sexta-feira, 29 de abril de 2022

8º Mandamento de Deus: Não levantar falso testemunho

 



1. Este mandamento nos proíbe geralmente todos os pecados com que se pode prejudicar o próximo com a língua.

2. Os principais são: o testemunho falso, a mentira, a calúnia, a murmuração, os juízos temerários, a adulação.


O falso testemunho

3. O testemunho falso que se proíbe neste mandamento é principalmente o que se dá em juízo por uma pessoa que jurou dizer a verdade, e testemunho falso.

4. O testemunho falso é grande pecado, porque, 1º faz injúria a Deus desprezando a sua presença e invocando-o em testemunha da falsidade; 2º faz injúria ao juiz, porque, o engana dizendo mentira; 3º faz injúria ao inocente, porque lhe causa dano ocultando a verdade. 

5. Nunca é lícito ocultar a verdade; o dever da testemunha é dizer a verdade, toda a verdade, e só a verdade. 

6. Uma testemunha falsa é aborrecido de Deus, e será por ele castigado.


Explicação da gravura 


7. A de cima representa Nosso Senhor diante de Pilatos. Um dos assistentes levanta a mão e mostrando a Jesus, afirma que o ouviu proibindo de pagar tributo a César. Era isso um testemunho falso, pois Jesus dissera o contrário.

8. Narra São Marcos outro testemunho falso contra Nosso Senhor: Os príncipes dos Sacerdotes e todo o concílio buscavam algum testemunho contra Jesus para o fazerem morrer e não o achavam, porque muitos, sim depunham falsamente contra ele, mas não concordavam os seus depoimentos. E levantando-se uns, atestavam falsamente contra ele dizendo: Nós lhe ouvimos dizer: Eu destruirei este templo, obra de mãos e em três dias edificarei outro que não será obra de mãos. Mas esta sua mesma deposição não era coerente. Então, levantando-se no meio do conselho o Sumo Sacerdote, perguntou a Jesus: Não respondes alguma coisa ao que estes atestam contra ti? Mas ele estava em silêncio e nada respondeu. Tornou a perguntar-lhe o Sumo Sacerdote e lhe disse: És tu o Cristo, filho de Deus bendito? E Jesus lhe disse: Eu o sou, e vereis o Filho do homem assentado a direita do poder de Deus, e vir sobre as nuvens do céu. (Mc 14, 55-63).

9. Na parte inferior esquerda vê-se a Jezabel, mulher de Acab rei de Israel, comida pelos cães. Esta mulher ímpia, querendo ver-se livre de Naboth que se recusava a vender a sua vinha, buscou falsa testemunhas que o acusassem de blasfêmias. Naboth foi condenado à morte e lapidado. O sucessor de Acab mandou precipitar a Jezabel do alto do palácio e o corpo dela foi comido pelos cães. Assim Deus a castigou. 

10. Outro exemplo de testemunho falso. Lemos nos Atos dos Apóstolos: Crescia a palavra do Senhor e se multiplicava muito o número dos discípulos em Jerusalém; uma grande multidão de sacerdotes obedecia também a fé. Mas Estevão, cheio da graça e de fortaleza, fazia grandes prodígios e milagres entre o povo. E alguns da Sinagoga que se chama dos Libertinos, e dos Cirineus, e dos Alexandrinos, e dos que eram da Sicília e da Ásia se levantaram a disputar com Estevão. E não podiam resistir a sabedoria e ao Espírito que nele falava. Então subornaram a alguns que dissessem que eles lhe haviam ouvido dizer palavras de blasfêmia contra Moisés e contra Deus. Amotinaram enfim o povo, e os Anciãos e os Escribas e conjurados o arrebataram e levaram ao conselho, e produziram falsas testemunhas que dissessem: Este homem não cessa de proferir palavras contra o lugar santo e contra a lei, porque nós o ouvimos dizer que esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar e há de trocar as tradições que Moisés nos deixou. (Atos 4, 7-14). 

11. Na parte inferior direita, vê-se a Daniel confundindo os dois anciãos que falsamente testemunharam contra Suzana. Os Anciãos fora condenados à morte e lapidados.



Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Trecho 10 - Tratado de Conformidade com a vontade de Deus




 Também nos devemos resignar na desolação do espírito. Nosso Senhor, quando uma alma se entrega à vida espiritual, costuma socorrê-la com abundantes consolações místicas, de modo a subtraí-la aos mundanos deleites; porém, vendo-a estabelecida em espírito, retira sua onipotente mão para obter uma prova de amor que esta alma lhe dedica, e ver se ela o servirá sem a recompensa neste mundo de delícias sensíveis. "Enquanto vivermos no mundo", diz Santa Tereza, "a nossa vantagem não é tanto em gozar de Deus em si mesmo, como em fazer a Sua divina vontade". E em outra parte, diz: "O amor de Deus não consiste tanto em ternuras espirituais, como em servi-lo com fortaleza e humildade". E continua: "Deus experimenta aqueles que ama com securas espirituais e tentações". Deve, pois, a alma agradecer ao Senhor quando Lhe apraz favorecê-la com doçuras espirituais; mas não afligir-se, nem impacientar-se, quando a entrega à desolação. Devemos especialmente atender a este ponto; porque algumas almas fracas, quando experimentam securas espirituais pensam que Deus as tem abandonado, ou ao menos que lhes não é própria a vida espiritual, e por este motivo descuidam-se da oração e perdem o benéfico resultado do que até ali haviam praticado. Não há melhor ocasião para a conformidade com a vontade de Deus do que o tempo da secura espiritual. Não digo que não seja sensível a perda da divina presença: impossível que a alma não a sinta, e não a lamente, quando o nosso mesmo Redentor a sentiu e lamentou sobre a cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?" (Mt 27,46). Porém, em tão grande aflição, devemos resignar-nos inteiramente com a vontade de Nosso Senhor. Todos os santos sofreram securas e desolação do espírito. "Que dureza de coração eu experimento?", dizia São Bernardo, "já não gozo na leitura espiritual, nem na meditação". A maior parte dos santos viveu em secura espiritual e sem consolações. Estas o Senhor não as concede senão raras vezes e talvez aos espíritos mais fracos, para que não parem na carreira espiritual. As delícias da recompensa nos são preparadas por Ele no Céu. Este mundo é o lugar onde as adquirimos pela penitência; o Céu é o lugar da recompensa. Por consequência os santos não se entregavam ao fervor com deleites, mas sim com penitências. O venerável João D'Ávila dizia: "Ó quão melhor é estar em secura e tentação com a vontade de Deus, do que em contemplação sem ela!" (Audi. Fil. G. 26). 

Mas direis vós: "Se eu soubesse que esta desolação vinha de Deus ficaria satisfeito; porém o que me aflige e me perturba é o temor que proceda das minhas faltas e que seja um castigo de minha fraqueza". Pois bem, lançai fora essa fraqueza e sede mais diligente. Mas, talvez porque estais em trevas, vos achais inquieto, vos descuidais da oração e do exercício espiritual, e assim tornais o mal pior? A secura espiritual pode-vos ter sido mandada como um castigo, como eu tenho dito; mas não vos é ela mandada pelo Altíssimo? Aceita-a, pois, como um castigo que tendes merecido, e uni-vos à divina vontade. Não direis vós que tendes merecido o inferno? Então, por que vos lamentais agora? Acaso mereceis receber consolações de Deus? Ficai, pois, satisfeito da maneira com que o Senhor apraz o tratar-vos: continuai vossas devoções e avançai com intrepidez,  receando que para o futuro vossos lamentos procedam de falta de humildade e resignação à vontade de Deus. Quando a alma se entrega à oração, não pode derivar dela maior vantagem do que a união com a vontade divina; resignai-vos, pois, e dizei: "Senhor, eu aceito esta tribulação da tua mão, e a aceito pelo tempo que tu quiseres: mesmo quando te fosse agradável que eu permanecesse aflito por toda a eternidade, eu estou satisfeito". E assim, esta oração, ainda que penosa, vos será mais vantajosa do que as mais suaves consolações. 


