Santo Afonso Mª de Ligório
Poder que tem a Paixão de Jesus Cristo para acender o amor divino em nossos corações
O Pe. Baltasar Álvarez, um grande servo de Deus, dizia que não devemos pensar ter feito algum progresso no caminho de Deus, se ainda não chegamos a ter sempre no coração Jesus crucificado.428 São Francisco de Sales escreve que "o amor que não nasce da paixão é fraco".429 E é mesmo, porque não há coisa que mais nos obrigue a amar o nosso Deus do que a Paixão de Jesus Cristo, isto é, saber que o Pai Eterno, para nos mostrar o excesso do amor que nos consagra, quis enviar seu Filho Unigênito à Terra para morrer por nós, pecadores. Isso levou o Apóstolo a escrever que Deus, pelo grande amor com que nos amou, quis que a morte de seu Filho nos trouxesse a vida: Deus, que é rico em misericórdia, pela extrema caridade com que nos amou, estando nós mortos pelos pecados, vivificou-nos em Cristo (Ef. 2,4-5). Foi isso justamente o que queriam exprimir Moisés e Elias no Monte Tabor, ao falar da Paixão de Jesus Cristo como de excesso de amor: E falavam do seu excesso que ele devia sofrer em Jerusalém (Lc 9,31).
Quando nosso Salvador veio ao mundo para remir os homens, os pastores ouviram os anjos cantarem: Glória a Deus nas alturas (Lc 2,14). Mas ao humilhar-se o Filho de Deus, fazendo-se homem por amor do homem, parecia que antes se obscurecia do que se manifestava a glória de Deus. E afinal não era assim, pois a glória de Deus não podia ser melhor manifestada ao mundo do que pela morte de Jesus em prol da salvação dos homens, visto a Paixão de Jesus nos ter manifestado as perfeições dos atributos divinos. Ela nos fez conhecer a grandeza da misericórdia divina, querendo um Deus morrer para salvar os pecadores e morrer de um morte tão dolorosa e ignominiosa. S. João Crisóstomo diz que o sofrimento de Jesus Cristo não foi um sofrimento comum e a sua morte não foi uma simples e semelhante à dos outros homens. 430 Ela nos fez conhecer a sabedoria divina. Se nosso Redentor fosse somente Deus não poderia satisfazer pelo homem, porque Deus não poderia satisfazer a si mesmo em lugar do homem, nem poderia satisfazer padecendo, sendo Ele impassível. Pelo contrário, se fosse somente homem, não poderia como tal satisfazer pela grande injúria feita à majestade divina. Por isso o que fez Deus? Enviou seu próprio Filho, verdadeiro Deus como Ele, a tomar a natureza humana para que assim, como homem, pagasse com a morte a justiça divina e como Deus lhe desse uma satisfação completa. Ela nos fez conhecer a grandeza da justiça divina. S. João Crisóstomo dizia que não é tanto o Inferno, com o qual Deus castiga os pecadores, que demonstra quão grande seja a sua justiça, mas com Jesus Cristo na cruz, 431 já que no Inferno são punidas as criaturas por seus próprios pecados, ao passo que na cruz se vê um Deus martirizado para satisfazer a justiça pelos pecados os homens. Que obrigação tinha Jesus de morrer por nós? Foi oferecido porque ele mesmo quis (Is 53,7). Ele poderia sem injustiça abandonar o homem na sua desgraça, mas o amor que lhe tinha não lhe permitiu vê-los infelizes, e por isso escolheu entregar-se a si mesmo a morte tão penosa, para obter-lhes a Salvação: Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós (Ef 5,2). Desde toda a eternidade havia amado o homem: Amei-te com amor eterno (Jr 31,3). Vendo-se, porém, obrigado por sua justiça a condená-lo e a tê-lo sempre longe de si no Inferno, sua misericórdia impele-o a descobrir um meio de poder salvá-lo. Mas como? Satisfazendo Ele mesmo a divina justiça com sua morte. E assim quis que na própria cruz em que morreu fosse afixado o decreto de condenação do homem à morte eterna, para que fosse destruído ou apagado com seu Sangue. 432
