segunda-feira, 25 de abril de 2022

Trecho 10 - Tratado de Conformidade com a vontade de Deus




 Também nos devemos resignar na desolação do espírito. Nosso Senhor, quando uma alma se entrega à vida espiritual, costuma socorrê-la com abundantes consolações místicas, de modo a subtraí-la aos mundanos deleites; porém, vendo-a estabelecida em espírito, retira sua onipotente mão para obter uma prova de amor que esta alma lhe dedica, e ver se ela o servirá sem a recompensa neste mundo de delícias sensíveis. "Enquanto vivermos no mundo", diz Santa Tereza, "a nossa vantagem não é tanto em gozar de Deus em si mesmo, como em fazer a Sua divina vontade". E em outra parte, diz: "O amor de Deus não consiste tanto em ternuras espirituais, como em servi-lo com fortaleza e humildade". E continua: "Deus experimenta aqueles que ama com securas espirituais e tentações". Deve, pois, a alma agradecer ao Senhor quando Lhe apraz favorecê-la com doçuras espirituais; mas não afligir-se, nem impacientar-se, quando a entrega à desolação. Devemos especialmente atender a este ponto; porque algumas almas fracas, quando experimentam securas espirituais pensam que Deus as tem abandonado, ou ao menos que lhes não é própria a vida espiritual, e por este motivo descuidam-se da oração e perdem o benéfico resultado do que até ali haviam praticado. Não há melhor ocasião para a conformidade com a vontade de Deus do que o tempo da secura espiritual. Não digo que não seja sensível a perda da divina presença: impossível que a alma não a sinta, e não a lamente, quando o nosso mesmo Redentor a sentiu e lamentou sobre a cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?" (Mt 27,46). Porém, em tão grande aflição, devemos resignar-nos inteiramente com a vontade de Nosso Senhor. Todos os santos sofreram securas e desolação do espírito. "Que dureza de coração eu experimento?", dizia São Bernardo, "já não gozo na leitura espiritual, nem na meditação". A maior parte dos santos viveu em secura espiritual e sem consolações. Estas o Senhor não as concede senão raras vezes e talvez aos espíritos mais fracos, para que não parem na carreira espiritual. As delícias da recompensa nos são preparadas por Ele no Céu. Este mundo é o lugar onde as adquirimos pela penitência; o Céu é o lugar da recompensa. Por consequência os santos não se entregavam ao fervor com deleites, mas sim com penitências. O venerável João D'Ávila dizia: "Ó quão melhor é estar em secura e tentação com a vontade de Deus, do que em contemplação sem ela!" (Audi. Fil. G. 26). 

Mas direis vós: "Se eu soubesse que esta desolação vinha de Deus ficaria satisfeito; porém o que me aflige e me perturba é o temor que proceda das minhas faltas e que seja um castigo de minha fraqueza". Pois bem, lançai fora essa fraqueza e sede mais diligente. Mas, talvez porque estais em trevas, vos achais inquieto, vos descuidais da oração e do exercício espiritual, e assim tornais o mal pior? A secura espiritual pode-vos ter sido mandada como um castigo, como eu tenho dito; mas não vos é ela mandada pelo Altíssimo? Aceita-a, pois, como um castigo que tendes merecido, e uni-vos à divina vontade. Não direis vós que tendes merecido o inferno? Então, por que vos lamentais agora? Acaso mereceis receber consolações de Deus? Ficai, pois, satisfeito da maneira com que o Senhor apraz o tratar-vos: continuai vossas devoções e avançai com intrepidez,  receando que para o futuro vossos lamentos procedam de falta de humildade e resignação à vontade de Deus. Quando a alma se entrega à oração, não pode derivar dela maior vantagem do que a união com a vontade divina; resignai-vos, pois, e dizei: "Senhor, eu aceito esta tribulação da tua mão, e a aceito pelo tempo que tu quiseres: mesmo quando te fosse agradável que eu permanecesse aflito por toda a eternidade, eu estou satisfeito". E assim, esta oração, ainda que penosa, vos será mais vantajosa do que as mais suaves consolações. 


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica


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