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica


sábado, 23 de abril de 2022

São Jorge


23 de abril


 Jorge [Georgius] vem de geos, que quer dizer "terra", e de orge "cultivar", de forma que o nome significa "cultivando a terra", isto é, sua carne. No seu livro Sobre a Trindade, Agostinho afirma que a boa terra pode estar tanto no alto das montanhas como nas encostas temperadas das colinas ou nas planícies. O primeiro tipo convém ao pasto, o segundo às vinhas, o terceiro aos cereais. De forma semelhante, o beato Jorge foi como a terra alta por desprezar as coisas baixas e exaltar as puras, foi como a terra temperada devido à descrição do vinho da eterna alegria, foi como a terra plana pela humildade que produz frutos de boas obras. Jorge também pode vir de gerar, "sagrado", e de gyon, "areia", Jorge foi pesado pela gravidade dos costumes, miúdo por sua humildade, seco pela isenção de volúpia carnal. O nome pode ainda derivar de gerar, "sagrado", e gyon, "luta", significado "lutador sagrado" porque lutou contra o dragão e contra o carrasco. Jorge ainda pode resultar de gero, que quer dizer "peregrino", de gír, "cortado", e de ys, "conselheiro", porque foi peregrino em seu desprezo pelo mundo, cortado em seu martírio e conselheiro na prédica do reino de Deus. Sua legenda foi considerada apócrifa pelo concílio de Nicéia devido às discrepâncias entre os relatos. O calendário de Beda diz que ele foi martirizado na cidade persa de Diáspolis, outrora chamada Lida, e situada perto de Jope. Outras versões dizem que ele sofreu o martírio sob os imperadores Diocleciano e Maximiano. Outro autor afirma que foi na época do imperador persa Diocleciano e na presença de oitenta reis. Outros, ainda, pretendem que foi sob o governador Daciano, no tempo de Diocleciano e Maximiano.

Jorge, tribuno nascido na Capadócia¹, foi certa vez a Silena, cidade da província da Líbia. Ali perto havia um lago, grande como um mar, no qual se escondia um pestífero e enorme dragão que muitas vezes afungentou o povo armado que tentara atacá-lo. Para acalmá-lo e impedir que se aproximasse das muralhas da cidade, que não protegiam de seu hálito empestado que matava muita gente, os habitantes davam-lhe todos os dias duas ovelhas. Quando começou a não haver ovelhas em quantidade suficiente, o conselho municipal decidiu que se daria uma ovelha e um humano, sorteando-se para tanto rapazes e moças, sem excetuar ninguém. Depois de algum tempo também faltou gente, e o sorteio designou a filha única do rei para ser entregue ao dragão.

Contristado, o rei propôs: "Peguem todo meu ouro e prata, a metade de meu reino, mas não deixem minha filha morrer assim". Furioso, o povo respondeu: "Foi você, rei, que promulgou este edito, e agora que todos os nossos filhos estão mortos, quer salvar sua filha? Se não fizer com sua filhs o que ordenou para os outros, queimaremos sua casa e você". Ao ouvir essas palavras, o rei pôs-se a chorar sua filha, dizendo: "Ai, como sou infeliz! Ó meiga filha, o que posso fazer por você? O que posso dizer? Nunca poderei vê-la casada?". E, voltando-se para o povo: "Eu imploro a vocês, deem-me oito dias para chorar minha filha".

O povo aceitou, mas ao cabo de oito dias dirigiu-se, furioso, ao rei: "Prefere perder seu povo, que sua filha? Estamos todos morrendo por causa do sopro do dragão". Então o rei, vendo que não poderia livrar a filha, fez que ela vestisse trajes reais e beijou-a entre lágrimas, dizendo: "Ai, como sou infeliz! Minha doce filha, eu esperava convidar muitos príncipes para suas bodas, decorar seu palácio com pedras preciosas, ouvir músicas de vários instrumentos, e no entanto você vai ser devorada pelo dragão". Ele a beijou e a deixou partir, dizendo: "Ó minha filha, queria ter morrido antes para não perdê-la assim!". Ela então se jogou aos pés de seu pai para pedir a benção, e depois de abençoada em lágrimas dirigiu-se para o lago.

O bem-aventurado Jorge passava casualmente por lá, e vendo-a chorar perguntou a razão. Ela respondeu: "Bom rapaz, monte depressa em seu cavalo e fuja, se não quiser morrer como eu". Jorge: "Não tenha medo, minha filha, e diga-me o que toda aquela gente está esperando ver". Ela: "Vejo que você é bom rapaz, de coração generoso, mas quer morrer comigo? Fuja! Depressa!". Jorge replicou: "Não irei embora antes que me conte o que está acontecendo". Depois que a moça explicou tudo, Jorge disse: "Minha filha, nada tema, porque, em nome de Cristo, vou ajudá-la". Ela replicou: "Você é um bom cavaleiro, mas salve-se imediatamente, não pereça comigo! Basta que eu morra sozinha, porque você não poderia me livrar e pereceríamos juntos".

