Livro: A Oração - Cap. III
Santo Afonso Maria de Ligório(1696-1787)
Bispo e Doutor da Igreja
Editora Santuário, 1ª ed, 1987, 31ª imp. 2016.
I - Por quem e o que devemos pedir
1. As condições da oração
Jesus Cristo fez-nos a seguinte promessa: "Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa a meu Pai, em meu nome, Ele vo-la dará" (Jo 16,23). Muitos, diz São Tiago, pedem e não recebem, porque pedem mal: "Pedis e não recebeis porque pedis mal" (Tg 4,3). São Basílio, explicando as palavras do Apóstolo, diz: "Pedes e não recebes, porque tua oração foi malfeita ou sem fé, sem devoção ou desejo; ou porque pediste coisa que não se referia à tua salvação eterna, ou pediste sem perseverança". Por isso Santo Tomás reduziu a quatro as condições requeridas na oração, para que obtenham o seu fruto: isto é, que o homem peça para si coisas necessárias à salvação, com devoção e com perseverança.
2. A primeira condição da oração é que rezemos por nós mesmos
Pois o Doutor Angélico julga que ninguém pode impetrar para outros, como mérito de justiça, a vida eterna e, por conseguinte, também as graças necessárias para a salvação deles, porque a promessa, diz ele, foi feita não para os que rezam para outros, mas os que rezam para si mesmos: Dar-se-vos-á.
Não obstante, há muitos doutores que afirmam o contrário, apoiados na autoridade de São Basílio, que ensina ter a oração infalivelmente o seu efeito, ainda que se reze pelos outros, contanto que esses não oponham uma resistência positiva. Estes escritores se baseiam sobre textos das Sagradas Escrituras: "Orai uns pelos outros, para serdes salvos, porquanto muito vale a oração perseverante do justo" (Tg 5,16). "Rezai pelos que vos perseguem e caluniam" (Mt 5,44). O melhor texto é de São João: "Se alguém vir seu irmão cometer um pecado, que não é de morte, peça e será concedida a vida àquele cujo pecado não é de morte" (1Jo 5,16). As palavras: Cujo pecado não é de morte, Santo Agostinho, Beda, Ambrósio e outros explicam que se devem entender do pecador, que não quer viver obstinado até a morte; pois, para tal pecador, seria necessário uma graça muito extraordinária. Quanto aos outros pecadores, não atingiriam um grau tão alto de maldade, se alguém rezar por eles, promete-lhe, o Apóstolo, a conversão deles: "Peça e será dada a vida ao pecador".
3. As orações pelos outros, mormente pelos pecadores, são muito agradáveis a Deus
Não se duvida, entretanto, que as orações que fazemos pelos outros, mormente pelos pecadores, sejam muito agradáveis a Deus. O Senhor queixa-se de seus servos, que não rezam pelos pecadores. Um dia, lamentava-se Nosso Senhor a Santa Maria Madalena de Pazzi, a quem disse: "Vede, minha filha, como caem os cristãos nas mãos do demônio; se os meus escolhidos não os livrassem por suas orações, seriam tragados por ele". De um modo todo especial, porém, Nosso Senhor deseja e exige isso dos sacerdotes e religiosos. Por isso, dizia muitas vezes a santa às suas religiosas: "Irmãs, Deus nos separou do mundo, não somente para fazermos bem a nós mesmas, mas também para procurarmos aplacar sua ira contra os pecadores". Falou-lhe, uma vez, o Senhor: "Eu vos dei, a vós, esposas escolhidas, a cidade de refúgio (isto é, a Paixão de Jesus Cristo), para que tenhais onde recorrer para ajudar minhas criaturas; por isso, recorrei a ela e ali oferecei auxílio às minhas criaturas que perecem; sacrificai mesmo a vossa vida por elas". Pelo que a santa, inflamada de tanto zelo, oferecia a Deus, cinquenta vezes por dia, o sangue do Redentor pelos pecadores e se consumia em desejos por sua conversão, dizendo: "Que pena, Senhor! Como sinto ver que posso ajudar às tuas criaturas com o sacrifício de minha vida e, contudo, não poder realizá-lo!"
Ela, em todos os exercícios de piedade, recomendava os pecadores a Deus; e em sua vida se conta que não passava uma hora do dia em que não pedisse por eles. Frequentemente levantava-se à meia-noite e se dirigia à igreja, onde estava o Santíssimo Sacramento, para rezar pelos pecadores. Apesar de tudo isso, foi encontrada uma vez a chorar e, interrogada do motivo das lágrimas, respondeu: "Porque me parece que nada faço pela conversão dos pecadores". Chegou até a se oferecer a padecer as penas do inferno pela conversão deles, contanto que lá não tivesse de odiar a Deus. Frequentes vezes conseguiu ser atormentada de graves dores e enfermidades pela salvação dos pecadores. Rezava especialmente pelos sacerdotes, vendo que estes, com uma vida exemplar, seriam causa da salvação de muitos e com uma vida má levariam grande número à ruína e à perdição. Pedia a Nosso Senhor que a castigasse pelas culpas deles e dizia: "Senhor, fazei-me morrer tantas vezes e tornar à vida, até satisfazer por eles à vossa justiça". Em sua vida, conta-se que a santa, por suas orações, libertou de fato muitas almas das garras de Satanás.
