quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Trecho 4 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus



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Epíteto e Atho, dois bem-aventurados mártires de Jesus Cristo, quando sofreram o tormento, queimados com fachos por ordem do tirano, e dilacerados com ganchos de ferro, disseram somente: "Senhor, seja feita em nós a vossa vontade". E quando chegaram ao lugar da execução, exclamaram em altas vozes: "Bendito sejais, ó Deus Eterno, porque a vossa vontade se cumpriu amplamente em nós". Cesário relata (Liv 10,6) que certo religioso, que ainda que exteriormente não fosse diferente dos demais, tinha, contudo, chegado a um tal grau de santidade que pelo mero toque de seus hábitos curava aqueles que estavam doentes. O Superior, admirado disto, perguntou-lhe como fazia ele estes milagres, não vivendo mais exemplarmente do que os outros: ao que o religioso respondeu que também se admirava, e não sabia a razão disso: "Mas quais são as vossas devoções?", perguntou-lhe o abade. O bom religioso replicou que poucas eram, ou para melhor dizer, nenhuma, mas que sempre tinha cuidado de entregar a sua vontade à vontade de Deus, e que Nosso Senhor lhe havia concedido a graça de abandonar inteiramente a sua vontade à vontade divina. "A prosperidade não me eleva, nem a adversidade me abate, porque eu tudo recebo como vindo da mão de Deus, e para este fim dirijo todas as minhas preces, para que a sua vontade se cumpra perfeitamente em mim". O Superior lhe replicou: "Não vos ressentistes vós ontem contra o inimigo, que tanto nos prejudicou, roubando-nos os nossos mantimentos, e lançando-nos o fogo na nossa propriedade, destruindo-nos o nosso gado e a nossa seara?" "Não", foi a sua resposta, "pelo contrário, dei graças a Deus como costumo fazer em iguais desgraças; conhecendo que Deus faz ou permite tudo para a sua maior glória e nosso maior bem; e por esta razão sempre estou contente, suceda o que suceder". Ouvindo isto o abade, não se admirou mais de que ele fizesse milagres. Aquele que assim fizer não só vem a ser um grande santo, mas goza de uma paz perpétua. Afonso, o grande, rei de Aragão, príncipe, o mais sábio, perguntou-se quem ele pensava que era o homem mais feliz, respondeu: "Aquele que em tudo se conforma com a divina vontade, e que recebe os bens e os males como se viessem das mãos de Deus". Àqueles que amam a Deus, todas as coisas concorrem para bem (Rm 8,28). Aqueles que amam a Deus vivem sempre satisfeitos, porque todo o seu prazer é cumprir a divina vontade, mesmo nas coisas que lhe são desagradáveis, tanto que as inquietações se mudam em deleites pelo pensamento de que, aceitas voluntariamente, agradem a seu amado Senhor. "Tudo quando acontecer ao homem justo, o não entristecerá" (Pr 12,21). E, com efeito, que maior felicidade pode o homem experimentar do que o cumprimento de seus desejos? Então, quando se deseja o que Deus quer, tem cada um tudo quanto deseja, pois que (exceto o pecado) tudo quanto suceder no mundo é pela vontade de Deus. Conta-se nas vidas dos padres, que certo lavrador colhia sempre maior quantidade de frutos do que seus vizinhos, e perguntando-se o motivo, respondeu que não se admirassem porque as estações andavam sempre a seu arbítrio. "Como assim", disseram os outros; "porque", respondeu ele, "nunca desejo outro tempo senão aquele que Deus manda, e como eu quero o que Deus quer, Ele também me faz a vontade, dando-me uma boa colheita". - "As almas resignadas", diz Salviano, "quando se sentem humilhadas, confessam a sua humilhação; quando são pobres, sofrem voluntariamente a sua pobreza"; em uma palavra, resignam-se a tudo quanto lhes acontece, e por isso são sempre felizes durante a vida. Se chegar o calor, o frio, ou a chuva, aquele que se conforma à vontade do Senhor diz: "Eu desejo que haja calor, e frio, ou chuva, porque essa é a vontade de Deus". Se a pobreza, a perseguição ou a doença o afligem, ou mesmo a morte, ele dirá: "eu desejo ser pobre, perseguido ou doente, porque esta é a vontade de Deus". É esta a gloriosa liberdade que os filhos de Deus gozam, a qual vale mais do que todos os reinos e principados deste mundo: está é a sólida paz que os santos desfrutam; que excede a toda compreensão (Ef 3,19). E todos os prazeres sensuais, festas, banquetes, honras e mundanas gratificações são vaidade e caducidade, e, enquanto fascinam e entretém por alguns momentos, afligem o espírito, onde só pode haver a verdadeira felicidade. Aqui, exclamava Salomão, depois de ter esgotado o gozo das delícias do mundo: (Eclo 4,16). "O louco", diz o Espírito Santo, "muda como a lua, mas o homem justo continua em seu juízo, assim como o sol" (Eclo 27,12). O insensato, isto é, o pecador, muda como a lua, hoje está no crescente, amanhã no minguante, hoje está alegre, amanhã triste, hoje meigo, amanhã furioso como um tigre: e por quê? Porque a sua felicidade depende da prosperidade e adversidade que ele pode encontrar e, então, muda conforme as circunstância. Mas o homem justo é como o sol, sempre igual na sua serenidade, sejam os sucessos quais forem; porque a sua felicidade está na conformidade com a vontade divina, e por esta conformidade goza inalterável paz. "Paz na terra aos homens de boa vontade", disse o Anjo aos pastores (Lc 2,14). E quem são estes homens de boa vontade? São aqueles que estão unidos à divina vontade, a qual é sempre soberanamente boa e perfeita. Tal é a boa, aceita e perfeita vontade de Deus (Rm 12,2). Porque Deus não pode desejar coisa alguma que não seja a melhor e a mais perfeita.


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

Trecho 3 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus



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O grande ponto, porém, é abraçar a vontade divina em tudo quanto acontece, seja agradável ou desagradável às nossas inclinações. Nas coisas agradáveis, mesmos os pecadores se conformam com a vontade de Deus, porém os santos unem-se à vontade divina mesmo quando as coisas são desagradáveis e contra o amor- próprio. Nisto se prova o nosso amor para com Deus. O padre João D'Ávila dizia: "Uma ação de graças no tempo da tribulação vale mais que mil atos de agradecimento no tempo em que tudo nos prospera".
Além disso, nós não só devemos unir-nos à divina vontade nas adversidades que diretamente nos vêm de Deus, como doença, a desolação do espírito, a pobreza e a morte de nossos parentes, mas também nos casos promovidos pelas criaturas, assim como o desprezo a perda da reputação, a injustiça, os roubos e todas as demais perseguições. Devemos entender, quando sofremos injúrias na nossa reputação, honra ou bens, que Nosso Senhor não deseja o pecado que os outros cometem, mas sim a nossa humilhação, pobreza e mortificação. É certo e de boa fé, que tudo quanto acontece no mundo é por permissão divina: "Eu sou o Senhor, fora de mim não há outro; sou o Senhor que faço todas as coisas" (Is 45,6-7). Do Senhor nos vem os bens, e também os males, porque nos são contrários, mas realmente são para nós bens quando os aceitamos de Suas mãos. Diz o profeta Amós: "Haverá mal em alguma cidade, que o Senhor não tenha feito?" (Am 3,6) e Salomão diz: "O bem e o mal, a vida, a morte, a pobreza e a riqueza de Deus nos provém" (Eclo 11,14). É certo, conforme o que eu tenho dito, que quando o homem vos ofende, não é esta ofensa desejada por Deus, nem Ele concorre na malícia de sua vontade, mas concorre pelo concurso geral das ações materiais que vos afligem, envergonham ou injuriam, de maneira que a ofensa recebida é, sem dúvida, permitida por Deus, e vem de sua mão. Assim o Senhor o disse a Davi que Ele seria o autor das injúrias que havia de receber de Absalão: "Levantarei males contra ti, que procederão de tua própria casa; tirar-te-ei tuas mulheres diante dos teus olhos, e isto em castigo dos teus pecados" ( 2 Sm 12,11). Também disse aos hebreus que, em consequência de suas iniquidades, lhes mandaria aos assírios para os despojarem e arruinarem. "Ai do assírio, ele é a vara e a espada da minha ira... Eu o mandarei para os despojar" (Is 10, 5-6). Santo Agostinho assim explica isto: a impiedade dos assírios foi a espada de Deus, para castigo dos hebreus. E o mesmo Jesus Cristo disse a São Pedro, que sua morte e paixão não proveria tanto dos homens, como da vontade de Seu Eterno Pai: "Não beberei eu o cálice que o Pai me deu?" (Jo 18, 11). Quando o mensageiro (o qual se julga ter sido o diabo) veio dizer a Jó que os sabeanos lhe tinham tirado os seus bens e matado os seus filhos, que respondeu o santo homem? "O Senhor os deu, o Senhor os levou" (Jó 21). Ele não disse: "o Senhor deu-me filhos e bens, e os sabeanos tudo me tiraram", mas sim: "o Senhor os deu, o Senhor os levou"; porque ele bem sabia que a sua perda fora permitida pelo Onipotente, e depois acrescentou: "Assim como foi do agrado do Senhor, assim se fez: bendito seja o nome do Senhor". Não devemos, portanto, receber nossos infortúnios como da mão do acaso ou da malícia dos homens, mas devemos estar persuadidos que tudo quanto acontece é pela vontade de Deus. "Conhecei", diz Santo Agostinho, "que tudo quanto no mundo vos sucede é pela vontade de Deus, ainda que seja contrária à vossa".


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

Trecho 2 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus




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Tem sido sempre este o fim que os santos todos têm levado em vista: a conformidade com a vontade de Deus, conhecendo muito bem que nisto consistia a pureza da alma. O beato Henrique Suso disse: "Deus não quer que nos abundemos em luzes espirituais, mas sim que em tudo nos conformemos  com a Sua divina vontade". E Santa Teresa: "Tudo o que se deve procurar no exercício da oração é a conformidade da nossa vontade com a vontade divina, tendo por certo que nisto consiste a maior perfeição. Aquele que for mais superior nesta prática, receberá maiores graças de Deus, e fará os maiores progressos no caminho da perfeição". A Beata Estefânia de Soncino, religiosa da Ordem de São Domingos, sendo arrebatada em espírito e levada ao Céu em uma visão, viu algumas pessoas  que conhecia e que tinham morrido colocadas entre os serafins, e lhe foi dito que tinham sido exaltadas a tão alto grau de glória em consequência de sua conformidade com a vontade de Deus enquanto estiveram sobre a Terra: e o beato Suso, que acima mencionamos, falando de si mesmo, exclama: "Eu queria antes ser o mais vil inseto que se arrasta pela terra, pela vontade de Deus, do que ser um serafim pela minha vontade. Nós devemos neste mundo aprender dos santos, que estão no Céu, a maneira de amar a Deus. O amor, puro e perfeito, que os bem-aventurados no Céu têm para com Deus consiste em uma perfeita união da sua vontade à divina vontade, que eles levantassem montes de areia sobre as praias do mar, por toda a eternidade, ou que arrancassem erva nos jardins, eles o fariam com o maior prazer e gosto. E mais ainda: se Deus lhes dissesse que seriam queimados no fogo do inferno, eles desceriam imediatamente ao abismo, para cumprirem a vontade divina. E é o que Jesus Cristo nos ensina a pedir, que se faça a vontade de Deus na terra, como os santos o fazem no Céu (Mt 6,10). Nosso Senhor chama a Davi "um homem segundo o meu coração, porque cumpriu todas as minhas vontades" (At 13,22).
Davi sempre estava pronto a abraçar a divina vontade, como ele mesmo declara. "O meu coração está pronto, ó meu Deus, o meu coração está pronto!" (Sl 56,8). E tudo quanto ele pedia ao Senhor era que lhe ensinasse a cumprir a sua divina vontade: "Ensinai-me a fazer a Vossa Vontade" (Sl 142,10). Um ato de perfeita uniformidade com a vontade divina basta para constituir um santo. Veja-se São Paulo: no tempo em que era o perseguidor da Igreja, foi iluminado e convertido por Jesus Cristo; e depois, como procedeu? Que disse? Tudo quanto fez foi oferecer-se à divina vontade, dizendo: "Senhor, que quereis vós que eu faça?" (At 9,6). E o Senhor lhe declarou que seria um vaso de eleição e o Apóstolo dos gentios (At 9,15). Aquele que entrega a Deus a sua vontade, entrega-lhe tudo. Quem dá seus bens em esmolas, seu corpo às disciplinas, e seu alimento ao jejum dá uma parte do que possui: mas aquele que entrega a Deus a sua vontade, dá tudo, e pode dizer: "Senhor, eu sou pobre, mas eu vos dou tudo quanto possuo, dando-vos a minha vontade, e nada mais tenho que vos dar".
É isto só que Deus espera de nós: "Filho", diz Ele a cada um de nós, "dá-me o teu coração" (Pr 23,26), isto é, a tua vontade; nós, diz Santo Agostinho, não podemos oferecer a Deus coisa mais agradável do que dizer-lhe: "Senhor, tome posse de nós: nós vos entregamos a nossa vontade, fazei-nos saber o que exigis de nós, e nós o cumpriremos". Se, pois, queremos dar um grande prazer a Deus, devemos conformar-nos com a Sua divina vontade; mas não só conformar-nos, porém unirmo-nos aos seus mandados: conformidade que expressa a união da nossa vontade com a vontade de Deus; mas a uniformidade quer dizer mais, quer dizer que a vontade divina e a nossa seja uma só: de maneira que não devemos desejar senão o que Deus deseja e quer. É esta a maior perfeição à qual devemos aspirar: este deve ser o objeto de todas as nossas ações, de todos os nossos desejos, meditações e orações. Para isto devemos pedir o socorro do nosso Anjo da guarda e dos santos, nossos advogados, e, sobretudo, a proteção da Santíssima Mãe de Deus, a qual é a mais perfeita entre todos os santos, e porque foi quem mais perfeitamente abraçou a vontade divina em todas as ocasiões.