Enquanto conversavam, o dragão pôs a cabeça para fora do lago e foi se aproximando. Toda trêmula, a moça falou: "Fuja, meu bom senhor, fuja depressa". Jorge montou imediatamente em seu cavalo, protegeu-se com o sinal-da-cruz, e com audácia atacou o dragão que avançava em sua direção. Brandindo a lança com vigor, recomendou-se a Deus, atingiu o monstro com força, jogando-o ao chão, e disse à moça: "Coloque sem medo seu cinto no pescoço do dragão, minha filha". Ela assim o fez e o dragão seguiu-a como um cãozinho muito manso.

Quando ela chegou à cidade, vendo aquilo todo o povo pôs-se a fugir gritando: "Ai de nós, logo todos vamos morrer!". Mas o beato Jorge disse-lhes: "Nada temam, o Senhor me enviou para que eu os libertasse das desgraças causadas por esse dragão. Creiam em Cristo e recebam o batismo, que eu matarei o dragão". Então o rei e todo o povo foram batizados e o bem-aventurado Jorge desembainhou a espada e matou o dragão, ordenando depois que o levassem para fora da cidade. Quatro pares de boi arrastaram-no para campo aberto. Nesse dia 20 mil homens foram batizados, sem contar crianças e mulheres. 

Em homenagem à bem-aventurada Maria e o beato Jorge, o rei mandou construir uma enorme igreja, sob cujo altar surgiu uma fonte de água curativa para todos os enfermos. O rei ofereceu ao bem-aventurado Jorge imensa quantidade de dinheiro, mas ele não aceitou e mandou doá-la aos pobres. Jorge deu então ao rei quatro breves conselhos: cuidar das igrejas de Deus, honrar os padres, ouvir com atenção o ofício divino e nunca esquecer os pobres. A seguir beijou o rei e foi embora.

Certos livros contam que quando o dragão ia devorar a moça Jorge protegeu-se com o sinal-da-cruz, atacou-o e matou-o. Eram imperadores na época Diocleciano e Maximiano, e sob o governador Daciano houve uma perseguição tão violenta aos cristãos que em um mês 17 mil deles receberam a coroa do martírio, enquanto muitos outros fraquejaram e sacrificaram aos ídolos.

Vendo isso, São Jorge ficou profundamente tocado, distribuiu tudo o que possuía, trocou as vestes militares pelas dos cristãos e passou a viver entre eles, exclamando: "Todos os deuses dos gentios são demônios, foi o Senhor quem fez os Céus!". Irado, o governador disse: "Que presunção é essa de chamar nossos deuses de demônios? Diga-me de onde você é e qual seu nome". Jorge respondeu: "Eu me chamo Jorge, sou de uma nobre estirpe da Capadócia. Com a ajuda de Cristo, submeti a Palestina, mas depois abandonei tudo para servir livremente ao Deus do Céu". Como o governador não conseguia demovê-lo, mandou suspendê-lo no potro² e dilacerar cada um de seus membros com garfos de ferro. Mandou queimá-lo com tochas e esfregar sal em suas feridas e em suas entranhas, que lhe saíam do corpo. Na noite seguinte, envoltou em imensa luz, o Senhor apareceu-lhe e reconfortou-o com doçura. A deliciosa visão e as confortantes palavras fortaleceram-no a tal ponto que seus tormentos pareciam não ter acontecido. 

Percebendo que não podia dobrá-lo com torturas, Daciano convocou um mágico, a quem disse: "Graças às artes mágicas, os cristãos zombam dos tormentos e recusam-se a sacrificar a nossos deuses". O mágico respondeu: "Se não conseguir superar seus truques, que eu perca a cabeça!". Preparou então seus feitiços, invocou seus deuses, misturou veneno com vinho e deu-o para São Jorge beber. O homem de Deus fez sobre a bebida o sinal-da-cruz e tomou-a sem ser afetado. O mágico preparou uma dose mais forte, que o homem de Deus bebeu inteiramente, sem dano algum, após ter feito o sinal-da-cruz. Ao ver isso, o mágico lançou-se aos pés de Jorge, chorando, arrependido, e pediu para ser cristão. Logo depois o juiz mandou decapitá-lo. 

