sábado, 17 de fevereiro de 2024

A humildade com que se deve rezar

                                                              Livro: A Oração - Cap. III

Santo Afonso Maria de Ligório
              (1696-1787)

 Bispo e Doutor da Igreja

Editora Santuário, 1ª ed, 1987, 31ª imp. 2016.



9. Deus ouve a oração dos humildes e repele a dos orgulhosos

O Senhor atende às orações de seus servos, mas dos servos humildes: "O Senhor atendeu à oração dos humildes" (Sl 101,18). Onde falta humildade, Deus não atende, pelo contrário, repele as orações dos soberbos. "Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes" (Tg 4,6). Deus não ouve as orações dos soberbos, que confiam na própria força e por isso abandona-os à sua miséria. Em tal estado, privados do auxílio divino, perder-se-ão certamente. Chorava Davi: "Antes de ser humilhado, pequei" (Sl 118,67), pequei, porque não fui humilde. O mesmo se deu com São Pedro, o qual, apesar de avisado por Nosso Senhor de que naquela noite os seus discípulos o abandonariam: "a todos vós serei eu nesta noite ocasião de escândalo" (Mt 26,31), em vez de reconhecer sua fraqueza e pedir forças ao Senhor para não lhe ser infiel, confiando demasiadamente em si mesmo, disse que ainda que todos os outros o abandonassem, ele nunca o abandonaria: "Ainda que todos se escandalizem a teu respeito, eu nunca me escandalizarei" (Mt 26,33). E não obstante o Redentor lhe predizer, de novo e em particular, que naquela noite, antes que o galo cantasse, o negaria três vezes, confiando em seu valor, gabou-se dizendo: "Ainda que seja necessário morrer eu contigo, não te negarei" (Mt 26,35). Mas, apontado como discípulo de Jesus Cristo, negou-o por três vezes, com juramento, afirmando não conhecê-lo: "Juro que não conheço tal homem" (Mt 26,72). Se Pedro houvesse se humilhado e pedisse ao Senhor a graça da constância, não o teria negado.


10. Sem a graça, nada podemos fazer de meritório

Devemos todos imaginar que estamos sobre as alturas de um monte, suspensos sobre o abismo de todos os pecados e sustentados apenas pelo fio da oração; se este fio se arrebentar, cairemos certamente neste abismo e cometeremos os crimes mais horrorosos. "Se Deus não me tivesse ajudado, já teria caído no inferno" (Sl 93,17). Assim falava o salmista e assim deve dizer cada um de nós. O mesmo queria dizer São Francisco de Assis, quando dizia ser ele o maior pecador do mundo. Mas, meu padre, disse-lhe o companheiro, não é verdade o que dizeis. Existem muitos no mundo que são piores do que vós. É verdade, meu irmão, respondeu o santo, porque se Deus não tivesse sobre mim sua mão protetora, eu cairia em todos os pecados. 


11. Trabalha em vão aquele que trabalha sem Deus 

É um dogma de fé que, sem a graça de Deus, não podemos fazer obra meritória alguma, nem tão pouco ter um bom pensamento. Sem a graça, diz Santo Agostinho, não podem os homens fazer bem algum, quer por pensamentos, quer por palavras ou obras. Como os olhos não podem ver sem luz, assim o homem não pode fazer o bem sem a graça, diz o santo. E, antes, disse o Apóstolo: "Não que sejamos capazes, nós mesmos, de ter algum pensamento como de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus" (2Cor 3,5). E, ainda antes do Apóstolo, disse Davi: "Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalharão os que procuram construíla". (Sl 126,1). Em vão se esforça o homem em se fazer santo, se Deus não o amparar com o seu poder. "Se o Senhor não guardar a cidade, inutilmente se desvela o seu vigia". Se Deus não preservar a alma do pecado, em vão procurará ela fugir dele com suas próprias forças. Por isso, exclamava o profeta Davi: "Não esperei no meu arco" (Sl 43,7). Pois não quero confiar em minhas armas, mas unicamente em Deus, porquanto só Ele pode salvar-me.


