quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Trecho 3 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus



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O grande ponto, porém, é abraçar a vontade divina em tudo quanto acontece, seja agradável ou desagradável às nossas inclinações. Nas coisas agradáveis, mesmos os pecadores se conformam com a vontade de Deus, porém os santos unem-se à vontade divina mesmo quando as coisas são desagradáveis e contra o amor- próprio. Nisto se prova o nosso amor para com Deus. O padre João D'Ávila dizia: "Uma ação de graças no tempo da tribulação vale mais que mil atos de agradecimento no tempo em que tudo nos prospera".
Além disso, nós não só devemos unir-nos à divina vontade nas adversidades que diretamente nos vêm de Deus, como doença, a desolação do espírito, a pobreza e a morte de nossos parentes, mas também nos casos promovidos pelas criaturas, assim como o desprezo a perda da reputação, a injustiça, os roubos e todas as demais perseguições. Devemos entender, quando sofremos injúrias na nossa reputação, honra ou bens, que Nosso Senhor não deseja o pecado que os outros cometem, mas sim a nossa humilhação, pobreza e mortificação. É certo e de boa fé, que tudo quanto acontece no mundo é por permissão divina: "Eu sou o Senhor, fora de mim não há outro; sou o Senhor que faço todas as coisas" (Is 45,6-7). Do Senhor nos vem os bens, e também os males, porque nos são contrários, mas realmente são para nós bens quando os aceitamos de Suas mãos. Diz o profeta Amós: "Haverá mal em alguma cidade, que o Senhor não tenha feito?" (Am 3,6) e Salomão diz: "O bem e o mal, a vida, a morte, a pobreza e a riqueza de Deus nos provém" (Eclo 11,14). É certo, conforme o que eu tenho dito, que quando o homem vos ofende, não é esta ofensa desejada por Deus, nem Ele concorre na malícia de sua vontade, mas concorre pelo concurso geral das ações materiais que vos afligem, envergonham ou injuriam, de maneira que a ofensa recebida é, sem dúvida, permitida por Deus, e vem de sua mão. Assim o Senhor o disse a Davi que Ele seria o autor das injúrias que havia de receber de Absalão: "Levantarei males contra ti, que procederão de tua própria casa; tirar-te-ei tuas mulheres diante dos teus olhos, e isto em castigo dos teus pecados" ( 2 Sm 12,11). Também disse aos hebreus que, em consequência de suas iniquidades, lhes mandaria aos assírios para os despojarem e arruinarem. "Ai do assírio, ele é a vara e a espada da minha ira... Eu o mandarei para os despojar" (Is 10, 5-6). Santo Agostinho assim explica isto: a impiedade dos assírios foi a espada de Deus, para castigo dos hebreus. E o mesmo Jesus Cristo disse a São Pedro, que sua morte e paixão não proveria tanto dos homens, como da vontade de Seu Eterno Pai: "Não beberei eu o cálice que o Pai me deu?" (Jo 18, 11). Quando o mensageiro (o qual se julga ter sido o diabo) veio dizer a Jó que os sabeanos lhe tinham tirado os seus bens e matado os seus filhos, que respondeu o santo homem? "O Senhor os deu, o Senhor os levou" (Jó 21). Ele não disse: "o Senhor deu-me filhos e bens, e os sabeanos tudo me tiraram", mas sim: "o Senhor os deu, o Senhor os levou"; porque ele bem sabia que a sua perda fora permitida pelo Onipotente, e depois acrescentou: "Assim como foi do agrado do Senhor, assim se fez: bendito seja o nome do Senhor". Não devemos, portanto, receber nossos infortúnios como da mão do acaso ou da malícia dos homens, mas devemos estar persuadidos que tudo quanto acontece é pela vontade de Deus. "Conhecei", diz Santo Agostinho, "que tudo quanto no mundo vos sucede é pela vontade de Deus, ainda que seja contrária à vossa".


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

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