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

Trecho 1 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus



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Toda a nossa perfeição consiste em amar ao nosso amabilíssimo Deus. "A caridade é o vínculo da perfeição". (Col 3,14). E toda a perfeição do amor de Deus consiste em unir a nossa vontade com a Sua santíssima vontade. "O principal efeito do amor", diz São Dionísio (De divinis nominibus, c.4.), "é unir a vontade daqueles que se amam de maneira que se torne uma e a mesma vontade". Por conseguinte, quanto mais uma pessoa está unida com a vontade divina maior será o seu amor. Penitências, meditações, comunhões e obras de caridade, praticadas para com o nosso próximo, são de certo agradáveis a Deus, mas quando? Quando estas obras são feitas em conformidade com a Sua vontade; mas, quando elas não são praticadas pela vontade de Deus, não só lhe são desagradáveis, mas odiosas e merecedoras unicamente de castigo. Se um amo tivesse dois criados, dos quais, um trabalhando todo o dia, mas conforme a sua vontade, e o outro trabalhando à vontade de seu amo, seguramente o amo estimaria mais o segundo do que o primeiro. Como podem nossas ações promover a glória de Deus, se não forem conformes ao seu divino agradado? "O Senhor", disse o profeta a Saul, "não deseja sacrifícios, mas obediência à Sua vontade: acaso pede o Senhor holocausto e vítimas, e não obediência à Sua voz?" (1 Reis 15,22-23).
Aquele que trabalha segundo a sua própria vontade, e não conforme a vontade de Deus, comete uma espécie de idolatria, porque em lugar de adorar a vontade divina, adora de alguma maneira a sua própria.
A maior glória, pois, que nós podemos dar a Deus, é cumprir Sua bendita vontade em tudo. O nosso Redentor, que baixou dos Céus à Terra para promover a divina glória, cumprindo com a divina vontade, veio principalmente ensinar-nos a assim o praticarmos, pelo seu mesmo exemplo. Escute-mo-lo, como São Paulo no-lo descreve, falando ao seu Eterno Pai: "Vós não tendes querido sacrifício nem oblação, porém haveis-me dado um corpo [...] Então, eu disse: eis me aqui, ó Deus, para fazer a vossa vontade" (Hb 10,5-9.). Vós tendes recusado as vítimas que os homens vos tem oferecido, e me ordenastes que sacrificasse o corpo que me haveis dado, eis-me pronto a fazer a vossa vontade. E Ele repetidas vezes declara que não veio fazer a Sua vontade, mas sim a de Seu Eterno Pai: "Eu desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas sim para cumprir a daquele que me enviou" (Jo 6). E nisto desejava Ele que o mundo conhecesse o amor que tinha a Seu Pai, na sua obediência à Sua vontade, a qual era que Ele fosse crucificado sobre uma cruz para salvação do gênero humano: por isso, quando o Senhor se adiantou a encontrar seus inimigos, no horto de Getsêmani, que vinham para O prender e matar, Ele disse: "Eu me entrego ao seu furor, para que o mundo veja que eu amo a meu Pai; e que cumpro o que meu Pai tem ordenado a mim: levantai-vos pois e vamos daqui" (Jo 14,31). E desta maneira, cumprindo com a divina vontade, Ele disse que conhecia quem era seu irmão: "Aquele que fizer a vontade de meu Pai, que está no Céu, esse é meu irmão" (Mt 12,50).

Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Fundamentos da Fé Católica








                                                                                                                   Escrito por Dom Bosco

O que significa Religião?
É uma virtude, ou seja, uma série de boas ações pela qual o homem presta a Deus a honra e o culto que somente a Ele são devidos.

Como se deve praticar a Religião?
Acreditando em todas as verdades reveladas por Deus e observando Sua santa Lei, cumprindo fielmente os Mandamentos de Deus e da Igreja fundada e estabelecida por Cristo.

A quem foi revelada a verdadeira religião?
Foi primeiramente revelada a Adão, que foi o primeiro homem do mundo. Depois, pelo mesmo Deus, e às vezes com o auxílio dos anjos, foi revelada aos santos Patriarcas que a praticaram, aos Profetas, que com os seus milagres mostraram que eram por Deus inspirados. A prova disso é que, sendo Deus o único capaz de fazer verdadeiros milagres, e não sendo concebível que os faça para provar o erro e a mentira, conclui-se disso que, aqueles que fizeram acertadas profecias sobre o futuro, confirmam a veracidade desta revelação, pois apenas Deus sabe o futuro, e pode revelá-lo aos homens.

Pode ser todas igualmente verdadeiras as várias religiões que existem no mundo?
Certamente não, porque a verdade é sempre uma só e não pode se achar em coisas opostas. Como as várias religiões ensinam coisas contrárias, conclui-se disso que uma só deve ser a verdadeira e todas as demais são crenças errôneas, e aqueles que as professam seguem o erro e estão fora do caminho da salvação.

Tem alguma semelhança entre elas?
Assim como o branco não pode ser o preto, as trevas não podem ser luz; portanto se uma crença está em oposição à outra, uma com certeza está no erro.

Existem os muçulmanos, os protestantes e os evangélicos, e a Igreja Católica Romana; em qual dessas sociedades podemos encontrar com certeza a Religião verdadeira?
Somente na Igreja Católica Romana, e isto porque somente ela conserva intacta a divina revelação, somente ela foi fundada por Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, somente ela foi propagada pelos apóstolos e pelos seus sucessores até os nossos dias; motivo pelo qual somente ela tem as características da origem divina.

Quais são as características mediante as quais nós podemos com certeza conhecer a verdadeira Igreja de Cristo?
As características que nos fazem conhecer ao certo a divindade da Igreja de Jesus Cristo são quatro: Una, Santa, Católica e Apostólica.
A verdadeira Igreja deve ser Una, porque havendo um só Deus verdadeiro, uma só Fé e um só Batismo, não pode haver senão uma única Igreja verdadeira.
Santa, porque deve ser fundada e governada por Deus, fonte de toda a santidade, e deve ensinar a santa revelação para levar os homens à santidade e à salvação eterna.
Católica, ou seja, universal, porque deve abarcar todos os homens; professar toda a doutrina de Jesus Cristo, conforme as palavras do mesmo divino Salvador, espalhar-se por todo o mundo, abraçar os fiéis de todos os tempos e lugares, permanecendo visível até a consumação dos séculos.
Apostólica, pois deve ensinar e crer em tudo o que foi deixado por meio dos apóstolos enviados por Nosso Senhor Jesus Cristo a pregar o Evangelho a todas as criaturas; e deve crer que aqueles que atualmente a dirigem são realmente os sucessores dos Apóstolos.
A Igreja que tem essas quatro características é sem dúvida alguma a Igreja de Jesus Cristo.

Qual é a Igreja que possui esses quatro caracteres divinos?
Só a Igreja Romana é que pode com certeza apresentar essas quatro características de divina, porque só Ela: é Una, porque todos os verdadeiros católicos, ainda que dispersos pelas várias partes do mundo, nas regiões mais apartadas e longínquas, professam uma mesma Fé, uma mesma doutrina e têm todos um só chefe, que é o Romano Pontífice, que como um Pai amável e universal, regula e governa toda a família católica.
É Santa, pela santidade de seu Chefe e Fundador, que é Nosso Senhor Jesus Cristo; é santa a Fé e a lei que professa; são santos os sacramentos que administra; em todos os tempos muitos santos a têm ilustrado com luminosos milagres; milhões e milhões de Mártires, alentados e fortalecidos por Deus Nosso Senhor, derramaram o seu sangue em testemunho da divindade dessa mesma Igreja.
A Igreja Romana é Católica, isto é, universal, porque está aberta a todos os homens, estende-se a todos os lugares e a todos os tempos, abraça e professa toda a doutrina de Jesus Cristo. Ele ordenou que o seu Evangelho fosse pregado por todo o mundo; e vemos que a Igreja Romana em toda a terra tem filhos que, estreitamente unidos ao Papa, professam a doutrina de Jesus Cristo, que foi e continua sendo pregada nas regiões mais remotas da Terra.
A Igreja Romana se estende a todos os tempos, porque em todos as épocas, no meio das mais sangrentas perseguições, foi sempre conhecida como sociedade visível dos fiéis reunidos na mesma Fé, sob a direção de um mesmo Chefe, o Romano Pontífice, o qual, como pai de uma grande família, guiou o passado e guiará no futuro todos os bons fiéis pelo caminho da verdade, até o fim dos tempos.
A Igreja Romana é Apostólica, porque crê e ensina tudo o que os apóstolos creram e ensinaram, e tem por chefes e pastores os sucessores dos apóstolos.
O testemunho de 20 séculos mostra com evidência que Jesus Cristo estabeleceu São Pedro como Chefe da Igreja, e esse e os outros apóstolos propagaram a doutrina do Evangelho por todo o mundo.
A São Pedro sucederam outros Papas, que governaram a Igreja sem interrupção até os nossos dias. Aos apóstolos sucederam os bispos, que em todas as épocas e lugares formaram um só rebanho, reconhecendo só Jesus Cristo por Pastor Supremo e Cabeça invisível, e o Pontífice de Roma por Supremo Pastor e Cabeça visível.
Sempre que alguém se atreveu a ensinar doutrinas contrárias aos ensinamentos da Igreja Romana, tais doutrinas foram condenadas pelos Papas e Bispos, como opostas ao Evangelho e ao que ensinou Nosso Senhor. Essa prerrogativa da Igreja Romana é principalmente consoladora para nós católicos. Somente na Igreja Católica, começando pelo papa reinante, remonta-se, de um papa a outro papa, a sucessão apostólica sem interrupção, chegando até São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, erigido como Chefe da Igreja pelo próprio Jesus Cristo.

Nas Igrejas dos hereges não existem esses caracteres divinos?
As Igrejas dos valdenses ou dos protestantes não possuem os caracteres da verdadeira Igreja.
Não são unas, porque não possuem a mesma Fé, nem a mesma doutrina, nem um mesmo Chefe. Antes, é difícil achar dois ministros de uma mesma seita herética que estejam de acordo nos principais pontos da sua crença. Daí que estejam divididos nos mais importantes pontos. Só a igreja protestante, não muito tempo depois de sua fundação, era já dividida em mais de duzentas seitas. Em algumas dessas seitas guarda-se a missa, em outra despreza-se; algumas creem nos sete sacramentos, outras em cinco, algumas em três, e há aquelas que creem em dois e aquelas que em nenhum. Onde, em meio a tanta contradição, pode haver unidade de fé?
Não são santas, porque rejeitam no todo ou em parte os Sacramentos, de onde provém a santidade; professam muitas coisas contrárias ao Evangelho, em oposição mesmo a Deus. Entre todos os hereges, incrédulos e apóstatas, não se pode citar um único santo, nem sequer um milagre. Ao contrário, os principais autores das seitas se mancharam com vícios e delitos. Erasmo, grande promotor do protestantismo, chegou a dizer que todos os homens ilustres da Reforma não puderam fazer um só milagre nem sequer curar um cavalo manco.
Não são católicas, porque estão limitadas a algumas regiões, e mesmo nessas variam de doutrina conforme cada época. Não são católicas quanto ao tempo, porque possuem poucos anos de existência. Antes de Henrique VIII nunca se havia falado de anglicanismo; antes de Pedro Valdo ninguém se referiu aos valdenses; antes de Lutero e Calvino não existia o que denominamos protestantismo. Em geral, todas as heresias começaram a existir na época de seus fundadores; nenhuma remonta até Jesus Cristo.
Não são Apostólicas, porque não professam, antes rejeitam, o que os apóstolos creram e ensinaram. Nenhuma das sociedades heréticas pode remontar com seus membros até os apóstolos. Finalmente, não estão unidas ao Romano Pontífice, que é o sucessor de São Pedro, Chefe e Príncipe dos Apóstolos.

Existe diferença entre a doutrina da Igreja Católica de hoje e a doutrina de Jesus Cristo pregada pelos Apóstolos?
Não há diferença nenhuma. Os que podem ler, estudar e confrontar entre si essas doutrinas, não poderão deixar de se convencer de que as verdades pregadas por Jesus Cristo e pelos apóstolos são as mesmas que em todos os tempos foram e ainda são pregadas na Igreja Católica Apostólica Romana.

Que consequência se tira do que foi exposto?
Para nós, católicos, consequências extremamente consoladoras podem ser tiradas. A Igreja Católica sempre condenou tudo o que é contra o Evangelho; entre os cristãos sempre se professou a mesma doutrina sem que nenhum Papa deixasse reviver uma heresia condenada por seus antecessores, nem colocasse em dúvida uma verdade proclamada antes dele.
Ora, a condenação constante dos erros e a proclamação das mesmas verdades feitas desde o atual Pontífice reinante até Jesus Cristo coloca-nos, por assim dizer, nas mãos o santo Evangelho, puro e íntegro, tal como o próprio Jesus Cristo ensinou e os apóstolos o pregaram por toda a Terra.

Fora da Igreja Católica Apostólica Romana existe salvação?
Não. Fora desta Igreja ninguém pode se salvar. Da mesma maneira que aqueles que não estiverem na arca de Noé, diz São Jerônimo, morreram no dilúvio, assim perece inevitavelmente, e não pode alcançar salvação para sua alma, quem se obstina em viver e morrer separado da Igreja Católica Apostólica Romana, única depositária e conservadora da verdadeira Religião.