12. Pela graça de Deus, sou o que sou

Quem achar que fez algum bem e que não caiu em maiores pecados, diga com São Paulo: "Pela graça de Deus, sou o que sou" (1Cor 15,10). Pela mesma razão, não deixe o homem de tremer e recear cair em todas as ocasiões. "Quem está de pé, veja que não caia" (1Cor 10,12). Com isto, quer São Paulo advertir-nos que está em grande perigo de cair quem se julga seguro. Em outro lugar, diz: "Quem julga ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se" (Gl 6,3). Muito sabiamente escreveu Santo Agostinho: "Muitos, sendo fracos, não se fortificam, porque se julgam fortes; só os que se sentem fracos serão fortes". Quem diz que não tem medo de si próprio prova que confia em si mesmo e em suas resoluções. mas, com esta confiança perniciosa, engana-se. Quem diz que não tem medo, não receia mais e, não receando, não reza mais; então, cairá eternamente.

Não devemos desprezar os outros por terem caído e nós não; pelo contrário, quando virmos outros caírem, julguemos que somos piores de todos e digamos ao Senhor: Se não me tivésseis ajudado, Senhor, eu teria feito pior ainda. De outro modo, permitirá Deus, por causa do nosso orgulho, que cometamos pecados maiores ainda. Por isso avisa-nos o Apóstolo que procuremos a nossa salvação eterna. Mas como? Sempre temendo e tremendo. "Com medo e tremor, operai a vossa salvação" (Fl 2,12). "Com medo e tremor, pois quem vive em temor e cuidado para não cair desconfia de suas próprias forças e põe toda a sua confiança em Deus, recorrendo a Ele nos perigos. Deus o ajudará, vencerá as tentações e salvar-se-á. São Filipe Néri, passando um dia pelas ruas de Roma, exclamava: "Sou um desesperado". Um religioso, que ouviu estas palavras, perguntou-lhe por que falava daquele modo. O santo respondeu: "Meu padre, eu desespero, sim, mas de mim mesmo". Este deve ser o nosso modo de agir, se quisermos nos salvar. É necessário que tenhamos uma completa desconfiança de nós mesmos. São Filipe, desde o primeiro momento em que despertava pela manhã, dizia a Deus: "Senhor, protegei-me hoje, senão eu Vos trairei e o venderei!"


13. Eis a grande ciência do cristão

Diz Santo Agostinho, conhecer que nada é e nada pode! Assim, nunca deixará de pedir a Deus a força necessária para resistir às tentações e para fazer o bem, e fará tudo com o auxílio de Deus, que não repele nenhuma súplica dos humildes. "A oração do que se humilha penetrará as nuvens e não se afastará até que o Altíssimo ponha nela os seus olhos" (Eclo 35,21). E por mais carregada que esteja uma alma de pecados, Deus não pode desprezar um coração que se humilha. "Não desprezarás, ó Deus, um coração contrito e humilhado" (Sl 50,12). "Deus resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes" (Tg 4,6). Deus é severo com os soberbos e resiste às suas súplicas; benigno, porém, e misericordioso com os humildes. Um dia, falou Nosso Senhor a Santa Catarina de Sena: "Saibas, filha, que toda alma que perseverar humildemente na oração chegará a conseguir todas as virtudes".


14. Bela advertência de Monsenhor Palafox

É útil citar aqui uma bela advertência de Monsenhor Palafox, piedosíssimo bispo de Osma, às pessoas piedosas que procuram santificar-se, em sua anotação à 18ª carta de Santa Tereza a seu confessor. Ali conta-lhe a Santa todos os degraus de oração sobrenatural com que o Senhor lhe havia favorecido. 

A esse propósito, o mencionado prelado prescreve que essas graças sobrenaturais, que Deus se dignou conceder à Santa Teresa e tem concedido a outros santos, não são necessárias para alcançar a santidade, porque muitas outras almas chegaram à santidade sem essas graças extraordinárias e até há muitas que, apesar de terem recebido aquelas graças, estão condenadas. Portanto, diz ser coisa supérflua e presunçosa desejar e pedir tais dons sobrenaturais, quando o verdadeiro e único caminho para a santidade é o exercício de todas as virtudes, especialmente do amor de Deus; e a isto se chega por meio da oração e pela correspondência às luzes e aos auxílios de Deus, o qual outra coisa não quer senão a nossa santificação. "Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação" (1Ts 4,3).