No dia seguinte, ele mandou colocar Jorge numa roda que tinha em toda a sua volta espadas de dois gumes, mas no mesmo instante a roda quebrou e Jorge saiu dali ileso. Irritado, o juiz mandou então jogá-lo num caldeirão cheio de chumbo derretido, mas ele fez o sinal-da-cruz antes de entrar, e pela virtude de Deus revigorou-se ali como num banho. Vendo que não conseguia vencê-lo com torturas, Daciano pensou em fazê-lo com suavidade e disse-lhes: "Jorge, meu filho, veja a mansuetude de nossos deuses, eles suportam suas blasfêmias com tanta paciência e estão dispostos a ser indulgentes com você caso aceite se converter. Faça, portanto, querido filho, o que peço: abandone suas supertições para sacrificar a nossos deuses, a fim de receber deles e de nós grande honrarias". Jorge replicou, sorrindo: "Por que você não me falou desta forma branda antes de me torturar? Estou pronto a fazer aquilo a que me exorta".

Iludido por essa fala, Daciano, muito feliz, mandou o pregoeiro público convocar a todos para ver Jorge, por tanto tempo rebelde, enfim ceder e sacrificar aos deuses. A cidade inteira foi engalanada e com alegria esperou o momento, mas ao entrar no templo para sacrificar aos ídolos, Jorge ajoelhou-se e pediu ao Senhor que destruísse completamente o templo com seus ídolos. No mesmo instante caiu o fogo do Céu sobre o templo, queimando-o com seus deuses e seus sacerdotes. A terra entreabriu-se e tragou tudo o que restara.

No prefácio³ que Ambrósio compôs a respeito, ele diz:

Jorge fidelíssimo guerreiro de Cristo, professou com intrepidez o cristianismo enquanto muitos renegavam o Filho de Deus. Recebeu da graça divina tão grande constância, que desprezou as ordens do poder tirânico e não temeu as dores de incontáveis suplícios. Ó feliz e ínclito paladino do Senhor, que não foi seduzido pelas promessas de um reino temporal, e enganando o perseguidor precipitou no abismo as falsas divindades!

Assim escreveu Ambrósio.

Ao saber daquele fato, Daciano mandou levar Jorge à sua presença e perguntou-lhe: "Qual foi a mágica, homem malvado, que você usou para cometer semelhante crime?". Jorge respondeu: "Não acredite nisso, rei, venha comigo e me verá imolar aos deuses". Daciano: "Entendo seu plano, você quer que a terra me trague como fez com o templo e com meus deuses". Jorge retrucou: "Diga-me, miserável, como os seus deuses irão ajudá-lo se não foram capazes de se defender?". Cheio de raiva, o rei disse a sua esposa Alexandrina: "Percebo que este homem me superou e que vou morrer". Ela retrucou: "Tirano cruel e carniceiro, quantas vezes disse a você para não molestar os cristãos porque o Deus deles os defenderia? Pois bem, fique sabendo que quero me tornar cristã". Estupefato, o rei exclamou: "Ah! Que dor! Até você foi seduzida?". E mandou pendurá-la pelos cabelos e surrá-la duramente. 

Durante esse suplício ela disse: "Jorge, luz da verdade, para onde vou, já que ainda não fui regenerada pela água do batismo?" Jorge: "Não tema, filha, o sangue que você vai derramar servirá de batismo e será sua coroa". Orando, ela rendeu a alma ao Senhor. É o que atesta Ambrósio, ao dizer no prefácio que "a rainha dos persas foi condenada por seu cruel marido, e embora não tenha recebido a graça do batismo, mereceu a palma de um martírio glorioso. Por isso não podemos duvidar que o rocio do seu sangue tenha merecidamente aberto para ela as portas do reino do Céu". Foi o que escreveu Ambrósio. 

No dia seguinte Jorge foi condenado a ser arrastado por toda a cidade e a ter a cabeça cortada. Ele orou ao Senhor pedindo que atendesse a todos os que implorassem seu socorro, e ouviu-se a voz divina concedendo-lhe o pedido. Terminada a oração, seu martírio foi consumado e sua cabeça cortada. Isso aconteceu sob Diocleciano e Maximiano, que reinaram por volta do ano 287 do Senhor. Quando Daciano voltava do lugar do suplício para seu palácio, o fogo do Céu caiu sobre ele e seus guardas, consumindo-os. 

