Livro: A Oração - Cap. III
Santo Afonso Maria de Ligório(1696-1787)
Bispo e Doutor da Igreja
Editora Santuário, 1ª ed, 1987, 31ª imp. 2016.
16. "Peça com fé e sem hesitação alguma!"
Admoesta-nos o Apóstolo São Tiago que, se quisermos alcançar alguma graça de Deus, por meio da oração, devemos fazê-lo com plena confiança e convicção de que vamos ser atendidos. Santo Tomás ensina que, assim como a oração tem a sua força meritória da caridade, do mesmo modo tem a eficácia de impetrar-nos as graças, da fé e confiança. A oração tem seu valor meritório da caridade; porém, a eficácia de impetrar-nos as graças, da fé e confiança. O mesmo ensina São Bernardo dizendo que só a nossa confiança é que nos obtém a misericórdia de Deus. "Só a confiança, ó Senhor, nos obtém a vossa comiseração". Agrada sumamente a Deus a nossa confiança em sua misericórdia, porque assim honramos e exaltamos aquela sua infinita bondade que Ele quis manifestar ao mundo nos criando. Alegrem-se, pois, ó meu Deus, dizia o real profeta, todos os que esperam em vós, pois eles serão eternamente bem-aventurados e vós eternamente habitareis com eles: "Alegrem-se todos aqueles que esperam em Vós; exultarão eternamente e Vós habitareis neles" (Sl 5,12). Deus protege e salva a todos os que confiam nele. Salva os que esperam nele. Quantas promessas não se encontram nas Escrituras feitas aos que esperam em Deus! "Todos os que nele esperam não pecarão" (Sl 33,23). Sim, porque diz Davi que o Senhor tem os seus olhos voltados para os que confiam em sua bondade, a fim de libertá-los, com o auxílio, da morte do pecado. E, em outro lugar, o próprio Deus afirma: "Porquanto em mim esperou, livrá-lo-ei, protegê-lo-ei... livrá-lo-ei e glorificá-lo-ei" (Sl 90,14-15). Note-se a palavra: porquanto em mim confiou, protegê-lo-ei, livrá-lo-ei dos inimigos e do perigo de cair e finalmente lhe darei a glória eterna. Falando Isaías dos que esperam no Senhor, diz: "Os que esperam no Senhor terão sempre forças novas, tomarão asas como de águia, correrão e não se fatigarão, andarão e não desfalecerão" (Is 40,31). "Deixarão de ser fracos e adquirirão em Deus uma grande força; não desfalecerão, nem sequer sentirão fadiga no caminho da salvação, mas correrão e voarão como águias" (Is 40,31). Vossa fortaleza está no silêncio e na esperança. Em suma, toda a nossa força, diz o mesmo Profeta, consiste em colocarmos toda a nossa confiança em Deus e em nos calarmos, quer dizer, em repousarmos nos braços de sua misericórdia, sem confiar em nossos esforços e nos meios humanos.
17. "Jamais se perdeu quem confiou em Deus"
Baseado nesta esperança tinha Davi por certo que nunca se perderia. "Ninguém esperou no Senhor que fosse confundido". (Eclo 2,11). "Em vós, Senhor, esperei; não serei confundido eternamente" (Sl 30,1). Porventura, pergunta Santo Agostinho, poderá Deus enganar-nos oferecendo-se para sustentar-nos nos perigos quando a Ele recorremos e, depois, retirando-se de nós, quando, de fato, recorremos a Ele? Davi chama bem-aventurado a quem confia no Senhor: "Bem-aventurado é o homem que espera em Vós" (Sl 83,13). E por quê? Porque, diz o Profeta, quem confia em Deus será sempre cercado pela misericórdia divina: "Ao que espera no Senhor, a misericórdia o cercará" (Sl 31,10). Sim, de tal modo será cercado de todos os lados e guardado por Deus que ficará seguro dos inimigos e do perigo de perder-se.
18. "Confiemos em Deus!"
Conservemos a confiança nele, diz o Apóstolo, porque assim poderemos esperar uma grande recompensa. Assim como for a nossa confiança, do mesmo modo serão as graças de Deus. "Uma grande confiança merece grandes coisas."
Escreve São Bernardo que a divina misericórdia é uma fonte imensa; e nós apanhamos as graças com os vasos da confiança; quem vier com um vaso maior poderá tirar maior número de graças. "Só nos vasos da confiança o Senhor deita o azeite de sua misericórdia." E, já antes, dissera o Profeta: "Venha, Senhor, sobre nós a vossa misericórdia, assim como temos esperado!" (Sl 32,22). Isto vemos realizado com o centurião, a quem o Redentor disse, louvando a sua confiança: "Vai e te seja feito assim como creste" (Mt 8,13). Revelou Nosso Senhor à Santa Gertrudes que "quem reza com confiança faz tanta violência a seu coração que o obriga a atender a tudo quanto pede". "A oração, diz São João Clímaco, faz violência a Deus, mas uma violência que lhe é cara e agradável".