15. Os diversos graus da oração e como alcançá-los

Por isso, o referido autor, falando dos graus da oração sobrenatural, de que tratava a santa, a saber: da oração de repouso, do sono e da suspensão das faculdades da alma, da união, do êxtase, do arrebatamento, do voo e ímpeto do espírito e da chaga espiritual, sabiamente escreve e diz que, quanto à oração de repouso, o que devemos desejar e pedir a Deus é que nos livre do apego e desejo dos bens terrenos, os quais não dão paz, mas sim trazem aflições e inquietações ao espírito. Bem falou Salomão: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!" (Eclo 1,14). O coração do homem jamais encontrará a verdadeira paz, senão se livrando de tudo o que não é de Deus, para dar lugar a seu santo amor, para que Ele só o possua. Mas a alma por si própria não pode alcançar isso, mas unicamente por meio de repetidas orações.

Quanto ao sono e suspensão das faculdades da alma, devemos pedir a Deus que essas faculdades durmam para as coisas terrenas e só estejam acordadas para considerar a divina bondade, para aspirar ao amor divino e aos bens eternos.

Quanto à oração da união, devemos pedir a Deus a graça de não pensar, de não procurar e de não querer senão o que Deus quer, pois que toda a santidade e perfeição do amor consiste em conformar-se a nossa vontade com a vontade de Deus. 

Quanto ao êxtase e ao arrebatamento, peçamos a Deus que nos livre do amor desregrado de nós mesmos e das criaturas, para nos atrair todos a si.

Quanto ao voo do espírito, roguemos a Deus a graça de vivermos desapegados do mundo e de fazermos como as andorinhas, que, nem mesmo para se alimentar, param no chão e voando tomam o seu alimento. Isto quer dizer que devemos nos servir destes bens temporais tanto quanto for necessário à vida, mas sempre voando, sem nos determos sobre a terra para procurar os prazeres mundanos. 

Quanto ao ímpeto do espírito, peçamos a Deus que nos dê coragem e fortaleza para fazermos violência a nós mesmos, quando for necessário, a fim de resistir aos assaltos dos inimigos, vencer as paixões e abraçar o sofrimento no meio de desconsolações e tédios do espírito.

Enfim, quando chega à chaga de amor, assim como a chaga com sua dor sempre renova a recordação do mal, do mesmo modo devemos pedir a Deus que nos fira o coração de tal sorte com o seu santo amor, a fim de que nos recordemos sempre de sua bondade e de seu afeto para conosco e assim vivamos ocupados sempre em amá-lo e agradecer-lhe com as nossas ações e afeto. Mas todas essas graças não se obtém sem a oração; e com a oração, contanto que seja humilde, confiante e perseverante, tudo se alcança. 

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A oração - Santo Afonso Mª de Ligório. Ed. Santuário, 1ª edição1987, 31ª impressão.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Nossa Senhora do Rosário




  Festa a 7 de outubro

 Na sua forma atual o Rosário tem por autor S. Domingos, fundador da Ordem dos Padres Pregadores ou Dominicanos, por uma revelação particular de Maria no ano de 1206.

No princípio do século XIII, quando os albigenses infestavam o sul da França, tendo produzido pouco fruto a pregação de zelosos missionários, voltou-se S. Domingos aflitíssimo, para a Ss. Virgem, pedindo-lhe instantemente que lhe inspirasse um meio de vencer a obstinação dos fanáticos e perigosos albigenses.

Maria, sempre bondosa e complacente, aparece ao seu servo e consola-o, ensinando-lhe a rezar o Rosário, que seria uma arma poderosíssima com que Domingos converteria grande número de pecadores.

O servo de Deus prega então outra vez, com novo ardor, propagando a devoção do Rosário; e as conversões se multiplicam com rapidez extraordinária.

Progrediu tanto esta devoção, que 50 anos depois da aparição de Nossa Senhora a S. Domingos milhares de hereges tinham voltado ao seio da Igreja, e milhares de pecadores tinham abraçado a penitência.

Dizem os autores contemporâneos de S. Domingos que ele converteu mais de cem mil almas depois que começou a ensinar a devoção do Rosário.

Depois da vitória de Lepanto, vitória esta obtida por uma particular proteção da Ss. Virgem, o Papa Pio V instituiu a festa de Nossa Senhora da Vitória.

Dois anos mais tarde, Gregório XIII, seu sucessor, mudou êste título pelo de Nossa Senhora do Rosário, transferindo a festa para o primeiro domingo de outubro. Atualmente a festa é celebrada a 7 do mesmo mês.