Qual é o maior erro dos judeus?
Consiste em, esperando ainda pela vinda do Messias, não crerem em Jesus Cristo e no seu santo Evangelho.

O que os judeus devem fazer para se salvar?
Devem reconhecer Jesus Cristo como Messias, receber o santo Batismo e observar os mandamentos de Deus e da Igreja.

Quem foi o fundador dos muçulmanos?
Foi Maomé, que espalhou seus erros pelos princípios do século VII da era cristã.

É verdade que os valdenses guardaram a verdadeira doutrina dos apóstolos?
Antes de Pedro Valdo jamais se ouviu falar de tal doutrina. Depois dele, os seus seguidores a modificaram adotando os erros de Wiclef e de João Huss. No século XVI degenerou em calvinismo, e e hoje são verdadeiros protestantes.

Quem são os chefes dos protestantes?
Os chefes dos protestantes são Lutero e Calvino, que viveram nos meados do século XVI; Lutero, frade agostiniano apóstata que saiu do convento e perpetrou gravíssimas desordens entre as quais a de se casar com uma monja ligada pelos sagrados votos, estando ele também ligado pelos mesmos votos solenes e perpétuos; Calvino, clérigo simoníaco, foi condenado a uma grande pena por conta dum delito ignominioso.

Esses homens: Maomé, Pedro Valdo, Lutero e Calvino deram alguma prova de serem mandados por Deus?
Pelo contrário, não fizeram nenhum milagre, nem neles se verificou profecia alguma. Propagaram os seus erros e superstições por meio da violência e da libertinagem. A doutrina protestante fornece abertura a todos os vícios e abre caminho a todas as desordens. Portanto, podemos concluir que são enviados não por Deus, mas por Satanás, para pregar e difundir a impiedade e a confusão entre os homens.

Esses não pertencem à Igreja de Jesus Cristo?
Como não têm por chefe Jesus Cristo, não podem pertencer à Sua Igreja; como ensina São Jerônimo, pertencem à sinagoga do Anticristo, isto é, a uma igreja oposta à de Jesus Cristo.

Quem é o chefe da Igreja Católica?
O Fundador, a Cabeça invisível de toda a Igreja é Jesus Cristo, que depois de ter designado São Pedro para governar, assegurou: "Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo." (Mt 28,20).

Quem é o Chefe visível da Igreja Católica?
O Chefe visível da Igreja Católica é o Romano Pontífice, chamado geralmente de Vigário de Cristo ou Papa.

Quem constituiu o Romano Pontífice como Chefe da Igreja?
Jesus Cristo constituiu São Pedro como Chefe e fundamento da Igreja por estas palavras: "E eu digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." (Mt 16,18).

Qual é o papel de São Pedro na Igreja?
São Pedro na Igreja faz o mesmo que fazem os alicerces num edifício. A parte de um edifício que não se apoia sobre esses alicerces, não poderá se sustentar e ruirá com certeza. Da mesma maneira, toda crença, toda autoridade, toda Igreja que não reconheça a autoridade de Pedro nem lhe professe obediência, já não pertence à Igreja de Jesus Cristo, porque não se apoia no verdadeiro fundamento, o qual, diz São Paulo, é aquela grande coluna sobre a qual se apoia toda a verdade. "Porém, se eu tardar, para que saibas como deves portar-te na casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo, coluna e firmamento da verdade" (1Tm 3,15).

Que autoridade deu o Salvador a São Pedro?
Jesus Cristo deu a São Pedro uma autoridade absoluta, que se costuma chamar Primado de honra e de jurisdição, em força da qual ele pode ordenar e proibir tudo o que julgar conveniente para o nosso bem espiritual e eterno.

Como Jesus Cristo conferiu a autoridade ao Chefe da Igreja?
Dizendo: "Eu te darei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares sobre a terra, será ligado também nos céus, e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus" (Mt 16,19).

Que significam as palavras Primado de honra e de jurisdição do Romano Pontífice?
Significam que o Romano Pontífice tem na Igreja um poder absoluto sobre todos os cristãos: leigos, religiosos, sacerdotes e bispos, e que todos devem se submeter às suas ordens, para poder pertencer à Igreja de Jesus Cristo, que, no dizer de São Jerônimo, é a única arca da salvação.

Os Reis e os Governantes da terra estão sujeito ao Romano Pontífice?
Os príncipes, os reis e todos os potentados da Terra, ainda que dominem o mundo todo, devem submeter-se ao Sumo Pontífice se desejam pertencer à verdadeira Igreja e salvar a alma. Porque a sua autoridade é somente temporal e, frente à religião, são simples fiéis obrigados, como os outros, a obedecer ao Chefe da Igreja.

Os católicos entenderam sempre assim essa doutrina?
Os católicos de todos os tempos, apoiados nessas palavras de Jesus Cristo, tiveram como verdade de fé que São Pedro foi instituído Seu Vigário na terra e Chefe supremo visível da Igreja, que recebeu a plenitude da autoridade sobre todos os fiéis. E é, pois, evidente que esta autoridade deve durar enquanto existir a Igreja, isto é, até a consumação dos séculos; pois os fundamentos devem durar tanto quanto o edifício que se sustenta sobre eles; consequentemente, depois de Pedro, essa autoridade passou para os seus sucessores, os Romanos Pontífices.

O que significa infalibilidade papal?
O papa, quando se pronuncia ex-cathedra em matéria de Fé, de costumes e de governo da Igreja, é infalível, isto é, não pode cair em erro, nem enganar-se ou enganar os outros.

Onde se encontra a doutrina da infalibilidade pontifícia?
"Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não falte; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos". (Lc 22,32).
Nessas palavras do Salvador devemos notar especialmente três coisas: o Senhor rogou de maneira especial por São Pedro, para que a sua fé não desfalecesse; e assim como ninguém ousará pôr em dúvida que a oração do Salvador obtém sempre o seu efeito, podemos crer que nunca faltará a assistência divina.
Pedro está encarregado de confirmar na Fé não só os simples cristãos, mas também os apóstolos e os bispos, seus sucessores.
Quando Pedro, na pessoa do Papa, proclama uma sentença em matéria de fé ou de costumes, é nossa obrigação acreditar como verdade revelada por Deus, mesmo que tal definição não tenha sido aprovada por algum Concílio ou pelos bispos separadamente ou unidos.

Os católicos aceitam essa verdade?
Todos os verdadeiros católicos, em todos os tempos, sempre creram na infalibilidade do Sucessor de São Pedro, do Vigário de Jesus Cristo. Os Romanos Pontífices exerceram sempre essa autoridade suprema nas controvérsias religiosas e todos os verdadeiros católicos acolheram sempre respeitosamente essas declarações, como verdades indiscutíveis, como se fossem proclamadas pelo próprio Salvador. Mas a infalibilidade nunca foi definida nem proclamada como verdade de Fé antes do Concílio Vaticano I.

Se todos os fiéis acreditavam já na infalibilidade do Romano Pontífice, que necessidade havia de defini-la?
Foi necessário, porque alguns hereges tentaram impugná-la. E a falta de uma definição expressa deixava dúvidas em alguns católicos. Por isso, como a Igreja definiu a divindade de Jesus Cristo no Concílio de Niceia, ainda que fosse crida por todos os fiéis, porque Ário ousara impugná-la; como o Concílio Tridentino definiu tantas outras verdades, que eram comumente aceitas na Igreja e Lutero as havia negado; assim, o Concilio Vaticano I definiu a infalibilidade pontifícia para preservar os fiéis contra os que duvidavam ou abertamente a negavam.

Em que termos é definido esse dogma?
Essa definição foi proclamada e aprovada no Concílio Vaticano I no dia 18 de julho de 1870 por mais de setecentos Bispos, presididos pelo próprio Santo Padre, com estas palavras: "Nós definimos que o Romano Pontífice, quando fala ex-cathedra, ou seja, cumprindo cargo de Pastor e Mestre de todos os cristãos, e pela sua suprema autoridade apostólica define alguma doutrina acerca da fé e dos costumes que toda a Igreja deve observar e guardar, em razão da assistência divina que lhe foi prometida na pessoa do Bem-aventurado Pedro, goza da mesma infalibilidade, da qual o divino Redentor quis dotar a Sua Igreja ao definir as doutrinas relativas à fé e aos costumes. Portanto, estas definições do Sumo Pontífice Romano são, por si mesmas e não por consenso da Igreja, irreformáveis. E se alguém ousar contradizer esta nossa definição, seja excomungado".

Esta infalibilidade se estende a todas as ações e palavras do Romano Pontífice?
Não, somente na qualidade de Papa e Chefe da Igreja, quando define coisas que dizem respeito à fé e aos costumes.

O Papa pode criar dogmas novos?
Nem o Papa e nem a Igreja podem criar novos dogmas; somente declaram que aquela verdade foi realmente revelada por Deus e que estava contida na Escritura e na Tradição. Por exemplo: a Igreja acreditou sempre que Nossa Senhora foi concebida sem pecado original, mas isso nunca fora definido como verdade de Fé. Finalmente, em 8 de dezembro de 1854, o Santo Padre Pio IX definiu que tal crença se apoiava na Sagrada Escritura e na Tradição, e, portanto, devia ser acreditava e tida como verdade de Fé. Desaparecendo, assim, qualquer discussão teológica.

Qual benefício traz aos católicos a definição da infalibilidade papal?
As principais são: forneceu um novo esplendor à venerável pessoa do Romano Pontífice e, por consequência, para toda a família cristã, pois é natural que a honra do pai se reflita nos filhos.
Coloca os fiéis na certeza de que credo e fazendo o que o Papa propõe, nunca poderão errar nas coisas necessárias à sua eterna salvação.
Possuindo o Papa como Juiz e Mestre infalível, desaparece qualquer perigo de discórdia e de controvérsia religiosa. Mesmo os hereges devem se sentir como que atraídos e estimulados a reentrar no seio da Igreja Católica, onde encontram aquela verdade de Fé. Porque entre os hereges, como lhes falta uma autoridade suprema infalível e como cada um pode crer o que bem lhe parecer e aprouver, tudo é dúvida e incerteza desoladora nas coisas mais essenciais para a salvação eterna.

Dizem que alguns Papas caíram em erro.
São calúnias inventadas contra o papa, ou que se referem a atos que não se relacionam com a Fé da Igreja. Todos os que estudaram imparcial e profundamente a história eclesiástica, concordam que essas asserções são falsas.

Que erro cometeria quem negasse a infalibilidade papal?
Depois da definição do Concílio Vaticano I, cometeria grave desobediência à Igreja, e persistindo no erro se tornaria um herege, deixando de pertencer à Igreja de Jesus Cristo. "Se não ouvir a Igreja, considera-o como um gentio e um publicano" (Mt 18,17).
Os protestantes dizem: "Nós acreditamos em Jesus Cristo e no Evangelho, por isso estamos dentro da verdadeira Igreja".
Não é verdade, porque não acreditam em tudo aquilo que Jesus Cristo ensina no Evangelho e rejeitam muitas verdades pregadas pelos santos Apóstolos. Como não possuem um chefe permite-se uma livre interpretação do Evangelho, trazendo enorme confusão sobre as verdades da Fé, abrindo largo caminho ao erro. Por isso são como ramos cortados da árvore, como membros de um corpo sem cabeça, como ovelhas sem pastor, como discípulos sem mestre, separados da fonte da vida, que é Jesus Cristo.

Algum protestante pode se salvar?
Somente aqueles que morrem antes de atingir o uso da razão, contanto que tenham sido validamente batizados.
Podem se salvar os que estão com reta intenção, isto é, firmemente convencidos de que estão na verdade. Esses no coração são católicos, porque se conhecessem bem a religião católica com certeza a abraçariam.

Que devem fazer os protestantes para se salvar?
Devem renunciar aos seus erros, entrar na Santa Igreja Católica Apostólica Romana e estar em unidade com o Vigário de Cristo, que é o Papa. Quem se obstina em viver separado, perecerá para sempre.

O que pensam os protestantes acerca da nossa Religião Católica?
Reconhecem que tem havido grandes santos, que operaram grande milagres e que vivendo de acordo com os preceitos da Igreja Católica podem se salvar.

O que os católicos dizem a respeito das seitas protestantes?
Seguindo a doutrina infalível da Santa Igreja, dizemos que os protestantes, se não voltarem à Igreja Católica, não poderão se salvar.
Os protestantes, ao dizerem que na Igreja Católica pode haver salvação, nos fazem concluir que reconhecem, de certo modo, que os católicos, estando no reto caminho da salvação, estão igualmente com a verdade. E, se ponderarmos que a Igreja Católica se proclama infalível e única depositária da verdadeira religião de Jesus Cristo, segue-se também que os protestantes, reconhecendo implicitamente a verdade da doutrina católica, reconhecem a falsidade da sua própria crença. Pelo menos qualquer homem prudente deve concluir que é mais segura a doutrina católica que a protestante.

Não haverá nenhum exemplo a esse respeito?
Existem muitos. Henrique IV, rei da França, ao subir ao trono era chefe da seita calvinista; mas Deus o iluminou, fazendo-lhe conhecer a verdadeira Religião. Primeiro procurou se instruir bem nos dogmas do Catolicismo; em seguida fez vir à sua presença os ministros protestantes e lhes perguntou se julgavam que ele pudesse se salvar na Igreja Romana. Depois de séria reflexão, disseram que sim. Então o rei replicou com notável sensatez: "Por que então que vós a abandonastes? Os católicos afirmam que ninguém pode obter salvação dentro da vossa seita; a razão pede que eu siga pelo caminho mais seguro e prefiro aquela religião em que por opinião geral posso salvar-me".
A seguir o rei renunciou à heresia e retornou ao seio da verdadeira Religião.