Dessa maneira, pelos merecimentos de seu Sangue alcançou-nos o perdão de todos os crimes, perdoando-nos todos os nossos pecados (Cl 2,13). Consequentemente espoliou o demônio de todos os direitos adquiridos sobre nós, conduzindo consigo em triunfo tanto seus inimigos como nós, seu espólio: Despojou os principados e potestades, e fez deles um objeto de escárnio público, triunfando deles por si mesmo (ibid., v. 15). Teofilato comenta: "Como um vencedor e triunfador carregando consigo a presa e os homens em triunfo". 433
Por isso Jesus Cristo, satisfazendo a divina justiça, ao morrer na cruz, não falou senão em misericórdia; pediu ao Pai que tivesse misericórdia dos mesmos judeus que haviam tramado a sua morte e dos carrascos que o trucidaram: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (Lc 23,34). Estando na cruz, em vez de punir os ladrões que pouco antes o haviam injuriado - Também os que tinham sido crucificados com ele o insultavam (Mc 15,32) - ouvindo que um deles lhe pedia misericórdia: Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino (Lc 23,42), Ele cheio de compaixão, promete-lhe o Paraíso para aquele mesmo dia: Hoje estarás comigo no paraíso (ibid., v. 43). Antes de morrer, deu-nos por mãe sua própria Mãe. Então disse ao discípulo: "Eis a tua mãe" (Jo 19,27). Na cruz, declara que está satisfeito por ter feito tudo para obter-nos a Salvação e coroa com a sua morte: Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, (...) disse: "Tudo está consumado". Depois, inclinando a cabeça, rendeu o espírito (ibid., vv. 28.30).
Eis o homem livre do pecado e do poder de Lúcifer pela morte de Jesus Cristo, e além disse elevado ao estado de graça, e de graça maior que a perdida por Adão. Onde abundou o pecado, superabundou a graça (Rm 5,20). Resta-nos agora, diz o Apóstolo, recorrer sempre com confiança a esse trono de graça, que é justamente Jesus crucificado, para que recebamos de sua misericórdia a graça da Salvação e os auxílios oportunos para vencermos as tentações do mundo e do Inferno.434
Ah, meu Jesus, eu vos amo sobre todas as coisas e que quero eu amar senão a Vós, que sois uma bondade infinita e por mim morrestes? Desejaria morrer de dor cada vez que penso que vos expulsei de minha alma com os meus pecados e que me separei de Vós, que sois meu único bem e tanto me tendes amado. Quem me separará, pois, do amor de Cristo? (Rm 8,35). Só o pecado me pode separar de Vós. Mas espero, pelo sangue que derramastes por mim, que não haveis mais de permitir que eu me separe jamais de todos os bens. Dou-me todo a Vós, aceitai-me e prendei todos os meus afetos para que não ame a ninguém mais senão a Vós.
Por acaso Jesus Cristo pretende muito, querendo que nos demos inteiramente a Ele, que nos deu todo o seu sangue e a sua vida, morrendo por nós na cruz? Ouçamos o que diz S. Francisco de Sales sobre estas palavras, o amor de Cristo nos constrange (II Cor 5,14): "Saber que Jesus nos amou até a morte, e morte de cruz, não é sentir nossos corações oprimidos por uma violência que é tanto mais forte quanto Ele é mais amável? O meu Jesus deu-se todo a mim e eu me dou todo a Ele, e viverei e morrerei sobre o seu peito, e nem a morte nem a vida me separarão jamais dele".435
Jesus Cristo morreu, diz S. Paulo, para que cada um de nós não viva mais para o mundo nem para si mesmo, mas só para Ele, que se deu inteiramente a nós: Cristo morreu por todos, a fim de que aqueles que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que morreu (ibid., v. 15). Quem vive para o mundo, busca os prazeres do mundo; quem vive para si mesmo, busca a sua satisfação; quem vive para Jesus Cristo, não procura agradar senão a Jesus e nada teme senão desgostá-lo; não se compraz senão vem vê-lo amado e não se aflige senão de vê-lo desprezado. Isso é viver para Jesus Cristo e isso é o que Ele exige de cada um de nós. Pergunto novamente: por acaso exige muito de nós Aquele que deu seu sangue e sua vida por cada um de nós?
