem quotidianamente as conversas e a conduta, sem que nos preocupemos em capinar o campo infestado por sua pestilência; é preciso, enfim, elevar as faculdades do ser a uma altura e firmeza que permitam ao "dique" da piedade sobressair e resistir às águas das paixões, seja qual for a força dos ventos e das chuvas. Tantos ventos se desencadeiam, tantas torrentes se abatem, tantas fissuras abalam a piedade! 61 Mesmo considerando apenas as misérias veniais, o trabalho é árduo! 
Em que ponto estarei?... Infeliz de mim, quantas faltas veniais!... A busca de mim mesmo não me leva, com frequência, a ofender a Deus, com meu pleno conhecimento e consentimento? E quantas faltas cometo, quase sem perceber, em consequência de maus hábitos que não combato como deveria! Quantas vezes os meus maus instintos, pouco ou nada reprimidos, provocam desentendimentos e atritos, sem que eu ao menos me importe! Ah! Meus pecados veniais! Já não os posso contar! Eles se tornaram mais numerosos que os cabelos de minha cabeça (Sl 39,13). 

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60. Pelo pecado venial, a pessoa prefere a própria satisfação àquilo que Deus ordena, mas não chega ao ponto de preferi-la ao próprio Deus, pois, nesse caso, haveria um pecado mortal, uma negação da ordem segundo a qual Deus deve ser amado acima de todas as coisas. E essa preferência só é venial se o mandamento desobedecido não implica na perda da amizade com Deus, isto é, se o ato desordenado não anula a disposição da vontade para renunciar à própria satisfação, caso esta conduzisse à destruição da ordem essencial da caridade.

61."Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua ruína!" (Mt 7,27).


Fonte: Livro A vida interior 
- simplificada e reconduzida ao seu fundamento, François de Sales Pollien, Joseph Tissot. 





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