Qual é a singularidade da Igreja Católica em suas relações com as sociedades heréticas?
Embora tenha sido perseguida em todos os tempos pelos hebreus, gentios, hereges e maus católicos, alcançou de todos os ataques completa vitória, conservando-se pura e inalterável, como Deus a fundara. Os inimigos da nossa Fé se esforçaram por apresentar alguns fatos, deturpando-os, como seria a guerra contra os albigenses e a matança no dia de São Bartolomeu; com estes fatos querem provar que a Igreja Católica chegou por vezes a mover perseguições. Mas esses adversários propagam a mentira, porque esses fatos nunca a Igreja os ordenou ou aprovou.
Não se conhece ninguém que, em perfeito juízo, na hora da morte abandonasse a Igreja Católica para abraçar qualquer outra crença. Pelo contrário, a História está repleta de homens que na hora da morte renunciaram a heresia para morrer no seio da Santa Igreja Romana, assim assegurando a salvação.
Nunca ninguém abandonou o catolicismo, a não ser, para buscar o próprio prazer. Sabemos pela história que todos que a abandonaram o quiseram para levar uma vida mais livre e desordenada. Prova evidente de que não eram levados a isso pelo conhecimento da verdade, e sim pelo desejo de abraçar uma crença mais favorável às paixões humanas.

O que os católicos devem fazer?
Nós, católicos, devemos agradecer a Deus por nos haver criado na única religião que nos conduz à eterna salvação.
Suplicar, de todo o coração, a Nosso Senhor que nos mantenha na Sua graça e fiéis no Seu santo serviço, intercedendo por todos que vivem separados da verdadeira Igreja, para que sejam iluminados e voltem todos ao redil do bom Pastor.

Quais cuidados deve ter o católico atualmente?
Creio que não será enganado em matéria de religião se puser em prática os seguintes avisos: fugir da companhia dos que falam de coisas obscenas ou procuram escarnecer do Papa, dos bispos e dos outros ministros da nossa santa religião.
Caso seja necessário, em virtude de estudo, do emprego ou de parentesco, contato com pessoas desse tipo, não entrar jamais em disputas de assuntos ligados à religião; e se esses foram inoportunos, responda: "Quando estou doente, procuro um médico; se preciso de remédios, o farmacêutico. Em matéria de religião, busco o auxílio de um padre".
Tenha muito discernimento com as leituras e os meios de comunicação. Se porventura alguém oferecer livros ou jornais que atacam a Igreja e os valores morais, rejeite como se fosse veneno.

O que devemos fazer quando somos ridicularizados pela nossa fé?
Responda que com as coisas de Deus não se brinca e que devem ter respeito. Lembre-se da sentença que Nosso Senhor proferiu contra os que por respeitos humanos se calaram: "Porque quem se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem  se envergonhará dele, quando vier na sua majestade, e na de seu Pai e dos santos anjos" (Lc 9,26).

Dizem que estamos em tempos de liberdade e que por isso cada um pode viver como quiser. 
A liberdade que defendem não é a que vem de Deus, e sim a dos homens;  e como estamos em tempos de liberdade, deixem-nos livres para que possamos professar e praticar nossa fé.

A Igreja de Jesus Cristo não desfalecerá com tantas perseguições?
Certamente não. Quanto mais for perseguida, tanto maiores serão seus triunfos, porque a Igreja foi fundada por Jesus Cristo sobre uma pedra, contra a qual nada poderão todos os esforços do inferno.
A História mostra que no passado alguns soberanos, abusando do poder, despojaram o papa, exilaram e encarceraram bispos e cardeais. Mas a mão de Deus pesou sobre os opressores; o seu poderio se foi desvanecendo, seus exércitos foram destruídos e todos terminaram na ignomínia e, depois, na tumba. Enquanto isso os Romanos Pontífices, serenadas as intrigas políticas, puderam voltar gloriosos a Roma, para entrar de novo na posse do seu trono e exercer sobre o mundo a plenitude do seu poder.
É verdade que nossa santa religião, uma vez desprezada em certos lugares. Deus, no entanto, permite que chegue até outras partes, e quem sempre perde com isso é a humanidade, não a Igreja. De fato, vemos que todos os perseguidores da Igreja nas épocas passadas já não existem, ao passo que a Igreja permanece triunfante; o mesmo acontecerá com os que atualmente a perseguem: dentro de pouco tempo não existirão mais; enquanto a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo será sempre a mesma, porque Deus empenhou sua palavra, assegurando que a protegerá e estará sempre com ela até o fim do mundo, para assim unir a Igreja militante com a Igreja triunfante, formando de todos os bons um só reino na pátria dos bem-aventurados no Céu. Assim seja.

"Aquele, porém, que perseverar até o fim, será salvo". - Mt 10,22

"Quem reza, certamente se salva; quem não reza, certamente se condena". -  Santo Afonso

"Quem não tem a Igreja por mãe, não pode ter Deus como pai". - São Cipriano

"Qualquer um que se separa da Igreja Católica, aina que seja boa a sua vida, não possuirá jamais a vida eterna; mas antes virá a cólera de Deus sobre ele só pelo delito de ter-se separado da unidade de Jesus Cristo. Esta bondade é probidade, pois quem não se submete à Igreja é um pernicioso hipócrita". - Santo Agostinho




Fonte: O cristão preparado para a prática dos seus deveres/ Cap. V - Dom Bosco
Editora: Minha Biblioteca Católica












quinta-feira, 18 de abril de 2019

A Pureza - por São Cura d'Ars







"Bem- aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mt 5,8).


Nós lemos no Evangelho, que Jesus Cristo, querendo ensinar ao povo que vinha em massa aprender Dele o que era preciso fazer para ter a vida eterna, senta-se e, abrindo a boca, lhe diz: "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus". Se nós tivéssemos um grande desejo de ver a Deus, meus irmãos, só estas palavras não seriam acaso suficientes para nos fazer compreender quanto a pureza nos torna agradáveis a Ele, e quanto ela nos é necessária? Pois, segundo Jesus Cristo, sem ela, nós não o veremos jamais! "Bem-aventurados", nos diz Jesus Cristo,"os puros de coração, porque eles verão o bom Deus". Pode-se acado esperar maior recompensa que a que Jesus Cristo liga a esta bela e amável virtude, a saber, a posse das Três Pessoas da Santíssima Trindade, por toda a eternidade?... São Paulo, que conhecia bem o preço desta virtude, escrevendo aos Coríntios, lhes diz: "Glorificai a Deus, pois vós o levais em vossos corpos; e sede fiéis em conservá-los em grande pureza. Lembrai-vos bem, meus filhos, de que vossos membros são membros de Jesus Cristo, e que vossos corações são templos do Espírito Santo. Tomai cuidado de não os manchar pelo pecado, que é o adultério, a fornicação, e tudo aquilo que pode desonrar vossos corpos e vosso coração aos olhos de Deus, que é a pureza mesma" (1Cor 6,15-20). Meus irmãos, como esta virtude é bela e preciosa, não somente aos olhos dos homens e dos anjos, mas aos olhos do próprio Deus. Ele faz tanto caso dela que não cessa de a louvar naqueles que são tão felizes de a conservar. Também, esta virtude inestimável  constitui o mais belo adorno da Igreja, e, por conseguinte, deveria ser a mais querida dos cristãos. Nós, meus irmãos, que no Santo Batismo fomos aspergidos com o Sangue adorável que gerou tantas virgens de um e outro sexo; nós, a quem Jesus Cristo fez participantes de sua pureza, tornando-nos seus membros, seu templo... Mas, ai! Meus irmãos, neste infeliz século de corrupção  em que vivemos. não se conhece mais esta virtude, esta celeste virtude que nos torna semelhantes aos anjos!... Sim, meus irmãos, a pureza é uma virtude que nos é necessária a todos, pois que, sem ela, ninguém verá o Bom Deus. Eu queria fazer-vos conceber desta virtude uma ideia digna de Deus, e vos mostrar, o quanto ela nos torna agradáveis a Seus olhos, dando um novo grau de santidade a todas as nossas ações, e o que nós devemos fazer para conservá-la.

I - QUANTO A PUREZA NOS TORNA AGRADÁVEIS A DEUS 


Seria preciso, meus irmãos, para vos fazer compreender bem a estima que devemos ter desta incomparável virtude, para vos fazer a descrição de sua beleza e vos fazer apreciar bem seu valor junto de Deus, seria preciso, não um homem mortal, mas um anjo do Céu. Ouvindo-o, vós diríeis com admiração: Como todos os homens não estão dispostos a sacrificar tudo antes que perder uma virtude que nos une de uma maneira íntima com Deus? Procuremos, contudo, conceber dela alguma coisa, considerando que dita virtude vem do Céu, que ela faz descer Jesus Cristo sobre a terra, e que eleva o homem até o Céu, pela semelhança que ela dá com os anjos, e com o próprio Jesus Cristo. Dizei-me, meus irmãos, de acordo com isto, acaso não merece ela o título de preciosa virtude? Não é ela digna de toda nossa estima e de todos os sacrifícios necessários para conservá-la? Nós dizemos que a pureza vem do Céu, porque só havia o próprio Jesus Cristo que fosse capaz de no-la ensinar e nos fazer sentir todo o seu valor. Ele nos deixou o exemplo prodigioso da estima que teve desta virtude. Tendo resolvido na grandeza de sua misericórdia, resgatar o mundo, Ele tomou um corpo mortal como o nosso; mas Ele quis escolher uma Virgem por Mãe. Quem foi esta incomparável criatura, meus irmãos? Foi Maria, a mais pura entre todas e por uma graça que não foi concedida a ninguém mais, foi isenta do pecado original. Ela consagrou sua virgindade ao Bom Deus desde a idade de três anos, e oferecendo-lhe seu corpo, sua alma, ela lhe fez o sacrifício mais santo, o mais puro e o mais agradável que Deus jamais recebeu de uma criatura sobre a terra. Ela manteve este sacrifício por uma fidelidade inviolável em guardar sua pureza e em evitar tudo aquilo que pudesse mesmo de leve empanar seu brilho. Nós vemos que a Virgem Santa fazia tanto caso desta virtude, que Ela não queria consentir em ser Mãe de Deus antes que o anjo lhe tivesse assegurado que Ela não a perderia. Mas, tendo lhe dito o anjo que, tornando-se Mãe de Deus, bem longe de perder ou empanar sua pureza de que Ela fazia tanta estima, Ela seria ainda mais pura e mais agradável a Deus, consentiu então de bom grado, a fim de dar um novo brilho a esta pureza virginal. Nós vemos ainda que Jesus Cristo escolhe um pai nutrício que era pobre, é verdade; mas ele quis que sua pureza estivesse por sobre a de todas as outras criaturas, exceto a Virgem Santa. Dentre seus discípulos, Ele distingue um, a quem Ele testemunhou uma amizade e uma confiança singulares, a quem Ele fez participante de seus maiores segredos, mas Ele toma o mais puro de todos, e que estava consagrado a Deus desde sua juventude.
Santo Ambrósio nos diz que a pureza nos eleva até o Céu e nos faz deixar a terra, enquanto é possível a uma criatura deixá-la. Ela nos eleva por sobre a criatura corrompida e, por seus sentimentos e seus desejos, ela nos faz viver da mesma vida dos anjos. Segundo São João Crisóstomo, a castidade duma alma é de um preço aos olhos de Deus maior que a dos anjos, pois que os cristãos só podem adquirir esta virtude pelos combates, enquanto que os anjos a têm por natureza. Os anjos não têm nada a combater para conservá-la, enquanto que um cristão é obrigado a fazer uma guerra contínua a si mesmo. São Cipriano acrescenta que, não somente a castidade nos torna semelhantes aos anjos, mas nos dá ainda um caráter de semelhança com o próprio Jesus Cristo. Sim, nos diz este grande santo, uma alma casta é uma imagem viva de Deus sobre a terra.
Quanto mais uma alma se desapega de si mesma pela resistência às suas paixões, mais ela se une a Deus; e, por um feliz retorno, mais o bom Deus se une a ela; Ele a olha, Ele a considera como sua esposa, como sua bem-amada; faz dela o objeto de suas mais caras complacências, e fixa nela sua morada para sempre. "Bem-aventurados", nos diz o Salvador, "os puros de coração, porque eles verão ao bom Deus". Segundo São Basílio, se encontramos a castidade numa alma, encontramos aí todas as outras virtudes cristãs, ela as praticará com uma grande facilidade, "porque" - nos diz ele -  "para ser casto é preciso se impor muitos sacrifícios e fazer-se uma grande violência. Mas uma vez que alcançou tais vitórias sobre o demônio, a carne e o sangue, todo o resto lhe custa muito pouco, pois uma alma que subjuga com autoridade a este corpo sensual, vence facilmente todos os obstáculos que encontra no caminho da virtude". Vemos também, meus irmãos, que os cristãos castos são os mais perfeitos. Nós os vemos reservados em suas palavras, modestos em todos os seus passos, sóbrios em suas refeições, respeitosos no lugar santo e edificantes em toda sua conduta. Santo Agostinho compara aqueles que têm a grande alegria de conservar seu coração puro, aos lírios que se elevam diretamente ao Céu e que difundem em seu redor um odor muito agradável; só a vista deles nos faz pensar naquela preciosa virtude. Assim a Virgem Santa inspirava a pureza a todos aqueles que a olhavam... Bem-aventurada virtude, meus irmãos, que nos põe entre os anjos, que parece mesmo elevar-nos por sobre eles!


