sexta-feira, 13 de junho de 2025

Santo Antônio - Martelo dos Hereges

 



Ajude este apostolado colaborando com qualquer valor. 

Deus abençoe por Maria!


Antônio, a despeito da nova tarefa, não abandonou o ministério da pregação. A carreira do ensino, que ainda apenas se abria diante dele, ia fechar-se logo depois; ela foi em sua vida só um curto parêntesis. Sua verdadeira vocação era o apostolado; salvo, porém, que exigindo-o as circunstâncias, ele era de estatura para conduzir qualquer empresa. 

Em 1224, pregou a quaresma em Vercelli. Esta missão lhe fora oferecida pelo bispo Hugo, que governava a diocese; desempenhou-a com o zelo de costume, e os resultados excederam a expectativa. Segundo o testemunho dos historiadores, a igreja de Sto. Eusébio, cujas proporções eram consideráveis, não estava um instante vazia: noite e dia o povo se aglomerava, impaciente de ouvir a palavra do homem apostólico que a Providência lhe tinha enviado. Um acontecimento extraordinário veio ainda aumentar o movimento de conversão que a graça havia produzido. Uma manhã, quando o infatigável missionário pregava diante de numerosa assistência, ouviram-se soluços e gritos dilacerantes que partiam de uma das capelas laterais da basílicas: celebravam-se os funerais de um jovem que a morte roubara à ternura da família. Os parentes e os amigos, tomados de viva dor, banhavam de lágrimas o caixão, lamentando a perda sofrida. A cena comoveu os presentes, e o logo ressoaram na igreja exclamações tristes e gemidos que saíam de todos os peitos. Antônio participou da comoção geral, e interrompeu o seu discurso. Levantou os olhos para o céu, e pareceu como que absorto em ardente oração. Quando retomou a palavra, foi para se dirigir ao morto, que ia se enterrar: ordenou-lhe em nome de Jesus Cristo, que tinha ressuscitado o filho da viúva de Naim, que voltasse à vida e saísse do seu caixão. À voz do apóstolo, que já não estava só na estreia do ofício de milagreiro, o moço ergue-se, e caminhou radiante de saúde, à frente de sua família, transportada de assombro e de felicidade. O efeito deste prodígio foi imenso: renderam-se logo a Deus solenes ações de graças. Porém, o lucro o qual, desde esse momento, o custo pôde bastar para a tarefa; tão abundante se tornou a messe. 

Depois do primeiro Capítulo geral da Ordem, em 1216, S. Francisco havia estabelecido a missão de França. 

Em 1224, o seu fundador sempre inspirado por Deus, se decidiu a lá enviar Antônio, "a pérola de sua Ordem".

A escolha de um tal obreiro explica-se pelo deplorável estado a que se achavam reduzidas as províncias meridionais desse país. Meu assunto leva-me a traçar disto um rápido esboço. 

Desde cem anos, a heresia parecia ter-se naturalizado na região que se estende dos Alpes ao Garona e dos Prineus às montanhas do Auvergne. Quando ela em algum lugar sucumbia, era para em breve renascer sob outra forma, conservando a mesma índole. Na primeira metade do século XII, Pedro de Bruys, e seu discípulo Henrique, ambos monges que abandonaram a religião, agitaram o Delfinado e o Languedoc. Engêncio III enviou S. Bernardo para combater estes inimigos da fé e da paz pública. O abade de Claraval descarregou sobre eles duros golpes a que não haviam de sobreviver. Os Valdenses tomavam-lhes o lugar. Herdaram estes algumas de suas ideias, e sobretudo o seu fanatismo, continuando, ainda em maior escala, as devastações que eles tinham começado. Foram, porém, atacados com vigor; e, quando, esmagados pelo número, se recolheram às montanhas das Cévennes e do Piemonte, os Albigenses ocuparam o primeiro plano da cena. 

Os Albigenses eram a expressão mais completa dos erros que as seitas precedentes arrastavam como um barro impuro. À maneira de todas as escolas pagãs ou anticristãs, eles tinham duas doutrinas: uma doutrina metafísicas, professada em segredo por um número pequeno de iniciados; e uma doutrina popular, destinada aos simples e aos ignorantes. Sua metafísica não era outra coisa mais do que o maniqueísmo, velha heresia que havia atravessado os século no estado de sociedade secreta, para ela o único meio de escapar às sanções da opinião humana; e que aparecia aqui e ali a grandes intervalos como esses monstros que seguem no fundo do oceano caminhos ignorados, e que às vezes levantam a sua cabeça secular acima das ondas.  A doutrina popular consistia em recusar o batismo às crianças antes da idade da razão; em não permitir nem altares nem igrejas; em proibir adorar-se a cruz, e obrigar a celebração da missa; enfim, em rejeitar as orações e as boas obras pelos mortos. 