Gregório de Tours conta que algumas pessoas com relíquias de São Jorge hospedaram-se certa noite em um oratório, e de manhã não conseguiram de nenhum jeito mover o relicário enquanto não deixaram ali uma parte das relíquias. Na História de Antioquia lê-se que quando os cristãos rumavam para conquistar Jerusalém, um belíssimo rapaz apareceu a um sacerdote dizendo-lhe que São Jorge seria o comandante dos cristãos caso levassem consigo suas relíquias a Jerusalém, onde ele próprio estaria ao lado deles. E quando sitiavam a cidade e a resistência dos sarracenos não permitia o assalto final, o bem-aventurado Jorge apareceu em trajes brancos e armado de uma cruz vermelha, fazendo sinal aos sitiantes para irem atrás dele e atacarem sem medo, que conquistariam a cidade. Animados por essa visão, venceram e massacraram os sarracenos.


São Jorge, rogai a Deus por nós!

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1. Região da Ásia menor, a oeste da Armênia.

2. Confome nota 1 do capítulo 25.

3. Conforme nota 4 do capítulo 55.

Fonte: Legenda Áurea, vidas dos santos. Jacopo de Varazze, ed. Companhia das Letras. p 365-70.





quinta-feira, 21 de abril de 2022

7º Mandamento de Deus (continuação): Não furtar

 


1. Este mandamento ordena também a restituição da coisa furtada ou retida injustamente. 

2. Está obrigado à restituição: 1º Quem furtou ou roubou; 2º o que manda ou persuade o furto; 3º o que consente no furto; 4º o que participa dele; 5º o que devendo impedir o furto, não só o não impede, mas o permite; 6º o que presta auxílio ou defesa aos ladrões. 

3. Este mandamento impõe também a obrigação de resarcir os danos feitos ou causados por própria culpa. 

4. A coisa furtada ou achada deve restituir-se a seu dono, fazendo toda a diligência para descobri-lo. Se não se descobrir, convêm consultar um douto confessor. 

5. Se a coisa furtada ou achada já não existir, deve restituir-se o justo valor da mesma coisa. Se não se pode restituir todo o valor, deve restituir-se aquela parte que se pode. No caso de não poder restituir nada, deve se ter ao menos o desejo de restituir logo que se possa.

6. Não se perdoa o pecado sem se restituir o alheio mal adquirido, de modo que é impossível que se salvem aqueles que, podendo, não querem restituir. 

7. Os serviçais não devem enganar os seus patrões, mesmo nas coisas pequenas. Diz com efeito Jesus, em São Lucas XVI: O que é fiel no menos, também é fiel no mais; e o que é injusto no pouco, também é injusto no muito. Se pois vós não fordes fiéis nas riquezas injustas, quem haverá que confie de vos as verdadeiras; e se vós não fordes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso. Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque ou há de ter aborrecimento a um, e amar o outro; ou há de entregar-se a um e não fazer caso do outro: vós não podeis servir a Deus e às riquezas. 

8. Exemplo de restituição. Tendo Jesus entrado em Jericó, atravessava a cidade, e vivia nela um homem chamado Zaqueu, e ele era um dos principais entre os publicanos, e pessoa rica. E procurava ver a Jesus para saber quem era, e não o podia conseguir por causa de muita gente, porque era pequeno de estatura. E correndo adiante subiu a um sicomoro para o ver, porque ali havia de passar. E quando chegou aquele lugar, levantando os olhos ali o viu e lhe disse: Zaqueu, desce depresssa, porque importa que eu fique hoje em tua casa. E desceu ele a toda a pressa, e recebeu-o com gosto. E vendo isto todos, murmuravam dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um homem pecador. Entretanto Zaqueu, posto na presença do Senhor disse-lhe: Senhor, eu estou para dar aos pobres a metade dos meus bens, e naquilo em que eu tiver defraudado a alguém, pagar-lo-ei quadruplicado. Sobre que lhe disse Jesus: Hoje entrou a salvação nesta casa, porque este também é filho de Abraão. 