II - O AMOR QUE OS SANTOS TINHAM POR ESTA VIRTUDE

Todos os Santos fizeram o maior caso dela e preferiram perder seus bens, sua reputação e sua própria vida a descorar esta virtude.
Nós temos um belo exemplo disto na pessoa de Santa Inês. Sua formosura e seus riquezas fizeram com que, à idade de doze anos, ela fosse procurada pelo filho do prefeito da cidade de Roma. Ela lhe fez saber que estava consagrada ao bom Deus. Ela foi presa sob o pretexto de que era cristã, mas em realidade para que consentisse nos desejos do rapaz... Ela estava de tal modo unida a Deus que nem as promessas, nem as ameaças, nem a vista dos carrascos e dos instrumentos expostos diante de si para amedrontá-la, não a fizeram mudar de sentimentos. Não tendo conseguido nada dela, seus perseguidores a carregaram de cadeias, e quiseram colocar uma argola e anéis em seu pescoço e em suas mãos; eles não puderam fazê-lo, tão débeis eram suas pequenas mãos inocentes. Ela permaneceu firme em sua resolução, no meio destes lobos enraivecidos, ela ofereceu seu corpinho aos tormentos com uma coragem que espantou aos carrascos. Arrastam-na aos pés dos ídolos; mas ela confessa bem alto que só reconhece por Deus a Jesus Cristo, e que os ídolos deles não são mais que demônios. O juiz, cruel e bárbaro, vendo que não consegue nada, crê que ela será mais sensível diante da perda daquela pureza que ela estimava tanto. Ele ameaça expô-la num lugar infame; mas ela responde com firmeza; "Vós podeis fazer-me morrer, mas não podereis jamais me fazer perder este tesouro: o próprio Jesus Cristo é zeloso deste tesouro". O juiz, morrendo de raiva, manda conduzi-la ao lugar das torpeza infernais. Mas Jesus Cristo, que velava por ela duma maneira particular, inspira um tão grande respeito aos guardas, por eles só a olhavam com uma espécie de pavor, e manda a Seus anjos que a protejam. Os jovens que entram naquele quarto, inflamados de um fogo impuro, vendo um anjo ao lado dela, mais belo que o sol, saem dali abrasados do amor divino. Mas o filho do prefeito, mais perverso e mais corrompido que os outros, penetra no quarto onde estava Santa Inês. Sem ter consideração por todas aquelas maravilhas, ele se aproxima dela na esperança de contentar seus desejos impuros; mas o anjo que guarda a jovem mártir fere o libertino que cai morto a seus pés. Rapidamente se espalha em Roma o boato de que o filho do prefeito tinha sido morto por Inês. O pai enfurecido, vem encontrar a Santa e se entrega a tudo o que seu desespero lhe pode inspirar. Ele a chama de fúria do Inferno, monstro nascido para a desolação de sua vida, pois tinha feito morrer seu filho. Santa Inês lhe responde tranquilamente: "É que ele quis fazer-me violência, então o meu anjo lhe deu a morte". O prefeito, um pouco acalmado, lhe diz: "pois bem, pede a teu Deus para ressuscitá-lo, para que não se diga que foste tu que o mataste". "Sem dúvida", diz-lhe a Santa, "vós não mereceis esta graça; mas para que saibais que os cristãos nunca se vingam, mas, pelo contrário, eles pagam o mal com o bem, saí daqui, e eu vou pedir ao bom Deus por ele". Então Inês se põe de joelhos, prostrada com a face em terra. Enquanto ela reza, seu anjo lhe aparece e lhe diz: "Tenha coragem".  No mesmo instante o corpo inanimado retoma a vida. O jovem  ressuscitado pelas orações da Santa, se retira da casa, corre pelas ruas de Roma gritando: "Não, não, meus amigos, não há outro Deus que o dos cristãos, todos os deuses que nós adoramos não são mais que demônios que nos enganam e nos arrastam ao Inferno". Entretanto, apesar de um tão grande milagre, não deixaram de a condenar. Então o tenente do prefeito manda que se acenda um grande fogo, e faz lançá-la nele. Mas as chamas entreabrindo-se, não lhe fazem nenhum mal e queimam os idólatras que acudiram para serem espectadores de seus combates. O tenente, vendo que o fogo a respeitava e não lhe fazia nenhum mal, ordena que a firam com um golpe de espada na garganta, a fim de lhe tirar a vida; mas o carrasco treme como se ele mesmo estivesse condenado à morte... Como os pais de Santa Inês chorassem a morte de sua filha, ela lhes aparece dizendo-lhes: "Não choreis minha morte, pelo contrário, alegrai-vos de eu ter adquirido uma tão grande glória no Céu".
Estais vendo, meus irmãos, o que esta Santa sofreu antes que perder sua virgindade. Formai agora ideia da estima em que deveis ter a pureza, e como o bom Deus se compraz em fazer milagres para se mostrar seu protetor e guardião. Como este exemplo confundirá um dia estes jovens que fazem tão pouco caso desta bela virtude! Eles jamais conheceram seu preço. O Espírito Santo tem, portanto, razão de exclamar: "Oh, como é bela esta geração casta; sua memória é eterna, e sua glória brilha diante dos homens e dos anjos!" É certo, meus irmãos, que cada um ama seus semelhantes; também os anjos, que são espíritos puros, amam e protegem duma maneira particular as almas que imitam sua pureza. Nós lemos na Sagrada Escritura que o anjo Rafael, que acompanhou o jovem Tobias, prestou-lhe mil serviços. Preservou-o de ser devorado por um peixe, de ser estrangulado pelo demônio. Se este jovem não tivesse sido casto, é certíssimo que o anjo não o teria acompanhado, nem lhe teria prestado tantos serviços. Com que gozo não se alegra o anjo da guarda que conduz uma alma pura!
Não há outra virtude para conservação da qual Deus faça milagres tão numerosos como os que ele prodiga em favor duma pessoa que conhece o preço da pureza e que se esforça por salvaguardá-la. Vede o que Ele fez por Santa Cecília. Nascida em Roma de pais muito ricos, ela era muito instruída na religião cristã, e seguindo a inspiração de Deus, ela Lhe consagrou sua virgindade. Seus pais, que não o sabiam, prometeram-na em casamento a Valeriano, filho de um senador da Cidade. Era, segundo o mundo, um partido bem considerado. Ela pediu a seus pais o tempo de pensá-lo. Ela passou este tempo no jejum, na oração e nas lágrimas, para obter de Deus a graça de não poder a flor daquela virtude que ela estimava mais que sua vida. O bom Deus lhe respondeu que não temesse nada e que obedecesse a seus pais; pois, não somente não perderia esta virtude, mas ainda obteria... Consentiu, pois, no matrimônio. No dia das núpcias, quando Valeriano se apresentou, ela lhe disse: "Meu caro Valeriano, eu tenho um segredo a lhe comunicar". Ele lhe respondeu: "Qual é este segredo?" - "Eu consagrei minha virgindade a Deus e jamais homem algum me tocará, pois eu tenho um anjo que vela por minha pureza; se você atenta contra isto, você será ferido de morte". Valeriano ficou muito surpreso com esta linguagem, porque sendo pagão, não compreendia nada de tudo isto. Ele respondeu: "Mostre-me este anjo que a guarda". A Santa replicou: "Você não pode vê-lo porque você é pagão. Vá ter com o Papa Urbano, e peça-lhe o batismo, você em seguida verá o meu anjo". Imediatamente ele parte. Depois de ter sido batizado pelo Papa, ele volta a encontrar sua esposa. Entrando no seu quarto, vê o anjo velando com Santa Cecília. Ele o acha tão bonito, tão brilhante de glória, que fica encantado e tocado por sua formosura. Não somente permite à sua esposa permanecer consagrada a Deus, mas ele mesmo faz voto de virgindade... Em breve eles tiveram a alegria de morrerem mártires. Estais vendo como o bom Deus toma cuidado duma pessoa que ama esta incomparável virtude e trabalha por conservá-la?
Nós lemos na vida de Santo Edmundo que, estudando em Paria, ele se encontrou com algumas pessoas que diziam tolices; ele as deixou imediatamente. Esta ação foi tão agradável a Deus, que Ele lhe apareceu sob a forma de um belo menino e o saudou com um ar muito gracioso, dizendo-lhe que com satisfação o tinha visto deixar seus companheiros que mantinham conversas licenciosas; e, para recompensá-lo, prometia que estaria sempre com ele. Além disto, Santo Edmundo teve a grande alegria de conservar sua inocência até a morte. Quando Santa Luzia foi ao túmulo de Santa Águeda para pedir ao Bom Deus, por sua intercessão, a cura de sua mãe, Santa Águeda lhe apareceu e lhe disse que ela podia obter, por si mesma, o que ela pediu, pois que, por sua pureza, ela tinha preparado em seu coração uma habitação muito agradável ao seu Criador. Isto nos mostra que o bom Deus não pode recusar nada a quem tem a alegria de conservar puros seu corpo e sua alma...
Escutai a narração do que aconteceu a Santa Pontamiena que viveu no tempo da perseguição de Maximiano. Esta jovem era escrava dum dissoluto e libertino, que não cessava de a solicitar para o mal. Ela preferiu sofrer todas as sortes de crueldades e de suplícios a consentir nas solicitações de sei senhor infame. Este, vendo que não podia conseguir nada, em seu furor, entregou-a como cristã nas mãos do governador, a quem prometeu uma grande recompensa se a pudesse conquistar. O juiz mandou que a conduzissem ante seu tribunal, e vendo que todas as ameaças não a faziam mudar de sentimentos, fez a Santa sofrer tudo o que a raiva pôde lhe inspirar. Mas o bom Deus concedeu à jovem mártir tanta força que ela parecia ser insensível a todos os tormentos. Aquele juiz iníquo, não podendo vencer sua resistência, faz colocar sobre um fogo bem ardente uma caldeira cheira de pez, e lhe diz: "Veja o que lhe preparam se você não obedece a seu senhor". A santa jovem responde sem se perturbar: "Eu prefiro sofrer tudo o que vosso furor puder vos inspirar a obedecer aos infames desejos de meu senhor; aliás, eu jamais teria acreditado que um juiz fosse tão injusto de me fazer obedecer aos planos de um senhor dissoluto". O tirano, irritado por esta resposta, mandou que a lançassem na caldeira. "Ao menos mandai", diz-lhe ela, "que eu seja lançada vestida. Vós vereis a força que o Deus que nós adoramos dá aos que sofrem por Ele". Depois de três horas de suplício, Pontamiena entregou sua bela alma a seu Criador, e assim alcançou a dupla palma do martírio e da virgindade.

III- COMO ESTA VIRTUDE É POUCO CONHECIDA E APRECIADA NO MUNDO

Aí, meus irmãos, como esta virtude, é pouco conhecida no mundo, quão pouco nós a estimamos, quão pouco cuidado nós pomos em conservá-la, quão pouco zelo temos em pedi-la a Deus, pois que não a podemos ter nós mesmos. Não, nós não conhecemos esta bela e amável virtude que ganha tão facilmente o coração de Deus, que dá um tão belo brilho a todas as nossas outras boas obras, que nos eleva acima de nós mesmos, que nos faz viver sobre a terra como os anjos no Céu!...
Não, meus irmãos, ela não é conhecida por estes velhos infames impudicos que se arrastam, se rolam e se submergem na lama de suas torpezas, cujo coração é semelhante àqueles... sobre o alto das montanhas... queimados e abrasados por estes fogos impuros. Ai! Bem longe de procurar extingui-lo, eles não cessam de acendê-lo e abrasá-lo por seus olhares, por seus pensamentos, seus desejos e suas ações. Em que estava estará esta alma, quando aparecer diante de Deus, a pureza mesma? Não, meus irmãos, esta bela virtude não é conhecida por esta pessoa, cujos lábios não são mais que uma abertura e um tudo de que o Inferno se serve para vomitar suas impurezas sobre a terra, e que se alimenta disso como um pão cotidiano. Ai! A alma deles não é mais que um objeto de horror para o Céu e para a terra! Não, meus irmãos, esta bela virtude não é conhecida por estes jovens cujos olhos e mãos estão profanados por estes olhares e... OH DEUS, QUANTAS ALMAS ESTE PECADO ARRASTA PARA O INFERNO!... Não, meus irmãos, esta bela virtude não é conhecida por estas moças mundanas e corrompidas que tomam tantas precauções e cuidados para atraírem sobre si os olhos do mundo; que por seus enfeites exagerados e indecentes, anunciam publicamente que são infames instrumentos de que o Inferno se serve para perder as almas; estas almas que custaram tantos trabalhos, lágrimas e tormentos a Jesus Cristo!... Vede estas infelizes, e vós vereis que mil demônios circundam sua cabeça e seu coração. Oh meu Deus, como a terra pode suportar tais sequazes do Inferno? Coisa mais espantosa ainda, como mães as suportam num estado indigno de uma cristã! Se eu não temesse ir longe demais, eu diria a estas mães que elas valem o mesmo que suas filhas. Ai, este infeliz coração e estes olhos impuros não são mais que uma fonte envenenada que dá a morte a qualquer que os olha e escuta. Como tais monstros ousam se apresentar diante de um Deus santo e tão inimigo da impureza! Ai! A vida deles não é mais que uma acumulação de banha que eles estão juntando para inflamar o fogo do Inferno por toda a eternidade. Mas, meus irmãos, deixemos uma matéria tão desagradável e tão revoltante para um cristão, cuja pureza deve imitar a de Jesus Cristo mesmo; e voltemos à nossa bela virtude da pureza que nos eleva até o Céu, que nos abre o coração adorável de Jesus Cristo, e nos atrai todas as bênçãos espirituais e temporais.

Sermões - São João Maria Vianney O Cura D'Ars
Editora: Biblioteca Católica








sábado, 16 de fevereiro de 2019

1º Mandamento (continuação): Adorar a um só Deus e amá-lo sobre todas as coisas.