19. "Aproximem-nos com confiança"
Aproximemo-nos, exorta São Paulo, com confiança, do trono da graça a fim de alcançarmos misericórida e de acharmos graça, para sermos socorridos oportunamente" (Hb 4,16). O trono da graça é Jesus Cristo, que está assentado à direita do Pai, não sobre um trono de justiça, mas de graça, para nos obter o perdão, se estivermos em estado de pecado, e o auxílio necessário para preservarmos, se estivermos na amizade de Deus. Para este trono devemos dirigir-nos sempre com confiança, mas com uma confiança firme e certa.
Quem, ao contrário, reza com uma confiança vacilante, não pense que alcançará alguma coisa, como afirma São Tiago: "Aquele que duvida é semelhante à onda do mar. Que é agitada e levada de uma parte para outra pela violência dos ventos; não pense esse homem que há de receber alguma coisa de Deus" (Tg 1,6-7). Não receberá nada, porquanto a sua dúvida entre confiança e desconfiança impedirá a misericórdia divina de ouvir as suas súplicas. "Não rezaste bem, como devias, porque rezando duvidastes, diz São Basílio; não recebeste a graça porque a pediste duvidando". Disse Davi que a nossa confiança deve ser inabalável como uma montanha, que não se move a qualquer sopro do vento: "O que confia no Senhor está firme como o monte de Sião" (Sl 123,1). O Senhor nos adverte que se quisermos obter as graças que pedimos, devemos fazê-lo com fé: "Todas as coisas que pedirdes orando, crede que a recebereis, e que assim vos sucederá" (Mc 11,24). Qualquer que for a graça que pedirdes, estais certos que sereis atendidos.
20. Qual é o fundamento desta confiança?
Mas, dirá alguém, em que posso eu, miserável, fundamentar esta minha confiança certa de obter o que peço? Em que coisa? Na promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Pedi e recebereis" (Jo 16,24). Quem poderá recear de ser enganado, se é a própria verdade quem o promete? - Diz Santo Agostinho. Como podemos duvidar de sermos atendidos quando Deus, a própria Verdade, promete conceder-nos o que pedimos na oração? "Não nos admoestaria a pedir, diz o mesmo Santo Doutor, se não nos quisesse ouvir". Mas é isto o que Ele tanto nos inculca e tantas vezes repete na Sagrada Escritura: "Pedi, orai, buscai e obtereis tudo quanto desejardes". Pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á feito.
E para rezarmos com a devida confiança, ensina-nos o Salvador na oração do Pai-Nosso que, ao recorremos a Deus, a fim de recebermos as graças necessárias para a nossa salvação, as quais estão todas no Pai-Nosso, chamemos a Deus não de Senhor, mas sim de Pai: Pai, nosso. Quer um filho doente e pobre pede o alimento e o remédio a seu pai. Se um filho está para morrer de fome, o pai logo o socorrerá, e se for mordido de um serpente venenosa, basta mostrá-la ao pai para que ele aplique o remédio que já tem preparado.
21. Esperemos contra a esperança!
Confiados, pois, nas diversas promessas, peçamos sempre com uma confiança inabalável, como diz o Apóstolo: "Conservemos firmes a promessa da nossa esperança, porque fiel é o que fez a promessa" (Hb 10,23). Portanto, como é certo que Deus é fiel em suas promessas, assim também certa deve ser a confiança de sermos atendidos por Ele, quando o invocarmos. E, ainda que, às vezes, ou por nos acharmos em estado de aridez espiritual, ou por estarmos perturbados com qualquer falta cometida, não sintamos na oração aquela confiança sensível que tanto desejávamos; contudo nos esforcemos por pedir e não por deixar de pedir, porquanto Deus não deixará de nos atender. Mas nos ouvirá mais depressa, porque então rezaremos com maior desconfiança de nós e confiaremos só na bondade e fidelidade de Deus que prometeu atender a quem o invocar. Oh! como é agradável a Nosso Senhor a nossa esperança no tempo de tribulações, temores e tentações, quando esperamos contra a esperança, quer dizer, contra aquele sentimento de desconfiança causado por nossa desolação. O Apóstolo elogia o patriarca Abraão com as seguintes palavras: "Creu na esperança, contra toda a esperança" (Rm 4,18).