9. Os que herdam bens injustamente adquiridos têm também obrigação de os restituirem, porque não é permitido reter injustamente o bem alheio.

10. Os administradores e serviçais que administram mal os bens do seu senhor pecam contra o 7º mandamento e têm obrigação de resarcir o prejuízo ou dano que causaram.

11. Evitaremos toda a injustiça, respeitando o alheio como queremos que se respeite o nosso bem.


Explicação da gravura


12. Na parte superior, o anjo Rafael reclama a Gabelo uma quantia que Tobias outrora lhe emprestara. Gabelo apressou-se a pagar a divida ao Anjo. 

13. Na parte inferior, à direita, vemos um homem poderoso que querendo expoliar um mais fraco, ameaçou-o de suscitar-lhe demandas injustas e ruínosas, se não consentir nas suas exigências.

14. Na parte inferior esquerda vê-se um serviçal infiel que malbaratou os bens de seu patrão.


Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

7º Mandamento de Deus: Não furtar

 


1. Por este mandamento, Deus proíbe-nos tomar ou deter injustamente o alheio.

2. Há três espécies de pecados contra este mandamento: 1º tomar os bens alheios contra a vontade do seu dono; 2º reter o alheio injustamente; 3º causar dano ao próximo com malícia e injustiça. 

3. Os que tomam injustamente o bem alheio são: os ladrões, os criados infiéis, os mercadores sem probidade, os usuários, os litigantes de má fé, e em geral todos os que fazem dano ao próximo. 

4. Os filhos que roubam os pais pecam contra o 7º mandamento, porque se apoderam dum bem que ainda não lhes pertence. 

5. É sempre pecado apoderar-se dos bens do próximo, mas o pecado é mais ou menos grave conforme o valor do objeto.

6. Há circunstâncias que tornam mortal, um roubo pequeno em si, por exemplo quando um pequeno roubo causa grande prejuízo. 

7. Pode-se reter injustamente um bem alheio de vários modos: não pagando as dívidas, não restituindo os depósitos que nos foram confiados e guardando alguma coisa achada sem se informar de quem seja o seu dono para lhe restituir. 

8. Pecam contra este mandamento os que culpadamente fazem ou causam dano ao próximo.

9. Peca-se contra este mandamento, não só cometendo uma injustiça, mas também participando da injustiça do próximo.

10. Eis aqui os conselhos que dava São João Batista aos que lhe confessavam as suas injustiças: Já o machado está posto a raiz das árvores; e assim toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo. E lhe perguntavam as gentes dizendo: Pois que faremos? E respondendo lhes dizia: O que tem duas túnicas, dê uma ao que não tem, e o que tem que comer faça o mesmo. E vieram também a ele publicanos para que os batizasse e lhe disseram: Mestre, que faremos nós? E ele respondeu: Não cobreis mais que o que vos foi ordenado. Da mesma sorte perguntavam-lhe também os soldados dizendo: E nós, que faremos? E João lhes respondeu: Não trateis mal nem oprimais com calúnia pessoa alguma e dai vos por contentes com o vosso soldo. E como o povo atendesse e todos assentassem nos seus corações, que talvez João seria o Cristo, respondeu João: Eu na verdade batizo em água; mas virá outro mas forte do que eu, a quem eu não sou digno de desatar a correia dos seus sapatos. Ele vos batizará em virtude do Espírito Santo e no fogo, cuja pá está na sua mão, e ele limpará a sua eira, e recolherá o trigo em seu celeiro, e queimará as palhas, num fogo que nunca se apaga. (Lc 3, 9-18). 


Explicação da gravura


11. Vê-se na esquerda na parte inferior o velho Tobias pobre e cego, que possuíra grandes bens sua mulher trabalhava para o sustentar. Um dia que lhe tinham dado um cabrito Tobias, ouvindo os balidos do animal, disse: Tomai conta que não seja fruto de algum roubo.

12. No alto da gravura vê-se o rei Acab ferido num combate. Este príncipe desejava obter uma vinha pertencente a Naboth que não a quis vender. Acab então de acordo com a sua mulher mas perversa do que ele, mandou assassinar a Naboth e apoderou-se da sua vinha. Elias profetizou-lhe da parte de Deus que o seu sangue seria lambido pelos cães no mesmo lugar onde o fora o de Naboth. Acab estando em guerra com o rei da Síria, foi ferido por uma seta, e o seu sangue lambido pelos cães, como o profetizara Elias.