1. Os principais pecados opostos à virtude de religião e ao culto devido a Deus são: a idolatria ou adoração dos ídolos, a impiedade ou irreligião, a superstição, o sacrilégio e todas as falsas religiões. 
2. A idolatria consiste em dar às criaturas o culto supremo que só a Deus é devido. 
3. Comete-se o pecado de impiedade ou irreligião quando se tratam com desprezo ou indiferença os deveres de cristão, quando se profanam as coisas santas, e quando se metem a ridículo a religião e os seus ministros.
4. A superstição consiste em dar a Deus um culto que não lhe é devido, ou vicioso por excesso. As principais são três: a 1ª é dar culto a Deus por coisas ridículas, em que Deus não pode ter glória; a 2ª é tomar agouro por coisas que não têm conexão com o que tememos; a 3ª é querer adivinhar futuros observando certos sinais que não podem ter conexão com eles.
5. O sacrilégio é a profanação das coisas santas. Entendemos por coisas santificadas as que são especialmente consagradas a Deus, tais são: os templos, os vasos e ornamentos sagrados, os eclesiásticos, as Virgens dedicadas a Deus, as coisas prometidas com votos; e outras semelhantes.
6. Há três espécies de sacrilégio: pessoal, local e real. Quando se ofende a santidade dos ministros de Jesus Cristo em quanto são consagrados a Deus, o sacrilégio é pessoal. O sacrilégio local é aquele com que se faz injúria a qualquer lugar sagrado com criminoso derramamento de sangue, com incêndio, com furto e com qualquer exercício profano. O sacrilégio real consiste na profanação ou violação de qualquer coisa sagrada.
7. As coisas sagradas profanam-se de três modos: 1º recebendo ou administrando os sacramentos em pecado mortal ou fazendo deles mau uso; 2º tratando sem reverência os vasos sagrados ou empregando-os em usos profanos; 3º ultrajando as relíquias e imagens sagradas. 
8. Na seguinte passagem do Evangelho vemos a Jesus expulsando os vendilhões do templo por que cometiam um sacrilégio. Diz São João: "Como estava a chegar a páscoa dos Judeus, foi logo Jesus para Jerusalém e achou o templo a muitos vendendo bois, e ovelhas e pombas, e os compradores lá sentados.  E tendo feito de corda um como azorrague, os lançou fora a todos do templo, também as ovelhas e os bois, e arrojou por terra o dinheiro dos compradores e derrubou as mesas. E para os que vendiam os pombas disse: Tirai daqui isto, e não façais da casa de meu Pai casa de negócio." Então se lembraram seus discípulos do que está escrito: O zelo da tua casa me consome (Jo 2,13-17).


Explicação da gravura

9. Exemplo de idolatria; adoração do bezerro de ouro. Subia Moisés ao monde aonde Deus o chamara para dar-lhe a lei, e ali ficou quarenta dias e quarenta noites; depois o Senhor lhe deu as duas tábuas sobre as quais estavam gravados os mandamentos. Enquanto Moisés estava no monte o povo disse a Aarão: Não sabemos o que é feito de Moisés; faze-nos deuses como os dos Egípcios. Para afastar o povo desta impiedade, Aarão disse: "Trazei-me as arrecadas de vossas mulheres e filhas. Contra sua expectativa, trouxeram-lhe todas as jóias, e não ousando resistir, Aarão fundiu-as e formou um bezerro de ouro, ao qual os Israelitas ofereceram sacrifícios, tocando e dançando à moda dos pagãos. Vendo isso Moisés, ao descer do monte, irou-se grandemente e arremessando a terra as duas tábuas, as quebrou. Depois reduziu a pó o bezerro, e mandou os levitas matar quantos encontrassem adorando os ídolos.
10. Exemplo de sacrilégio na parte inferior esquerda. Vê-se Héliodoro, general do rei da Síria, que, querendo roubar o tesouro do templo de Jerusalém, foi atacado por um cavaleiro misterioso que o maltratou, aparecendo-lhe ao mesmo tempo dois anjos que o açoitaram fortemente e o deixaram meio morto.
11. Cometeu Saul um pecado de superstição quando foi para consultar a feiticeira de Endor. Deus permitiu que lhe aparecesse Samuel, que lhe disse: Amanhã morrerás na batalha. Vê-se representado o fato na parte inferior direita. 



Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

1º Mandamento: Adorar a um só Deus e amá-lo sobre todas as coisas.



1.Desempenharemos nós o que neste preceito nos é mandado, praticado para com Deus quatro virtudes, a saber: a fé, a esperança, a caridade e a religião. Para as três virtudes teologais, fé, esperança, caridade, ver a gravura 62.
2. A religião, considera como virtude, é uma virtude que nos ensina a dar a Deus o culto que lhe é devido.
3. O culto que devemos a Deus chama-se culto de latria e é propriamente adoração.
4. Há duas espécies de culto, culto interno, e culto externo. O culto interno consiste em elevar a Deus nosso pensamento, louvá-lo e adorá-lo mentalmente, oferecendo-lhe no íntimo do coração nossos afetos sem manifestar exteriormente nossos sentimentos. O culto externo consiste em dirigir a Deus orações vocais, em cantar os divinos louvores, em nos prostrarmos em sua presença, e principalmente em assistirmos ao Santo Sacrifício da missa e cerimônias e funções públicas, com que a Igreja Católica celebra os seus mistérios e solenidades.
5. Adorar a Deus é reconhecê-lo como nosso Criador, e soberano Senhor de todas as coisas. Devemos pois humilhar-nos profundamente diante de sua Majestade.
6. Devemos a Deus um culto exterior: 1º porque o nosso corpo pertence-lhe tanto como a nossa alma; 2º porque o culto exterior nos leva ao culto interior.
7. O culto público consiste principalmente em adorar a Deus nas igrejas e cerimônias públicas. Devemos prestar a Deus culto público porque temos obrigação de edificar o nosso próximo mostrando-lhe que somos verdadeiros crentes.
8. A sociedade civil deve também adorar a Deus, porque ele é senhor das sociedades como dos indivíduos.
9. Adoramos a Jesus Cristo, porque ele é Deus como o Pai e o Espírito Santo.

Do culto dos Santos

10. Não é idolatria tributar culto aos santos; antes esse culto é legítimo e devido, porque não é de latria ou adoração, mas de veneração e respeito. Nós não adoramos a Nossa Senhora nem os santos como adoramos a Deus; veneramo-los e honramo-los como criaturas muito chegadas a Deus e muito favorecidas da suas graças. Não se faz injúria a Deus em venerar as criaturas, porque não faz injúria ao soberano quem corteja os áulicos que servem em roda do trono.
11. O culto que damos a Nossa Senhora não é o mesmo que o que damos aos santos, porque Nossa Senhora faz uma hierarquia diferente acima das outras criaturas, sendo ela escolhida para Mãe de Jesus Cristo. O seu culto chama-se hiperdulia.
12. Veneramos os Santos pelas suas virtudes, pelo valimento que têm com Deus, e por serem seus amigos e servos, e assim toda a honra que se lhes tributa redunda em honra de Deus.
13. O culto dos Santos consiste em lhes pedir, em lhes agradecer, e ainda em os tomar por modelos para os imitar. Esse culto chama-se dulia, o qual é infinitamente inferior ao de latria, que pertence a Deus.
14. Pedimos aos santos para alcançar por sua intercessão as graças do que necessitamos. Os santos são os nossos advogados para com Jesus Cristo, como Jesus Cristo é o nosso advogado para com seu Pai. Há muita diferença no modo de pedir a Deus ou de pedir aos santos: a Deus pedimos que nos dê, nos conceda; e aos santos pedimos que nos alcancem de Deus pelos merecimentos de Jesus Cristo, que roguem por nós.
15. A veneração das relíquias e imagens não está proibida; antes Deus a autoriza e aprova pelos grandes milagres que a cada momento obra por meio das relíquias e imagens dos santos.

Explicação da gravura

16. Nesta gravura veem-se pessoas de todas as cidades e condições adorando a Deus, que lhes abre os braços e as contempla com ternura, mostrando assim o agrado que acolhe as nossas homenagens.
17. Na parte superior, à esquerda, vê-se a Virgem rodeada de Anjos, e à direita, São José com vários santos.



Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Dos mandamentos de Deus em geral




1. Para nos salvarmos, não basta crer tudo o que Deus revelou e que a Santa Igreja ensina; é preciso também praticar os mandamentos de Deus e os da Igreja.
2. Os mandamentos de Deus são dez, e por isso a lei de Deus chama-se Decálogo, isto é, as dez palavras ou mandamentos.
3. Foi o próprio Deus que deu os mandamentos aos homens pelo ministério de Moisés, no monte Sinai, cinquenta dias depois dos Israelitas terem saído do Egito; é o que se chama a lei antiga. Depois, Jesus Cristo confirmou-os na nova lei.
4. Os dez mandamentos da lei de Deus são:
I. Adora a um só Deus e amá-lo sobre todas as coisas.
II. Não jurar o seu santo nome em vão.
III. Guardar domingos e festas.
IV. Honrar pai e mãe.
V. Não matar.
VI. Guardar castidade.
VII. Não furtar.
VIII. Não levantar falso testemunho.
IX. Não desejar a mulher do próximo.
X. Não cobiçar as coisas alheias.
5. Os mandamentos foram dados por Deus a Moisés, em duas tábuas de pedra. Os mandamentos escritos na primeira tábua são três, que pertencem à honra de Deus. Os da segunda são sete que pertencem ao proveito do próximo.
Com efeito os três primeiros nos ordenam: 1º de adorar a Deus; 2º de respeitar seu nome; 3º de guardar os dias que lhe estão consagrados.
Os sete últimos referem-se ao próximo. O quarto manda-nos honrar pai e mãe, e os outros proíbem-nos prejudicar o próximo, na sua pessoa, seus bens, na sua honra.
6. Os dez mandamentos se encerram em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.
7. Todos os homens que chegam ao uso da razão estão obrigados a observar a lei de Deus.
8. O prêmio que prometeu Deus aos que fielmente observaram estes mandamentos é a vida eterna.
9. Lemos em São Lucas (cap. X) a seguinte parábola: E eis que se levantou um doutor da lei que lhe disse para o tentar: Mestre, que hei de eu fazer para entrar na posse da vida eterna? Disse-lhe então Jesus: Que é o que está escrito na lei? Como lês tu? Ele respondendo disse: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E Jesus lhe disse: Respondestes bem; faze isso e viverás. Mas ele querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? E Jesus prosseguindo no mesmo discurso, disse: Um homem baixava de Jerusalém a Jericó e caiu nas mãos dos ladrões que o despojaram do que levava, e depois de o terem maltratado com muitas feridas, se retiraram deixando-o meio morto. Aconteceu que passava pelo mesmo caminho um sacerdote, e quando o viu, passou de largo. E assim mesmo um levita, chegando perto daquele lugar, e vendo-o, passou também de largo. Mas um Samaritano que ia seu caminho, chegou perto dele, e quando o viu, se moveu de compaixão, e chegando-se-lhe, atou as feridas, lançando nelas azeite e vinho, e pondo-o sobre a sua cavalgadura, o levou a uma estalagem e teve cuidado dele. E ao outro dia, tirou dois denários, e deu-os ao estalajadeiro e lhe disse: Tem-me cuidado dele, e quanto gastares de mais, eu te satisfarei, quando voltar. Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? Respondeu logo o doutor: Aquele que usou com o tal de misericórdia. Então lhe disse Jesus: Pois vai, e faze tu o mesmo.

Explicação da gravura
10. A gravura representa a Deus entregando a Moisés as tábuas da lei no meio de relâmpagos e trovões.


Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Função de Maria na vida Cristã *