22. A confiança nos torna santos
Diz São João que quem confiar incondicionalmente em Deus se torna santo. "E todo o que tem esta esperança nele santifica-se a si mesmo, assim também como Ele é santo" (1Jo 3,3). É porque Deus derrama fartamente suas graças sobre todos o que nele confiam. Com esta confiança, tanto mártires, tantas virgens, tantas crianças, apesar dos horríveis tormentos infligidos pelos tiranos, saíram vencedores.
Às vezes, pedimos e parece que Deus não quer ouvir-nos, mas não deixemos, então, de pedir e esperar. Digamos, então, como Jó: "Mesmo que Deus me tirasse a vida, eu esperaria nele" (Jó 13,15). Meu Deus, ainda que me expulsásseis de vossa presença, não deixaria de pedir-vos e de esperar em vossa misericórdia. Façamos assim e obteremos de Nosso Senhor tudo o que quisermos. Assim fez a mulher cananeia e obteve tudo de Jesus. Esta mulher tinha uma filha atormentada pelo demônio e pediu a Nosso Senhor que a livrasse: "Tem compaixão de mim, pois minha filha está atormentada pelo demônio" (Mt 15,22). Nosso Senhor respondeu-lhe que não fora enviado para os gentios, mas sim para os judeus. Não desanimou a mulher e tornou a pedir com confiança: "Senhor, vós podeis consolar-me e vós haveis de me consolar: Senhor, ajudai-me". Jesus replicou: "Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães". "Mas, Senhor meu, acrescentou ela, também os cachorrinhos comem das migalhas da mesa dos donos". Então o Salvador, vendo a grande confiança dessa mulher, louvo-o e concedeu-lhe a graça, dizendo: "Ó mulher, grande é a tua fé; faça-se contigo como desejas!". "E quem, diz o Eclesiástico, jamais invocou o auxílio de Deus e Deus o desprezou e não o socorreu? Quem o invocou e foi por Ele desprezado?" (2,12).
23."A oração é uma chave que nos abre as portas do céu"
Diz Santo Agostinho que a "oração é uma chave que nos abre a porta do céu". No mesmo momento em que a nossa oração sobe para Deus, desce para nós a graça pedida. Escreveu o real Profeta que as nossas súplicas andam sempre ao lado da misericórdia divina: "Bendito seja Deus, que não rejeitou a minha oração, nem apartou a sua misericórdia de mim" (Sl 65,20). Diz por isso o mesmo Santo Agostinho que, quando estamos rezando, podemos estar certos de que estamos sendo atendidos. "Quando vires que a tua oração não se apartou de ti, podes estar certo de que tampouco a misericórdia divina se afastou de ti."
E eu, quanto a mim, falo a verdade e confesso que me sinto mais consolado no espiríto, e nunca sinto maior confança em salvar-me do que quando rezo e me recomendo a Deus. O mesmo penso que sentem todos os fiéis, pois todos os outros sinais de salvação que temos são incertos e falíveis. Mas que Deus atende a quem o invoca com confiança é verdade certa e infalível, como é infalível a verdade que Deus não pode faltar às suas promessas.
24. "Tudo posso naquele que me conforta"
Quando nos sentirmos fracos e incapazes de vencer qualquer tentação ou qualquer dificuldade em observar os mandamentos do Senhor, animemo-nos, dizendo com o Apóstolo: "Tudo posso naquele que me conforta" (Fl 4,13). Não imitemos os que dizem: "não posso, não tenho ânimo". É certo que nada podemos de nós mesmos, mas com o auxílio divino podemos tudo. Se Deus dissesse a alguém: "Toma aquele monte sobre teus ombros e carrega-o. Eu te ajudarei". Não seria um insensato quem respondesse: não tenho força para carregá-lo? Do mesmo modo, quando nos sentimos fracos e enfermos, combatidos por muitas tentações, não percamos o ânimo e levantemos os olhos a Deus e digamos com Davi: "O Senhor é meu amparo, desprezarei os meus inimigos" (Sl 117,6). Com o auxílio de Deus desprezarei e vencerei todos os meus inimigos. E quando estivermos em perigos de ofender a Deus ou em outra grave necessidade, e confusos não soubermos o que fazer, recomendemo-nos a Nosso Senhor, dizendo: "O Senhor é minha luz e a minha salvação; a quem temerei? (Sl 26,1). E fiquemos certos de que Deus nos esclarecerá e nos preservará de todo o mal.
25. "Mas sou pecador", dizem alguns
E na Escritura leio: "Deus não ouve os pecadores". Responde Santo Tomás com Santo Agostinho: "Esta palavra foi dita pelo cego de nascimento, quando não estava ainda bastante esclarecido, e por isso não tem valor".