A moral dos Albigenses era conforme o seu símbolo. Partindo da ideia de que o mal é eterno como Deus e, por conseguinte, Deus como Ele, acabavam logicamente pelo fatalismo que destrói a responsabilidade da consciência, negando sua Liberdade, e autoriza todas as desordens. Daí um sensualismo desenfreado, pior que o de Maomé, professado no Alcorão, e que os seus fiéis fizeram entrar em seus costumes. Atacando o matrimônio, que chamavam coito impudico, tomavam ares de apóstolos da castidade; ao passo que sobre os destroços da instituição conjugal estabeleciam uma vergonhosa libertinagem, nos mistérios de suas reuniões privadas. 

Os Albigenses, porém, eram mais do que uma escola, constituíram uma sociedade que, ficando meio subterrânea para ocultar sua feiúra, tinha aparecido para o mundo exterior e tomara lugar ao sol da Europa cristã, a despeito da Igreja e das leis do Estado. Não contentes de vulgarizar seus dogmas, eles os praticavam, atacando a ferro e fogo populações pacíficas, que entendiam governar o que era seu e manter a posse de sua fé e dos direitos políticos e civis que dela decorriam nessa época. 

A idade média, que não poupava o erro puro, não devia perdoar ao erro armado e fraticida. Por conseguinte, os papas e os reis uniram-se contra os Albigenses, como se haviam unido contra os Sarracenos. Alexandre III excomungou-os no terceiro Concílio de Latrão, no ano de 1179. Inocêncio III organizou contra eles a primeira cruzada. 

Agora, qual foi a parte dos Frades Pregadores e dos Frades Menores nestas duas expedições, cujo caráter era uma vez político-religioso? Durante a primeira expedição, a parte principal pertence incontestevelmente aos Frades Pregadores. Eles nasceram no campo de batalha, e expressamente para marchar contra os novos maniqueus com o gládio da palavra. Enquanto S. Francisco se recolhia com seus filhos sob cabanas de folhas, armadas no fundo do vale de Assis, S. Domingos tirava de seu coração uma nova mílicia que ia acampar altiva junto aos muros de Tolosa. 

Estava, pois, o nosso herói tão bem armado de texto decisivos tomados à Santa Escritura, suas provas eram tão sólidas e evidentes, que os míseros adeptos do erro não ousavam aparecer em sua presença nem abrir a boca para lhe responder. Podiam ser-lhe aplicadas, em toda a verdade, as palavras de Jesus Cristo a seus discípulos: Dar-vos-ei lábios eloquentes e uma sabedoria, a que os vossos inimigos não poderão resistir e que eles se guardarão de contradizer. Era mestre na arte de descobrir as fraudes e os artifícios dos hereges; sabia frustar os seus projetos; desmacarava suas doutrinas abomináveis e imprimia-hes o estigma de sua palavra. Como ele mesmo confessava-o de público, não era fácil achar parte alguma quem perseguisse os hereges com tanto ardor e constância.

Vieram por isso todos a chamá-lo o incansável Martelo dos hereges. Os trabalhos deste homem apostólico não ficaram sem fruto. A maior parte dos hereges e os que os favoreciam, voltavam para a verdade, e submetiam-se à autoridade da Santa Madre Igreja. 

Em Montpellier como em Bolonha, Antônio soube conciliar os deveres do mestre com os trabalhos do apóstolo. Pregava frequentemente, fazendo-se tudo para todos segundo o conselho de S. Paulo, a fim de ganhar a todos para Jesus. Sábio com os Maniques, simples com o pobre povo, correspondia a todas as necessidades da situação. Nesse tempo, ocorreu um acontecimento que faz sua santidade resplandecer aos olhos até dos mais prevenidos. Estando ele no púlpito, num dia de grande festa, em presença de todo o clero da cidade, e no meio de enorme concurso de povo, ao começar em seu convento um ofício, para o qual, por descuido, não buscara quem o subtituísse. Era regra que nas principais solenidades dois Frades, dos mais considerados na comunidade, cantassem no coro durante a missa conventual. Naquele dia o servo Deus era um dos designados para essa tarefa. A lembrança causou-lhe viva contrariedade. Viram-no então inclinar-se no púlpito, como que cedendo ao sono, a cabeça envolta no capuz. Mas oh prodígio! No mesmo instante, o homem de Deus apareceu na igreja dos Frades Menores, onde cantou a antífona, enquanto o imenso auditório da catedral o contemplava imóvel e silencioso na tribuna. Este espetáculo durou uma boa hora. Porém o milagre foi logo descoberto. 