Ó Deus, e por que havemos de empregar os nossos afetos em amar as criaturas, os parentes, os amigos e os grande do mundo - que não suportaram por nós nem flagelos, nem espinhos, nem cravos, não derramaram por nós nem uma gota de sangue - e não amar um Deus que por nosso amor desceu do Céu à Terra, fez-se homem, derramou todo o seu sangue à força de tormentos, e finalmente morreu de dores num madeiro para cativar os nossos corações?! Mais ainda: para unir-se mais estreitamente a nós, deixou-se ficar depois de sua morte sobre nossos altares, onde se torna uma só coisa conosco para nos fazer compreender o amor ardente que nos tem: "Mistura-se conosco para que sejamos um com Ele: isso é próprio dos que amam ardentemente", diz S. Crisóstomo.436 E S. Francisco de Sales acrescenta, falando da santa comunhão: "Em nenhuma outra ação pode-se considerar o Salvador nem mais terno, nem mais amoroso que nesta na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a comida para unir-se aos corações de seus fiéis.437
Mas como é possível, Senhor, que eu, depois de ter sido amado por Vós com finezas tais, tenha tido a ousadia de vos desprezar, como muito justamente me lançais em rosto? Criei filhos e engrandeci-os, porém eles desprezaram-me (Is 1,2). Como tive coragem de voltar-vos as costas para satisfazer os meus apetites? Lançaste-me para trás das costas (Ez 23,35). Como tive ânimo para expulsar-vos de minha alma? Estes são os [ímpios] que disseram a Deus: "Retira-te de nós" (Jó 21,14). Como tive a ousadia de afligir o vosso Coração, que tanto me amou? Mas o que, então? Devo desesperar de vossa misericórdia? Amaldiçoo os dias em que vos ofendi. Oh, tivesse eu morrido mil vezes antes, ó meu Salvador, e não vos tivesse ofendido! Ó pecadores, quanto não daríeis por uma gota de sangue deste Cordeiro no dia do Juízo? Ó meu Jesus, tende piedade de mim e perdoai-me; conheceis, porém, a minha fraqueza, prendei por completo a minha vontade, para que ela não se rebele mais contra Vós. Expeli de mim todo o amor que não for por Vós. Eu vos acolho por meu único tesouro, por meu único bem: Vós me bastais e não desejo outro bem fora de Vós, Deus do meu coração e minha herança para sempre (Sl 72,26).
Ó ovelhinha amada de Deus, vós que sois a Mãe do divino Cordeiro (assim chamava S. Teresa a Maria Santíssima, "a ovelhinha"), recomendai-me a vosso Filho; vós, depois de Jesus, sois a minha esperança, pois que sois a esperança dos pecadores; nas vossas mãos coloco a minha salvação eterna: "Esperança nossa, salve".
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428. Cf. Venerável Lodovico da Ponte, Vita, c. 3, §2.
429. Tratado do Amor de Deus, 1. 12, c. 13.
430. Cf. Serm. De pass.
431. Cf. In Epist. II ad Cor., hom. 11, n. 3.
432. Cf. Cl 2,14.
433. Exposito in epist., ad Coloss., c. II, 15.
434. Cf. Hb 4,16.
435. Tratado do Amor de Deus, 1. 7, c. 8.
436. Ad pop. Ant., hom. 61.
437. Filotéia, p. II, c. 21.
Santo Afonso Mª de Ligório - A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
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