Talvez tenha sido Gregório XIII, portanto, quem deu êste novo título a Nossa Senhora, ou, por outra, quem o sancionou, pois é provável que já o usassem desde que Nossa Senhora apareceu a S. Domingos, ensinando-lhe a devoção do Rosário. 

Nossa Senhora do Rosário, livrai-nos das heresias!...

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Maria e seus gloriosos títulos, Edésia Aducci, editora Lar Católico, 1960, 2ª edição.

Foto: https://i.pinimg.com/originals/6d/e9/95/6de995a09927a2ca0db4dc9fe4e8b38d.jpg

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Nossa Senhora de Rancoudray



 Rancoudray - França


O Santuário de Nossa Senhora de Rancoudray é célebre no departamento da Mancha.

O seu atual Cura informou que os peregrinos contam-se aos milhares.

A origem deste título é bem antiga, pois remota à segunda metade do século XII, e provém de uma aparição de Nossa Senhora a um pastor, em um bosque de aveleiras. 

Antigamente "ran" significava "carneiro", e "coudray" é a corrupção da palavra "coudrier", aveleira.

As grandes peregrinações são feitas principalmente durante o mês de maio e no dia da Ascensão do Senhor. 

As grandes peregrinações são feitas principalmente durante o mês de maio e no dia da Ascensão do Senhor.

Muitas graças são obtidas pelas pessoas que para lá se dirigem isoladamente ou em grupos ou em romarias.

(Versão do livro "Mille Pèlerinages de Notre-Dame", de I. Couturier de Chefdubois.)


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Maria e seus gloriosos títulos, Edésia Aducci, editora Lar Católico, 1960, 2ª edição.

Foto: Igreja Saint Clement Rancoudray - França.

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1a/FranceNormandieSaintClementRancoudrayStClementEglise.jpg/640px-FranceNormandieSaintClementRancoudrayStClementEglise.jpg

sábado, 10 de fevereiro de 2024

As condições da oração

                                                             

                                                                   Livro: A Oração - Cap. III

Santo Afonso Maria de Ligório
              (1696-1787)

 Bispo e Doutor da Igreja

Editora Santuário, 1ª ed, 1987, 31ª imp. 2016.


 I - Por quem e o que devemos pedir



1. As condições da oração

Jesus Cristo fez-nos a seguinte promessa: "Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa a meu Pai, em meu nome, Ele vo-la dará" (Jo 16,23). Muitos, diz São Tiago, pedem e não recebem, porque pedem mal: "Pedis e não recebeis porque pedis mal" (Tg 4,3). São Basílio, explicando as palavras do Apóstolo, diz: "Pedes e não recebes, porque tua oração foi malfeita ou sem fé, sem devoção ou desejo; ou porque pediste coisa que não se referia à tua salvação eterna, ou pediste sem perseverança". Por isso Santo Tomás reduziu a quatro as condições requeridas na oração, para que obtenham o seu fruto: isto é, que o homem peça para si coisas necessárias à salvação, com devoção e com perseverança. 


2. A primeira condição da oração é que rezemos por nós mesmos

Pois o Doutor Angélico julga que ninguém pode impetrar para outros, como mérito de justiça, a vida eterna e, por conseguinte, também as graças necessárias para a salvação deles, porque a promessa, diz ele, foi feita não para os que rezam para outros, mas os que rezam para si mesmos: Dar-se-vos-á. 

Não obstante, há muitos doutores que afirmam o contrário, apoiados na autoridade de São Basílio, que ensina ter a oração infalivelmente o seu efeito, ainda que se reze pelos outros, contanto que esses não oponham uma resistência positiva. Estes escritores se baseiam sobre textos das Sagradas Escrituras: "Orai uns pelos outros, para serdes salvos, porquanto muito vale a oração perseverante do justo" (Tg 5,16). "Rezai pelos que vos perseguem e caluniam" (Mt 5,44). O melhor texto é de São João: "Se alguém vir seu irmão cometer um pecado, que não é de morte, peça e será concedida a vida àquele cujo pecado não é de morte" (1Jo 5,16). As palavras: Cujo pecado não é de morte, Santo Agostinho, Beda, Ambrósio e outros explicam que se devem entender do pecador, que não quer viver obstinado até a morte; pois, para tal pecador, seria necessário uma graça muito extraordinária. Quanto aos outros pecadores, não atingiriam um grau tão alto de maldade, se alguém rezar por eles, promete-lhe, o Apóstolo, a conversão deles: "Peça e será dada a vida ao pecador". 