13. Vê-se na parte inferior à direita um Israelita de nome Achan que, contra a proibição do Senhor, se apropriara, depois da tomada de Jericó, de grande quantidade de rebanhos, duzentos, sielos de prata, um regra d'ouro e um manto de púrpura. Achan foi severamente castigado por ordem de Josué; o povo apedrejou e queimou-o juntamente com o que ele roubara. 


Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

6º Mandamento de Deus: Guardar castidade.





1. O sexto mandamento proíbe todas as ações vistas e palavras contrárias à castidade.

2. Castiga Deus os pecados contra a castidade de muitos modos, mas especialmente com a cegueira da alma, pena gravíssima, a qual faz que um homem dominado do vício da desonestidade não olha nem a Deus, nem a própria honra, nem ainda a própria vida. 

3. Para evitar este vício vergonhoso devem se fugir 1º a ociosidade; 2º a guia; 3º as vistas licenciosas; a vaidade e a imodéstia no vestir; 5º os livros e espetáculos desonestos; 6º as cantigas lascivas; 7º as danças e posturas indecentes, etc.

4. Este mandamento nos ordena a castidade da alma e do corpo. Para adquirir e conservar a castidade deve-se: 1º Pedi-la amiudadas vezes a Deus, de quem é dom especial; 2º frequentar os sacramentos; 3º ser devoto de Maria Santíssima; 4º afligir o corpo com jejuns e mortificações.

5. O pecado contra a castidade é gravíssimo: 1º porque mais do que qualquer outro pecado destrói em nós a imagem e semelhança de Deus, tornando-nos semelhantes aos animais; 2º porque profana os nossos corpos que são membros de Jesus Cristo e os templos do Espírito Santo. 

6. Nosso Senhor declara que o demônio da impureza não se expulsa senão pelo jejum a mortificação e a oração: Um homem dentre o povo disse a Jesus: Eu te trouxe meu filho possuído de um espírito mudo, o qual onde quer que o apanha, o lança por terra, e o moço deita espuma pela boca, e range com os dentes, e vai se mirrando. Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. Trouxeram então o moço. E ainda bem ele não tinha visto a Jesus, quando logo o espírito imundo o começou a agitar com violência até que caiu por terra, onde se revolvia babando-se todo. E perguntou Jesus ao pai dele: quanto tempo há que lhe sucede isto? E ele disse: Desde a infância. E o demônio o tem lançado muitas vezes no fogo, e muitas na água para o matar. Porém, se tu podes alguma coisa, ajuda-nos: tem compaixão de nós. Disse-lhe pois Jesus: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê. E imediatamente o pai do moço gritando dizia com lágrimas: Sim, Senhor, eu creio; ajuda tu a minha incredulidade. E Jesus, vendo que o povo concorria, ameaçou o espírito imundo dizendo-lhe: Espírito surdo e mudo eu te mando, sai desse moço e não tornes entrar nele. Então, dando grandes gritos, e maltratando-o muito, saiu dele, e ficou como morto, de modo que muitos diziam: está morto. Porém tomando-o Jesus pela mão o levantou e eles se ergueu. E depois que entrou em casa, perguntaram-lhe seus díscipulos particularmente: Porque o não podemos nós expelir? E ele lhes disse: Esta casta de demônios não se pode fazer sair, senão a força de oração e de jejum. (Mc 9,16-29). 


Explicação da gravura


7. Na parte superior, está representando o dilúvio, no qual pereceram todos homens, exceto Noé e a sua família. Deus enviou esse terrível castigo para punir os homens que se entregavam a todos os crimes, particularmente ao da impureza. Noé que era virtuoso salvou-se dentro da arca. 

8. Vê-se inferiormente o incêndio do Sodoma e Gomorra, cidades que foram destruídas por Deus em castigo do pecado de impureza. 

9. Vê-se na parte inferior à direita a Sansão, que cego pela paixão, revelou a Dalila o segredo da sua força. Esta mulher infame mandou-lhe cortar os cabelos, entregando-o aos Filisteus que lhe queimaram os olhos e condenaram a mover a mó dum moinho.

10. A esquerda veem-se dois filhos de Jacó matando o rei Sichem que desonrara uma sua irmã. 



Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.