Em Tolosa, Antônio operou o famoso milagre, conhecido sob o nome de milagre da mula. Não seja esquecido que entre os erros professados pelos Albigenses estava a negação da presença real de Jesus Cristo no Sacramento do altar. Ora, um dia Antônio sustentou sobre este artigo da fé católica uma longa discussão com certo herege obstinado e influente na cidade. Apertado pela razões sólidas e luminosas do apóstolo, o herege parecia abalado, e propenso a render tributo à verdade; mas parou a meio em tão bom caminho. Como os judeus, esses eternos modelos da cegueira intelectual, pediu sinais prodigiosos: "Prova-me", disse, "por um milagre público, que Jesus Cristo está realmente presente na Eucaristia, como vos esforçastes por estabelecer com os vossos silogismos. Eu juro que renunciarei logo as minhas doutrinas, para me submeter humildemente às que pregais". O desafio era solene: outro qualquer teria hesitado em aceitá-lo. Antônio, sempre inspirado pelo Espírito Santo, respondeu tranquilamente que o aceitava. "Eu possuo uma mula; por três dias deixá-la-ei presa na estrebaria, sem lhe dar nenhum alimento. Decorrido esse tempo, levá-la-ei para a praça diante de todo o povo reunido, e lhe oferecerei de comer. Por vosso lado, vós trareis a hóstia consagrada e apresentá-la-eis à minha mula. Se, a despeito da fome de que estará devorada, ela se desviar do feno e da aveia que eu lhe oferecerei, para ir se prostar ante o vosso Sacramento, eu ficarei convencido, e declarar-me-ei católico". Antônio deu seu consenso à proposta e retirou-se. Foi preparar-se pela oração para vingar a Jesus Cristo dos ultrajes que lhe inflingia a impiedade maniqueia. Reconhecendo-se indigno de ser o instrumento da graça que esperava, pedia a Deus que arrancasse da escravidão do erro tantas almas simples e retas que a torrente da opinião triunfante arrastava para longe de sua Igreja. Chegado o dia da prova imposta, o herege caminhou para a praça, acompanhado de imensa multidão de adeptos, que supunham ir gozar a humilhação do apóstolo franciscano: conduzia a mula pela brida, e levava consigo o alimento que sabia ser o que ela mais gostava. Entretanto, Antônio celebrava a missa numa capela vizinha, com um fervor maior que de ordinário. Quando acabou, recomendou-se aos anjos do santuário; e calmo, não obstante a emoção que o agitava no íntimo, dirigiu-se para o local em que o poder do céu ia manifestar-se. Tinha nas mãos o ostensório de ouro, no meio do qual repousava o Cordeiro que apaga os pecados do mundo. Sua cabeça inclinada, os olhos velados pela modéstia, a fronte resplandecente de uma luz sobrenatural, o andar que lhe traía a santidade: tudo isso era já um espetáculo imponente. Caminhavam atrás dele numerosos fiéis, que recitavam hinos, e estavam impacientes por saber o que sucederia. Chegando à presença de seus adversários, Antônio parou; recolheu-se um instante; em seguida, impôs silêncio à multidão, e voltando-se para a mula, assim lhe falou: "Em nome de teu Criador; que eu trago realmente nas mãos, apesar da minha indignidade; eu te digo, ó animal privado de razão, e te ordeno que venhas imediatamente com humildade prestar-lhe a reverência que lhe deves, a fim de que diante deste sinal os pervertidos hereges reconheçam que toda criatura se deve submeter a seu Criador, que o sacerdócio toca todos os dias no altar". No mesmo instante o dono da mula deu-lhe de comer. Mas - oh prodígio! - o animal que há três dias era guardado à vista e mantido em jejum rigoroso, afastou-se do alimento que se lhe apresentava; e dócil à voz do santo, prostou-se no solo com os dois joelhos e ficou imóvel nessa posição. O povo, que apenas respirava, não pôde conter o seu entusiasmo: aclamações e gritos de alegria romperam de todos os peitos. Os hereges eram derrotados no próprio terreno em que se haviam colocado. Eles sumiram-se logo caladinhos, indo sepultar longe no silêncio a sua derrota e o seu partidarismo obstinado.

Entretanto o servo de Deus não havia perdido o seu tempo. O herege que provocava o milagre se lança aos pés do santo, e adora em alta voz o augusto Mistério, que momentos antes chamava supertição. 

Não se limitou a isto a vitória. O convertido, por sua vez feito apóstolo, reconduziu à verdade toda sua família. Fez construir à própria custa uma igreja que dedicou a S. Pedro, sem dúvida para honrar nele a prerrogativa da fé ortodoxa. Seus descendentes foram além no seu reconhecimento; e, para perpetuarem a lembrança do milagre, edificaram uma capela no próprio lugar em que se havia operado, com uma inscrição em versos destinada a rememorá-lo para sempre. 




______________________________________________

Pe. Antônio At. - História de Santo Antônio de Pádua, Ed. Minha Biblioteca Católica.





Nenhum comentário:

Postar um comentário