3. As orações pelos outros, mormente pelos pecadores, são muito agradáveis a Deus

Não se duvida, entretanto, que as orações que fazemos pelos outros, mormente pelos pecadores, sejam muito agradáveis a Deus. O Senhor queixa-se de seus servos, que não rezam pelos pecadores. Um dia, lamentava-se Nosso Senhor a Santa Maria Madalena de Pazzi, a quem disse: "Vede, minha filha, como caem os cristãos nas mãos do demônio; se os meus escolhidos não os livrassem por suas orações, seriam tragados por ele". De um modo todo especial, porém, Nosso Senhor deseja e exige isso dos sacerdotes e religiosos. Por isso, dizia muitas vezes a santa às suas religiosas: "Irmãs, Deus nos separou do mundo, não somente para fazermos bem a nós mesmas, mas também para procurarmos aplacar sua ira contra os pecadores". Falou-lhe, uma vez, o Senhor: "Eu vos dei, a vós, esposas escolhidas, a cidade de refúgio (isto é, a Paixão de Jesus Cristo), para que tenhais onde recorrer para ajudar minhas criaturas; por isso, recorrei a ela e ali oferecei auxílio às minhas criaturas que perecem; sacrificai mesmo a vossa vida por elas". Pelo que a santa, inflamada de tanto zelo, oferecia a Deus, cinquenta vezes por dia, o sangue do Redentor pelos pecadores e se consumia em desejos por sua conversão, dizendo: "Que pena, Senhor! Como sinto ver que posso ajudar às tuas criaturas com o sacrifício de minha vida e, contudo, não poder realizá-lo!"

Ela, em todos os exercícios de piedade, recomendava os pecadores a Deus; e em sua vida se conta que não passava uma hora do dia em que não pedisse por eles. Frequentemente levantava-se à meia-noite e se dirigia à igreja, onde estava o Santíssimo Sacramento, para rezar pelos pecadores. Apesar de tudo isso, foi encontrada uma vez a chorar e, interrogada do motivo das lágrimas, respondeu: "Porque me parece que nada faço pela conversão dos pecadores". Chegou até a se oferecer a padecer as penas do inferno pela conversão deles, contanto que lá não tivesse de odiar a Deus. Frequentes vezes conseguiu ser atormentada de graves dores e enfermidades pela salvação dos pecadores. Rezava especialmente pelos sacerdotes, vendo que estes, com uma vida exemplar, seriam causa da salvação de muitos e com uma vida má levariam grande número à ruína e à perdição. Pedia a Nosso Senhor que a castigasse pelas culpas deles e dizia: "Senhor, fazei-me morrer tantas vezes e tornar à vida, até satisfazer por eles à vossa justiça". Em sua vida, conta-se que a santa, por suas orações, libertou de fato muitas almas das garras de Satanás.


4. Rezemos muito pela conversão dos pecadores!

Quis propositadamente dizer alguma coisa mais particular sobre o zelo desta santa. Enfim, todas as almas que amam sinceramente a Deus não cessam de rezar pelos pobres pecadores. E como é possível que uma pessoa que ama a Deus, vendo o amor que tem às almas e o que fez e sofreu por ela Nosso Senhor Jesus Cristo e o desejo que tem o Salvador que rezemos pelos pecadores, como é possível, digo, ver indiferente tantas almas vivendo sem Deus, feitas escravas do inferno e não se mover e se esforçar por pedir com insistência ao Senhor, queira conceder luzes e energias a estes infelizes, para saírem do estado em que se acham?

É certo que Deus não prometeu atender-nos, quando aqueles por quem rezamos se opõem à conversão. Entretanto, Nosso Senhor, por bondade e em atenção às orações de seus servos, dignou-se reconduzir ao caminho da salvação mesmo os pecadores mais obcecados e obstinados. Por isso, recomendemos sempre a Deus os pobre pecadores ao celebrarmos a santa Missa, na comunhão, na meditação e na visita ao Santíssimo Sacramento.

Diz um ilustre escritor que, rezando pelos outros, seremos atendidos mais prontamente do que quando rezamos por nós mesmos. Disse isso de passagem. Examinemos as outras condições da oração segundo Santo Tomás. 


