quinta-feira, 19 de maio de 2022

Trecho 11 - Tratado da Conformidade com a vontade de Deus

 




Mas devemos também persuadir-nos de que a secura espiritual não é sempre um castigo, mas muitas vezes disposição de Deus para nosso maior bem e também para nos conservar humildes. Para que São Paulo não se tornasse vaidoso com as graças que tinha recebido, permtiu o Senhor que ele fosse molestado com tentações de impureza: "E para que a grandeza das revelações não me exaltasse, me foi dado o estímulo de minha carne, um anjo de Satanás, para atormentar-me" (2Cor 12,7). Aquele que ora a Deus com espiritual doçura e deleite, bem pouco faz. "É um amigo e um companheiro à mesa, mas me deixará no dia da aflição" (Eclo 6,10). Vós não considerais como verdadeiro amigo aquele que só vier à vossa mesa e tomar parte em vossos divertimentos; mas sim aquele que vos vem valer nos trabalhos e vos acudir nas tribulações sem que disso tire vantagem própria. Quando Deus manda obscuridade e desolação é para pôr à prova os seus verdadeiros amigos. Paládio, tendo sofrido grande secura espiritual na oração, foi consultar São Maurício, que lhe disse: "Quando o inimigo vos tentar para que deixeis a oração, dizei-lhe: 'Eu me satisfaço de aqui ficar pelo amor de Jesus Cristo, e mesmo só para guardar as paredes desta cela'". Tal deve ser a vossa resposta quando fordes tentado a não continuar na oração, porque vos parece que nisso perdeis tempo. Dizei nessas ocasiões: "Aqui estou para agradar a Deus". São Francisco de Sales diz que "se nós nada mais fazemos quando rezamos do que afastar as distrações e tentações, quão bem rezamos!" Taulero também diz que aquele que no tempo da secura espiritual perseverar na oração, lhe concederá Deus maiores graças do que aquele que orar com sensível devoção. O padre Rodriguez diz que certo homem confessava que pelo espaço de quarenta anos não tinha experimentado consolação alguma na oração, mas que naqueles dias que orava conforme o costume, sentia-se possuído de tal fraqueza que era inteiramente incapaz de fazer alguma boa obra. São Boaventura e Gerson dizem que muitos que durante a oração não têm a atenção que desejam, servem mais a Deus do que outros que a conservam, porque esta falta os obriga a serem mais diligentes: pois que, se assim não fosse, se poderiam tornar negligentes e soberbos, na ideia de que haviam achado o que procuravam. E o que temos dito da secura espiritual, podemos também dizer das tentações; porém, se Deus permite que sejamos tentados, sejam estas tentações contra a pureza, ou contra qualquer virtude, não devemos lastimar-nos, mas também nisto resignar-nos à divina vontade. A São Paulo, quando implorava para ser livre de tentação impura, respondeu o Senhor: "A minha graça te é suficiente" (2Cor 12,9). E assim, quando Deus não nos concede a graça de vivermos libertos de tentações que nos molestam, digamos: "Senhor faze e permite  o que quiseres; a tua graça me é suficiente, mas dá-me o teu auxílio para que eu não a perca". Não são as tentações, mas o consentir nelas, que nos priva da divina graça. Quando resistimos às tentações, tornamo-nos mais humildes e adquirimos mais merecimento, o que nos induz a recorrer a Deus com mais frequência, e nós estamos mais longe de o ofendermos, unindo-nos mais intimamente a Ele com o seu Santo amor. 



 Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

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