155. 1º - Fundamento da sua função. A função de Maria repousa no fato de sua íntima união com Jesus ou, dito de outro modo, do dogma da maternidade divina, e tem como consequência a sua excelsa dignidade e seu ofício de mãe dos homens. 
A. No dia  da Encarnação Maria torna-se Mãe de Jesus, Mãe do Filho-Deus, Mãe de Deus. Quando olhamos com atenção o diálogo entre o anjo e a Virgem Maria, vemos que Maria não somente é mãe de Jesus como indivíduo, pessoa privada, mas também enquanto Salvador e Redentor. "O anjo não fala somente das grandezas pessoais de Jesus, mas propõe a Maria a maternidade do Messias esperado, do Rei eterno da humanidade regenerada. ...Toda a obra redentora depende do Fiat de Maria e disso ela tem plena consciência. Sabe o que Deus lhe propõe; consente no que Deus lhe pede sem qualquer restrição ou condição. O seu Fiat responde à magnitude da proposta divina e alcança toda a obra redentora". 70  Portanto, Maria é mãe do Redentor e, por sê-lo,  está associada à obra redentora. Ocupa, na ordem da redenção, o lugar que Eva teve no da nossa ruína espiritual, como observam os Santos Padres, seguindo Santo Irineu. 
Por ser mãe de Jesus, Maria tem relação muito íntima com as três Pessoas divinas. É a filha muito amada do Pai e associada na obra da Encarnação. É a Mãe do Filho, com direito a dele ter respeito, amor e, na terra, até mesmo obediência. Em razão do papel que exerceu nos seus mistérios, secundário mas real, é colaboradora na obra da salvação e santificação dos homens. Enfim, é o templo vivo, o santuário privilegiado do Espírito Santo e, em sentido analógico, a sua Esposa, posto que com Ele e dependendo Dele, contribui na regeneração das almas para Deus.
156. B) No mesmo dia da Encarnação Maria também tornou-se mãe dos homens. Como dissemos (nº142), Jesus é o chefe da humanidade regenerada, a cabeça de um corpo místico cujos membros somos nós, e como tal, ou seja, em sua completude, Maria o gerou. Além disso, gera também todos os membros do corpo místico de Jesus, todos aqueles que Lhe serão incorporados, todos os regenerados ou aqueles que serão chamados a sê-lo. Portanto, ao tornar-se Mãe de Jesus segundo a carne, tornou-se simultaneamente Mãe dos membros de Jesus segundo o espírito. O episódio do calvário somente confirma essa verdade. No exato momento a Maria, referindo-se a São João e, por ele, a todos os seus discípulos presentes ou tradição que remonta até Orígenes, declarar que todos os regenerados eram filhos espirituais de Maria.
Deste duplo título, Mãe de Deus e Mãe dos homens, é que se origina o papel que Maria exerce em nossa vida espiritual.
157. 2º - Maria causa meritória da graça. Já vimos (nº 133) que, em sentido próprio, Jesus é a causa meritória principal de todas as graças que recebemos. Maria, sua colaboradora na obra  da nossa santificação, mereceu todas essas mesmas graças, mas apenas secundariamente, ou seja, na dependência de seu Filho e porque este lhe deu o poder de merecer por nós; e somente de côngruo,71 isto é, com mérito de conveniência. Mereceu-as, inicialmente no dia da Encarnação, no momento em que deu o seu fiat. A Encarnação é a Redenção começada e, portanto, cooperar em Encarnação é cooperar na Redenção, nas graças que são fruto dela e, por conseguinte, em nossa salvação e santificação.
158. Maria, cuja vontade é em tudo conforme a de Deus e de seu Filho, ao longo de toda a sua vida associa-se à obra redentora. É ela que cria e educa Jesus, alimenta-o e prepara-o para a imolação como vítima no calvário.Tomando parte nas suas alegrias e tribulações, em seu humilde trabalho na casa de Nazaré, em suas virtudes, une-se, com generosíssima compaixão, à paixão e morte de seu Filho, reiterando o seu fiat ao pé da cruz e consentindo na imolação daquele que ama muito mais que a si mesma. Nesse momento, seu amoroso coração é transpassado por uma espada de dor: "E uma espada transpassará a tua alma" (Lc 2,35). Quantos méritos não conquistou com tão perfeita imolação!
E em razão do longo martírio que padeceu depois da ascensão de seu Filho ao céu, continuou a aumentá-los. Privada da presença daquele que era a sua felicidade, ansiava ardentemente pelo momento em que se uniriam para sempre, e aceitava amorosamente essa provação para cumprir a vontade de Deus e contribuir para edificar a Igreja nascente. Com isso, Maria acumulou para nós inumeráveis merecimentos. Suas obras são tão mais meritórias porque: foram praticadas com a mais perfeita pureza de intenção. "Minha alma glorifica ao Senhor." (Lc 1,46); e cumprem, em sua integridade, a vontade de Deus, com o mais intenso fervor e a mais estreita união com Jesus, fonte de todo mérito. "Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).
Sem dúvida esses merecimentos, que eram principalmente para Ela mesma, aumentavam o seu manancial de graça e os seus direitos à glória. Mas, em razão da função que exercia na obra redentora, Maria merecia também, de côngruo, para todos e, conforme a expressão de São Bernardo:72 "aquela que era cheia de graça, deixou transbordar essa graça sobre nós."
159. 3º - Maria causa exemplar. Depois de Jesus, Maria é o mais belo modelo que podemos imitar. O Espírito Santo que habitava em Maria em razão dos merecimentos do seu Filho, fez dela uma imagem viva das virtudes de Jesus. Jamais cometeu a mínima falta ou teve a mínima resistência à graça, levando à letra o "seja feito conforme a tua palavra". Por isso os Santos Padres, sobretudo Santo Ambrósio e o Papa São Libério, apresentam-na como modelo perfeito de todas as virtudes, "caritativa e atenciosa com todas as suas companheiras, sempre pronta a servi-las, não dizendo ou fazendo coisa alguma que pudesse desgostá-las, amando todas e sendo por todas amada".73
É suficiente indicar as virtudes constantes no próprio Evangelho: 1) a sua profunda fé, que a fez crer sem vacilar nas coisas que o anjo da parte de Deus lhe anuncia. Por essa fé Isabel, inspirada pelo Espírito Santo, a congratulou: "Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir coisas que da parte do Senhor te foram ditas!" (Lc 1,45); 2) a sua virgindade, revelada na resposta do anjo, "Como se fará isso pois não conheço homem?" (Lc 1,34), mostra sua determinação de permanecer virgem, mesmo que isso significasse sacrificar a dignidade de Mãe do Messias; 3) a sua humildade é evidenciada na perturbação que experimenta diante dos elogios do anjo, na declaração de ser escrava do Senhor no mesmo instante em que é proclamada Mãe de Deus, na oração do Magnificat, que já foi chamado o êxtase da humildade, no amor que mostra pela vida oculta, apesar de ter, na qualidade de Mãe de Deus, o direito a todas as honras; 4) o seu recolhimento interior a fez guardar em silêncio e meditar tudo o que se relacionava com o divino Filho. "Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração." (Lc 2,19); 5) o seu amor para com Deus e o próximo, que generosamente a fez aceitar todas as provações de uma longa vida, principalmente a imolação de seu Filho no calvário e a longa separação desse Filho tão amado, desde a Ascensão até o momento de sua morte.
160. Esse modelo tão perfeito é, ao mesmo tempo, inteiramente atrativo. Maria é uma simples criatura como nós, uma irmã, uma Mãe que nos convida a imitá-la, ainda que seja somente para manifestar-lhe nossa gratidão, veneração e amor. Destarte, é um modelo fácil de imitar, no sentido de que Maria santificou-se na vida comum, no cumprimento de seus deveres de jovem e de mãe, nos humildes trabalhos domésticos, na vida oculta, nas alegrias e nas tristezas, na exaltação e nas mais profundas humilhações.
Portanto, temos a certeza de estar trilhando caminho seguríssimo quando imitamos a Santíssima Virgem. É o melhor meio de imitar a Jesus e de alcançar a sua poderosa mediação.
161. 4º - Maria medianeira universal da graça. São Bernardo formulou essa doutrina há muito tempo, num texto muito conhecido: "É da vontade de Deus que recebamos todas as graças através de Maria." 74 É importante esclarecer como deve ser entendido. É certo que Maria, ao dar-nos Jesus, autor e causa meritória da graça, deu-nos também de maneira mediata, todas as graças. Contudo, além disso, segundo o ensino cada vez mais comum,75 não há uma só graça concedida aos homens, que não venha imediatamente por Maria, isto é, sem a sua intercessão. Portanto, trata-se de uma mediação imediata, universal, mas subordinada à de Jesus.
162. Para dar mais precisão a essa doutrina, acompanhamos o Pe. De la Broise,76 que diz: "a atual ordenação dos decretos divinos dispõe que todos os bens sobrenaturais, concedidos ao mundo, sejam outorgados com o concurso de três vontades e nenhum sem essa condição. A primeira é a vontade de Deus, que confere todas as graças. Depois, a vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, mediador, que as merece por si mesmo, obtendo-as por estrita justiça. Por fim, a vontade de Maria, mediadora secundária, que as merece e obtém por conveniência, através de Nosso Senhor." Essa mediação é imediata, no sentido de que, para cada graça dada por Deus, Maria intervém pelos seus méritos passados ou pelas suas presentes súplicas. Porém, tal fato não implica que, quem as recebe, deva pedi-las necessariamente através de Maria, pois ela pode intervir sem que ninguém o peça. Essa mediação é universal, abrangendo todas as graças concedidas ao homem desde a queda de Adão. Contudo, está subordinada à mediação de Jesus, porque Maria não pode merecer ou obter graça alguma senão pelo seu divino Filho. Desse modo, a mediação de Maria somente realça o valor e a fecundidade da mediação de Jesus.
Essa doutrina foi confirmada pelo Ofício e a Missa dedicados à honra de Maria Medianeira, concedidos pelo Papa Bento XV às igrejas da Bélgica e a qualquer outra que pedir, de toda a cristandade.77 Portanto, a doutrina é segura, pode ser utilizada na prática e move-nos a uma grande confiança em Maria.

CONCLUSÃO: DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM

163. Por ser tão importante o papel de Maria em nossa vida  espiritual, devemos dedicar-lhe muitíssima devoção. Essa palavra dedicação quer dizer entrega voluntária de si mesmo. Seremos, pois, devotos de Maria, se nos entregarmos completamente a Ela e, por Ela, a Deus. Isso somente nos fará imitar o próprio Deus, que se entregou por nós e também nos deu o seu Filho por intermédio de Maria. Entregaremos o nosso entendimento com a mais profunda veneração; a nossa vontade com confiança absoluta; o nosso coração com um amor terníssimo de filho; inteiramente todo o nosso ser com a imitação mais perfeita possível de suas virtudes.
164. A) Veneração profunda. Essa veneração funda-se na dignidade de Mãe de Deus e nas consequências que dela derivam. Com efeito, jamais poderemos honrar em excesso aquela que o Verbo Encarnado venera como Mãe, que o Pai contempla amorosamente como Filha muito amada e que o Espírito Santo considera seu templo predileto. O Pai trata-a com sumo respeito ao enviar-lhe um anjo para saudá-la como cheia de graça e pede-lhe o consentimento na obra da Encarnação, à qual deseja associá-la intimamente. O Filho venera-a, ama-a como sua mãe e é-lhe obediente. O Espírito Santo desce sobre ela e nela tem as suas complacências. Portanto, ao venerar Maria apenas nos associamos às três divinas Pessoas, estimando o que elas estimam.
Não há dúvida que há excessos que devemos evitar, especialmente todo aquele que tenda a fazê-la igual a Deus ou torná-la a fonte da graça. Todavia, enquanto a considerarmos criatura, que em si mesma não tem grandeza, nem santidade, nem poder, a não ser na medida em que recebe de Deus, não há razão para temer o excesso; é Deus que veneramos nela.
Essa veneração deve ser maior que a dedicada aos anjos e aos outros santos, precisamente porque pela dignidade de Mãe de Deus, pelo ofício de mediadora, pela santidade, Maria está acima de todas as criaturas. Por isso, o seu culto, que é culto de dulia e não de latria, é com razão chamado culto de hiperdulia, pois é superior ao que se dedica aos anjos e santos.
165. B) Confiança absoluta, baseada no poder e bondade de Maria. a) Este poder não procede de si mesma, mas do poder de intercessão, porque Deus não quer negar nada de legítimo Àquela que ama e venera acima de todas as criaturas. Nada mais justo. Tendo Maria dado a humanidade a Jesus, com a qual Ele pode merecer, e colaborado com Ele na redenção por meio de suas obras e dores, era conveniente que fosse partícipe na distribuição dos frutos dessa redenção. Assim, Jesus não lhe negará nada que pela de legítimo e por isso podemos dizer que Ela é onipotente pelas suas súplicas (omnipotentia supplex); b) Com relação à bondade, é aquela pela qual a Mãe nos transmite, como membros de Jesus Cristo, o afeto que dedica ao seu Filho; uma Mãe que, tendo-nos dado à luz na dor, em meio às angústias do Calvário, tanto mais nos amará quando mais lhe custarmos. Portanto, nossa confiança nela deve ser inabalável e universal. 
1) Inabalável, em que pese nossas misérias e pecados. Maria é Mãe de misericórdia, cuja função não é ocupar-se com a justiça; foi escolhida antes de tudo para exercer a compaixão, a bondade, a condescendência. Sabendo que estamos expostos aos ataques da concupiscência, do mundo e do demônio, tem compaixão de nós, que não deixamos de ser seus filhos, ainda que caiamos em pecado. Assim, basta que manifestemos um mínimo de boa vontade e o desejo de voltar a Deus para que ela bondosamente nos acolha. Muitas vezes é ela que, antecipando-se a esses bons propósitos, alcança-nos graças  que os suscitam em nossa alma. Compreendendo muito bem essa doutrina a Igreja instruiu, em certas dioceses, uma festa com um título que à primeira vista parece estranho, mas que no fundo é perfeitamente justificável. Trata-se da festa do Coração Imaculado de Maria, refúgio dos pecadores. Justamente por ser Imaculada e jamais ter cometido a menor falta é que Maria tem mais compaixão dos seus pobres filhos, que não têm, como ela, o privilégio de ser livre da concupiscência.
2) Universal, ou seja, abrange todas as graças que precisamos; graças de conversão, de progresso espiritual, de perseverança final, graças de proteção no meio dos perigos, das angústias, das mais graves dificuldades que se possam apresentar. Essa é a confiança que tão encarecidamente São Bernardo recomenda: 78 "Se as tempestades das tentações se levantam, se estiveres no meio dos perigos das tribulações, lança os olhos para a estrela do mar, invoca Maria em teu auxílio; se és agitado pelas ondas da soberba, da ambição, da maledicência, da inveja, olha para a estrela, invoca Maria; se a cólera, a avareza, os prazeres da carne agitam a barca da tua alma, olha para Maria; se, perturbado pela grandeza dos teus crimes, confuso pela estado miserável da tua consciência, horrorizado pelo pensamento do juízo, começas a afundar no abismo da tristeza e do desespero, pensa em Maria. No meio dos perigos, das angústias, das incertezas, não se afaste o seu nome dos teus lábios, nem o coração do pensamento dela e, para obteres mais seguramente o auxílio de tuas súplicas, não descuides de imitar os seus exemplos. Seguindo-a, não te extravias; suplicando-a, não te desesperas; pensando nela, não te perdes. Enquanto ela te levar pela mão, não cairás; sob sua proteção, não terás nada a temer; sob o seu governo, não te fatigarás; com o seu favor, chegarás certamente ao termo." Como continuamente precisamos de graça para vencer os nossos inimigos e progredir na virtude, devemo-nos dirigir frequentemente Àquela que tão acertadamente é chamada Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
166. C) O amor filial, cheio de candura, simplicidade, generosidade e ternura, deve ser unido à confiança. Seguramente Maria é a mais amável das mães, pois Deus, havendo-a escolhido para ser Mãe do seu Filho, deu-lhe todas as qualidades que tornam amável uma pessoa: delicadeza, prudência, bondade e dedicação de mãe. É a mais amante, pois o seu coração foi criado especificamente para amar um Filho-Deus, e amá-lo o mais perfeitamente possível. Esse mesmo amor que tinha por Jesus, tem também por nós que somos membros vivos do seu divino Filho, seu prolongamento e complemento. E esse amor brilha mais forte: no mistério da Visitação, quando correu pressurosa para levar à sua prima Isabel aquele Jesus que recebeu em seu seio e que, só pela sua presença, santificou toda a casa; nas bodas de Caná onde, atenta a tudo o que se passava, intercedeu junto a seu Filho para evitar uma triste humilhação aos recém-casados; no Calvário, onde aceita sacrificar o que tem de mais precioso para nos salvar; no Cenáculo, onde exercita o seu poder de intercessão, para obter para os Apóstolos uma maior abundância de dons do Espírito Santo.
167. Sendo Maria a mais amável e a mais amante das mães, deve ser também a mais amada. Este é um de seus mais gloriosos privilégios. Onde quer que Jesus seja conhecido e amado, Maria também o o é. Não se pode separar a Mãe do Filho e, nunca esquecendo a diferença entre um e outro, temos o mesmo afeto por ambos ainda que em grau diferente: ao Filho tributa-se o amor devido a Deus, a Maria, o devido à Mãe de um Deus: amor terno, generoso, devotado, mas subordinado ao amor de Deus.
É amor de complacência, que se deleita nas grandezas, virtudes e privilégios de Maria, meditando amiúde nessas qualidades, admirando-as, comprazendo-se nelas e felicitando-a por ser tão perfeita. Porém, também é amor de benevolência, que sinceramente deseja que o nome de Maria seja cada vez mais conhecido e amado; ora para que se expanda a sua influência sobre as almas e, à essa oração, agrega a palavra e a ação. É amor filial, cheio de confiança e simplicidade, de ternura e devoção, que chega até aquela respeitosa intimidade que uma mãe consente ao filho. Por fim e sobretudo, é amor de conformidade, que se esforça para submeter a sua vontade à de Maria em todas as coisas e, desse modo, à de Deus, posto que a sua união das vontades é o sinal mais autêntico de amizade. Isso é o que nos leva a imitar a Santíssima Virgem.
168. D) A imitação é, com efeito, a homenagem mais delicada que lhe podemos oferecer; é proclamar não somente com palavras, mas também com atos, que Ela é um modelo perfeito que muito nos alegra tenta imitar. Já dissemos (nº159) como Maria, que é um retrato vivo de seu Filho, dá-nos exemplo de todas as virtudes. Aproximar-se dela é aproximar-se de Jesus. Portanto, nada melhor podemos fazer que estudar suas virtudes, meditar frequentemente nelas e esforçar-nos para reproduzi-las em nós.
Para melhor atingir esse objetivo, o mais eficaz é praticar todas e cada uma das nossas ações por Maria, com Maria e em Maria (per Ipsam et cum Ipsa, et in Ipsa). 79 Por Maria, isto é, por sua intercessão pedir as graças necessárias para imitá-la, indo por Ela para ir a Jesus (ad Jesum per Mariam). Com Maria, isto é, considerando-a como modelo e colaboradora e perguntando-nos sempre: O que Maria faria se estivesse no meu lugar? Então humildemente lhe pedimos auxílio para conformar nossas ações com os seus desejos. Em Maria, ou seja, submissos a ela, aderindo ao seu modo seu ver e às suas intenções e realizando as nossas ações como Ela, isto é, para glorificar a Deus (Minha alma glorifica ao Senhor).
169. Com essas disposições interiores é que devemos recitar em honra à nossa Mãe: a Ave Maria e o Ângelus, que nos recordam a Anunciação e o seu título de Mãe de Deus; o Sob a Vossa Proteção, que é um ato de confiança naquela que nos protege de todos os perigos; o Ato de Consagração a Maria, que é um ato de total entrega em suas mãos, pelo qual lhe confiamos nosso ser, nossas ações e méritos; sobretudo, o Santo Rosário que, unindo-nos aos mistérios gozosos, luminosos, 80 dolorosos e gloriosos, permite-nos santificar em união com Maria e com Jesus, as nossas alegrias, tristezas e glórias. O Pequeno Ofício da Santíssima Virgem equivale ao Breviário para as pessoas que podem recitá-lo. Faz com que muitas vezes  ao dia lembremo-nos da grandeza, santidade e da obra santificadora dessa boa Mãe.