5. A segunda condição

É que peçamos as graças necessárias à salvação, porque a promessa divina não foi dada para os bens temporais, que não são necessários à salvação da alma. Diz Santo Agostinho, explicando as palavras do Evangelho, em meu nome, anteriormente citadas, que "não se pede em nome do Salvador o que é contrário aos interesses de nossa salvação".


6. Motivos por que Deus muitas vezes parece não nos atender

Às vezes, pedimos algumas graças temporais e Deus não nos atende; mas não nos atende porque nos ama, diz o mesmo Doutor, e quer usar de misericórdia para conosco: "Quem pede a Deus humilde e confiantemente coisas necessárias para esta vida, ora é ouvido por misericórdia e ora não é atendido por misericórdia; pois, do que o doente tem necessidade, melhor sabe o médico do que o doente". O médico que se interessa pelo doente nunca permitirá coisas que lhe possam fazer mal.

Quantos, se fossem pobres ou doentes, não cometeriam os pecados que cometem sendo ricos e sadios! Por isso o Senhor nega a alguns, que lhe pedem a saúde do corpo ou os bens da fortuna, porque os ama, vendo que isso lhes seria ocasião de perderem a sua graça, ou ao menos de se entibiarem na vida espiritual. Contudo, não queremos dizer com isso que seja uma falta pedir a Deus as coisas necessárias à vida presente, contanto que estejam em relação com a salvação eterna, como pediu o sábio: "Dai-me, Senhor, unicamente o que for necessário para viver" (Pr 30,8). Não é uma falta, diz Santo Tomás, ter um cuidado moderado por estas coisas; proibido é desejar e procurar estes bens como principais e ter por eles um cuidado demasiado, como se formassem toda a nossa felicidade. Quando pedirmos a Deus bens temporais, devemos pedi-los com resignação e sob a condição de aproveitarem à alma. Se vemos que o Senhor não os concede, tenhamos por certo que os nega pelo amor que nos tem e porque prevê que vão prejudicar à salvação de nossa alma.


7. Quando Deus não atende é sempre para nosso próprio bem

Muitas vezes pedimos a Deus que nos livre de alguma tentação perigosa, e Deus não nos atende e permite que a tentação continue. Nesse caso, devemos entender que Deus assim permite para nosso próprio bem. Não são as tentações e maus pensamentos que nos afastam de Deus, mas sim o consentimento dado. Quando a alma tentada se recomenda a Deus e, com o seu auxílio, resiste aos ataques de seus inimigos, progride na virtude e une-se mais estreitamente a Ele. Esta é a razão por que o Senhor deixa de atendê-la. São Paulo pedia insistentemente ao Senhor que o livrasse das tentações impuras: "Permitiu Deus que sentissse em minha carne um estímulo, que é o anjo de Satanás, para me esbofetear; por cuja causa roguei ao Senhor três vezes que o afastasse de mim" (2Cor 12,7). Mas o Senhor respondeu: "Basta-te a minha graça".

Devemos, pois, nas tentações pedir a Deus com resignação, dizendo: Senhor, livrai-me deste tormento, se assim for conveniente para minha salvação; senão, dai-me ao menos o auxílio para resistir-lhe.

Devemos lembrar aqui o que diz São Bernardo, que, quando pedimos a Deus alguma graça, Ele nos dá a graça pedida ou outra melhor. Deus muitas vezes nos deixa sofrer no meio da tempestade, a fim de provar a nossa fidelidade e para o nosso maior proveito. Parece, então, surdo às nossas orações. Não! Estejamos seguros de que Deus nos ouve e nos ajuda ocultamente, dando-nos forças para resistirmos aos assaltos dos inimigos. Isto Ele nos assegura por boca do Salmista: "Na tribulação me invocaste e te livrei: eu te ouvi no escondido da tempestade; provei-te junto à água da contradição" (Sl 80,8).


8. Condições dadas por Santo Tomás

Finalmente eis as outras condições que Santo Tomás exige para a oração: Que se reze com devoção e perseverança. Com devoção, quer dizer, com humildade e confiança; com perseverança, quer dizer, sem deixar de rezar até a morte.  

Destas condições, pois, da humildade, confiança e perseverança, que são as mais necessárias à oração, importa falar de cada uma distintamente. 


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A oração - Santo Afonso Mª de Ligório. Ed. Santuário, 1ª edição1987, 31ª impressão.