4. Rezemos muito pela conversão dos pecadores!
Quis propositadamente dizer alguma coisa mais particular sobre o zelo desta santa. Enfim, todas as almas que amam sinceramente a Deus não cessam de rezar pelos pobres pecadores. E como é possível que uma pessoa que ama a Deus, vendo o amor que tem às almas e o que fez e sofreu por ela Nosso Senhor Jesus Cristo e o desejo que tem o Salvador que rezemos pelos pecadores, como é possível, digo, ver indiferente tantas almas vivendo sem Deus, feitas escravas do inferno e não se mover e se esforçar por pedir com insistência ao Senhor, queira conceder luzes e energias a estes infelizes, para saírem do estado em que se acham?
É certo que Deus não prometeu atender-nos, quando aqueles por quem rezamos se opõem à conversão. Entretanto, Nosso Senhor, por bondade e em atenção às orações de seus servos, dignou-se reconduzir ao caminho da salvação mesmo os pecadores mais obcecados e obstinados. Por isso, recomendemos sempre a Deus os pobre pecadores ao celebrarmos a santa Missa, na comunhão, na meditação e na visita ao Santíssimo Sacramento.
Diz um ilustre escritor que, rezando pelos outros, seremos atendidos mais prontamente do que quando rezamos por nós mesmos. Disse isso de passagem. Examinemos as outras condições da oração segundo Santo Tomás.
5. A segunda condição
É que peçamos as graças necessárias à salvação, porque a promessa divina não foi dada para os bens temporais, que não são necessários à salvação da alma. Diz Santo Agostinho, explicando as palavras do Evangelho, em meu nome, anteriormente citadas, que "não se pede em nome do Salvador o que é contrário aos interesses de nossa salvação".
6. Motivos por que Deus muitas vezes parece não nos atender
Às vezes, pedimos algumas graças temporais e Deus não nos atende; mas não nos atende porque nos ama, diz o mesmo Doutor, e quer usar de misericórdia para conosco: "Quem pede a Deus humilde e confiantemente coisas necessárias para esta vida, ora é ouvido por misericórdia e ora não é atendido por misericórdia; pois, do que o doente tem necessidade, melhor sabe o médico do que o doente". O médico que se interessa pelo doente nunca permitirá coisas que lhe possam fazer mal.
Quantos, se fossem pobres ou doentes, não cometeriam os pecados que cometem sendo ricos e sadios! Por isso o Senhor nega a alguns, que lhe pedem a saúde do corpo ou os bens da fortuna, porque os ama, vendo que isso lhes seria ocasião de perderem a sua graça, ou ao menos de se entibiarem na vida espiritual. Contudo, não queremos dizer com isso que seja uma falta pedir a Deus as coisas necessárias à vida presente, contanto que estejam em relação com a salvação eterna, como pediu o sábio: "Dai-me, Senhor, unicamente o que for necessário para viver" (Pr 30,8). Não é uma falta, diz Santo Tomás, ter um cuidado moderado por estas coisas; proibido é desejar e procurar estes bens como principais e ter por eles um cuidado demasiado, como se formassem toda a nossa felicidade. Quando pedirmos a Deus bens temporais, devemos pedi-los com resignação e sob a condição de aproveitarem à alma. Se vemos que o Senhor não os concede, tenhamos por certo que os nega pelo amor que nos tem e porque prevê que vão prejudicar à salvação de nossa alma.
7. Quando Deus não atende é sempre para nosso próprio bem
Muitas vezes pedimos a Deus que nos livre de alguma tentação perigosa, e Deus não nos atende e permite que a tentação continue. Nesse caso, devemos entender que Deus assim permite para nosso próprio bem. Não são as tentações e maus pensamentos que nos afastam de Deus, mas sim o consentimento dado. Quando a alma tentada se recomenda a Deus e, com o seu auxílio, resiste aos ataques de seus inimigos, progride na virtude e une-se mais estreitamente a Ele. Esta é a razão por que o Senhor deixa de atendê-la. São Paulo pedia insistentemente ao Senhor que o livrasse das tentações impuras: "Permitiu Deus que sentissse em minha carne um estímulo, que é o anjo de Satanás, para me esbofetear; por cuja causa roguei ao Senhor três vezes que o afastasse de mim" (2Cor 12,7). Mas o Senhor respondeu: "Basta-te a minha graça".
Devemos, pois, nas tentações pedir a Deus com resignação, dizendo: Senhor, livrai-me deste tormento, se assim for conveniente para minha salvação; senão, dai-me ao menos o auxílio para resistir-lhe.
Devemos lembrar aqui o que diz São Bernardo, que, quando pedimos a Deus alguma graça, Ele nos dá a graça pedida ou outra melhor. Deus muitas vezes nos deixa sofrer no meio da tempestade, a fim de provar a nossa fidelidade e para o nosso maior proveito. Parece, então, surdo às nossas orações. Não! Estejamos seguros de que Deus nos ouve e nos ajuda ocultamente, dando-nos forças para resistirmos aos assaltos dos inimigos. Isto Ele nos assegura por boca do Salmista: "Na tribulação me invocaste e te livrei: eu te ouvi no escondido da tempestade; provei-te junto à água da contradição" (Sl 80,8).
8. Condições dadas por Santo Tomás
Finalmente eis as outras condições que Santo Tomás exige para a oração: Que se reze com devoção e perseverança. Com devoção, quer dizer, com humildade e confiança; com perseverança, quer dizer, sem deixar de rezar até a morte.
Destas condições, pois, da humildade, confiança e perseverança, que são as mais necessárias à oração, importa falar de cada uma distintamente.
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A oração - Santo Afonso Mª de Ligório. Ed. Santuário, 1ª edição1987, 31ª impressão.
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