ATO DE CONSAGRAÇÃO TOTAL A MARIA 81


170. Natureza e extensão desse ato. É um ato de consagração que encerra todos os demais. Foi proposto por São Grignion de Montfort e consiste em entregar-se inteiramente a Jesus por Maria, abrangendo dois elementos: um ato de consagração, que se renova de tempos em tempos, e um estado habitual, pelo qual vivemos e operamos subordinados a Maria. O ato de consagração, diz São Grignion,"consiste em dar-se inteiramente, na qualidade de escravo, a Maria e a Jesus, por meio de Maria". Não nos deve escandalizar o termo escravo, do qual devemos excluir todo sentido pejorativo, isto é, toda a ideia de opressão. Longe de implicar opressão, esse ato é manifestação do mais puro amor. Devemos dar atenção somente ao elemento positivo, conforme explica o Santo: um simples servo, que recebe seu salário, é livre para deixar o patrão, o qual não dá mais do que o seu trabalho. Não lhe dá a sua pessoa, seus direitos pessoais, seus bens. Um escravo concorda livremente em trabalhar sem salário, confiando que seus senhor lhe dará sustento e abrigo. Dá-se para sempre, com todos os seus recursos, sua pessoas e seus direitos, para viver inteiramente sob a dependência dele.
171. Aplicando agora essa doutrina ao contexto espiritual, o perfeito escravo de Maria dá a esta Senhora e, por ela, a Jesus:
a) Seu corpo, com todos os seus sentidos, conservando-lhe somente o uso, e comprometendo-se a servir-se dele somente na medida em que agrade a SS. Virgem ou o seu Filho. De antemão aceita todas as disposições da Providência referentes à saúde, enfermidade, vida e morte;
b) Todas as posses terrenas, utilizando-as somente sob a dependência de Maria, para sua glória e de Deus;
c) A alma com todas as suas faculdades, consagrando-as ao serviço de Deus e das almas, sob a condução de Maria, e renunciando a tudo quanto possa pôr em risco a salvação e a santificação;
d) Todos os bens interiores e espirituais, seus méritos, satisfações e o valor impetratório das boas obras, na medida em que esses bens forem alienáveis. Esclareçamos este último ponto:
1. Nossos méritos propriamente ditos (de condigno), pelos quais merecemos aumento de graça e de glória para nós mesmos, são inalienáveis. Quando os entregamos a Maria, é para que ela os conserve e aumente e não para aplicá-los a outros. Porém, deixamos Maria dispor livremente dos méritos de simples conveniência ( de congruo), que podem ser oferecidos por intenção de outras pessoas.
2. O valor satisfatório das nossas obras, incluindo as indulgências, é alienável e entregamo-lo à Santíssima Virgem para que ela o aplique. 82
3. O valor impetratório, isto é, as nossas orações e boas obras, posto que se reveste do mesmo valor, pode ser oferecido, e de fato o é, por esse ato de consagração.
172. Após realizado o ato, não mais podemos dispor desses bens sem a permissão da SS. Virgem, mas podemos e por vezes devemos pedir-lhe que se digne, segundo sua vontade, utilizá-los em favor de pessoas com as quais temos obrigações particulares. Para harmonizar tudo, o melhor é oferecer-lhe simultaneamente com a nossa pessoa e os nossos bens, todos os nossos entes queridos (Eu sou todo Teu, tudo o que é meu é Teu). 83 Assim, a SS. Virgem empregará nossos bens e, sobretudo, os seus tesouros e os de seu Filho, em favor dessas pessoas que, desse modo, nada perdem com a nossa consagração; pelo contrário, ganham muito.
173. A excelência desse ato. É um ato de santo abandono, excelente por si mesmo, mas que, além disso, abarca atos das mais belas virtudes:
1. Um ato de profunda religião para com Deus Pai, Jesus e Maria. Por ele reconhecemos concretamente o soberano domínio de Deus, o nosso próprio nada, e proclamamos de todo o coração os direitos que Deus concedeu a Maria sobre nós.
2. Um ato de humildade, pelo qual reconhecemos o nosso nada e a nossa impotência, despojamo-nos de tudo que Deus nos deu, devolvendo-lhe pelas mãos de Maria, de quem, depois dele e por Ele, tudo recebemos.
3. Um ato de amor confiante, posto que o amor é o dom de si mesmo e, para doar-se, é preciso confiança perfeita e fé viva.
Portanto, podemos dizer que se este ato de consagração for bem feito, renovado de coração com frequência e colocado em prática, é mais excelente que o ato heroico em que cedemos apenas o valor satisfatório dos nossos atos e as indulgências que lucramos.
174. Os frutos dessa devoção decorrem da sua própria natureza. 1) É um modo perfeito de glorificar a Deus e a Maria, pois damos-lhe tudo o que somos e temos, sem restrição e sem volta. E fazemos isso de maneira mais agradável a Deus, conforme a ordem estabelecida pela sua sabedoria, isto é, retornando a Ele pelo menos caminho que Ele seguiu para vir a nós.
175. 2) Destarte, desse modo asseguramos nossa própria santificação. Na realidade, Maria, ao ver que lhe entregamos o nosso ser e nossos bens, sente-se fortemente movida a ajuda e santificar aqueles que são, por assim dizer, propriedade sua. Obterá para nós graças muito abundantes, com as quais poderemos aumentar nosso pequeno tesouro espiritual que é seu, conservá-lo e fazê-lo frutificar até o fim da nossa vida. Para isso, Ela se servirá tanto do seu poder de intercessão junto a Deus como da superabundância dos seus méritos e satisfações.
3) Por fim, desse modo são beneficiadas a santificação do próximo e, sobretudo, as almas a nós confiadas. Colocando nas mãos de Maria a distribuição dos nossos méritos e satisfações, conforme o seu agrado, estaremos seguros de que tudo será feito da maneira mais sábia. Ela é mais prudente, previdente e dedicada que nós. Portanto, os nossos parentes e amigos só têm a ganhar.
176. Sem dúvida, pode-se argumentar que desse modo alienamos todo o nosso haver espiritual, sobretudo nossas obras satisfatórias, indulgências e sufrágios, que poderiam ser oferecidos por nós e que, desse modo, poderíamos ficar muitos anos no purgatório. Não deixa de ser verdade, mas é uma questão de confiança. Afinal, temos ou não mais confiança em Maria que em nós mesmos e em nossos amigos? Se sim, não há o que temer; ela cuidará da nossa alma e dos nossos interesses melhor que nós. Se não, devemos evitar esse ato de consagração total, pois poderíamos nos arrepender mais tarde. De qualquer modo, não convém fazê-lo senão depois de madura reflexão e de acordo com o diretor espiritual.


Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, pgs 111-119.

Notas
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*69 SANTO TOMÁS, Suma Teológica, In Salut. Angel. expositio; SUAREZ, De mysteriis Christi, disp. I-XXIII; BOSSUET, Sermons sur la Ste. Vierge; TERRIEN,S.J. La Mère de Dieu et la Mère des hommes, t. III; L. GARRIGUET, La Vierge Marie; Dict. d'Apolog. (d'Alès), no artigo Marie; HUGON, O.P., Marie, pleine de grâce; R. - M. DE LA BROISE E J. - B. BAINVEL, Marie, mêre de grâce, 1921; Synop. Theol. dogm., t. II, nº 1226-1263.

70 BAINVEL, op. cit. P.73 - 75. Essa tese pode-se apoiar nas palavras do anjo: "Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó." (Lucas, 1, 32-32).

71 Essa expressão foi ratificada por São Pio X na Encíclica de 1904, em que declara que Maria mereceu de congruo toda as graças que Jesus mereceu de condigno.

72 In Assumpt, sermo II,2.

73 J.V. BAINVEL, Le Saint Cceur de Marie, pp. 313-314.

74 Sermo de aquaeductu, n . .

75 Provas dessa afirmação podem ser obtidas na obra citada do Pe. Terrien, t. III (todo).

76 Marie, mère de grâce, p. 23-24.

77 Sua Eminência o Cardeal Mercier, em carta de 27 de janeiro de 1921, anunciou o fato aos seus diocesanos nestes termos: "Há vários anos que o Episcopado belga, a faculdade de teologia da Universidade de Lovaina e todas as ordens religiosas, pleiteavam ao Papa para que a SS. Virgem Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, fosse reconhecida como Mediadora universal da obtenção e distribuição das graças divinas. Sua Santidade, Bento XV, concedeu, às igrejas da Bélgica e a toda a Cristandade que lhe pediram, um ofício e Missa próprios, na data de 31 de maio, em honra a Maria Medianeira." 

78 Homil. II, De Laudibus Virg. Matris, 17.

79 Essa era a prática piedosa de M. Olier que São Grignion de Montfort aperfeiçoou e tornou popular no Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

80 Os mistérios luminosos foram introduzidos por sugestão do Santo Papa João Paulo II, na carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, de 16 de outubro de 2002 - NT.

81 GRIGNION DE MONTFORT, op. cit.; A. LHOUMEAU, La vie spirituelle à l'école de S. Grignion de Montfort, 1920, p. 240- 247.

82 SANTO TOMÁS, Supplement., q. 13, a. 2.

83 Tuus totus sunt, omnia mea tua sunt, et omnes mei tui sunt.