Acrescenta Santo Tomás que essas palavras encerram uma grande verdade: trata-se do pecador que reza com o desejo de continuar a pecar; por exemplo, se pedisse a Deus auxílio para se vingar de um inimigo ou para fazer qualquer outra coisa má. O mesmo se entende do pecador que pede a Deus a sua salvação, sem nenhum desejo de sair do pecado.
Há de fato alguns que armam laços com que o demônio os prende como escravos. As orações destes não são atendidas por Deus, porque são orações temerárias e abomináveis. Não é uma temeridade pedir graças a um príncipe, a quem não só já se ofendeu, como também se pensa em ofender futuramente? Neste sentido devemos compreender o que disse o Espírito Santo que a oração daquele que não quer propositadamente ouvir o que Deus manda é aborrecida e detestável: "Daquele que desvia os seus ouvidos para não ouvir a lei, a oração será execrável" (Pr 28,9). A esses, diz Nosso Senhor: Podeis rezar quando quiserdes, afastarei de vós os meus olhos e quando multiplicardes as vossas orações, não vos atenderei" (Is1,15). Tal foi a oração do ímpio rei Antíoco, que pedia a Deus e prometia grandes coisas, mas hipocritamente, tendo o seu coração preso ao pecado; rezava só para evitar o castigo que estava iminente e por isso Nosso Senhor não ouviu os seus rogos e permitiu que fosse comido por vermes e morresse de uma morte desgraçada. Este malvado rezava, mas não podia receber misericórdia.
26. Outros pecam por fraqueza ou por um ardente assalto da paixão
Outros que pecam por fraqueza ou por um ímpeto de alguma paixão e gemem sob o jugo do inimigo, desejando romper aquelas cadeias de morte e sair daquela miserável escravidão, rezam e pedem o auxílio de Deus; a oração deles, se for constante, será atendida por Deus: "Todo o que pede recebe, e quem busca acha" (Mt 7,8); todo, isto é, (como explica o autor da "Obra imperfeita"), tanto o justo como o pecador.
No evangelho de São Lucas, Nosso Senhor fala do homem que deu todos os pães que tinha ao amigo, não por amizade, mas para ser livre da importunação, e diz: "Se o outro perseverar em bater, digo-vos, ainda que ele não se levante para dar-lhes os pães, por ser seu amigo, pelo menos vai levantar-se por causa da amolação. E vai dar tudo o que o amigo precisa. Por isso vos digo: Pedi e dar-se-vos-á, buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á" (L 11,8). A oração constante obtém misericórdia de Deus, mesmo para os que não são seus amigos.
"O que não se alcança pela amizade, diz São João Crisóstomo, alcança-se pela oração". O mesmo santo chega a dizer: "A oração vale mais diante de Deus do que a amizade". São Basílio não duvida de que os pecadores obtenham o que pedem, contanto que peçam com perseverança. O mesmo diz São Gregório: "Clame o pecador a Deus e a Ele chegará a sua oração". São Jerônimo escreve que também o pecador pode chamar a Deus de seu pai, se lho pede para que o aceite de novo por filho, a exemplo de filho pródigo, que, antes de pedir perdão, chamou-o com o nome de pai: "Pai, pequei". Se Deus não atendesse os pecadores, diz Santo Agostinho, em vão teria o publicano pedido perdão, dizendo: "Tende, Senhor, piedade de mim, pecado" (Lc 18,14).
27. Deus ouve a oração dos pecadores
Quem tratou esta questão mais detalhadamente foi Santo Tomás e ele não hesita em dizer que também o pecador é atendido quando reza. O santo afirma que a oração do pecador, embora não seja meritória, tem não obstante a virtude de impetrar graças, porque a concessão de graças não vem da justiça, o impetrar depende da bondade de Deus: "O merecer depende da justiça, o impetrar depende da bondade de Deus". Justamente neste sentido pedia Daniel: "Inclinai, meu Deus, vosso ouvido e escutai, porque, prostando-nos em terra diante de vossa face, não fazemos estas deprecações fundados em algum merecimento de nossa justiça, mas na multidão de vossas misericórdias" (9,18).
Quando oramos, diz Santo Tomás, para obtermos as graças que pedimos, não é necessário sermos amigos de Deus: "A própria oração nos torna seus amigos". Uma bela razão traz São Bernardo, dizendo que esta súplica do pecador, de poder sair do pecado, provém do desejo de voltar à graça de Deus. Se Deus, diz o Santo, inspira ao pecador tal desejo, é um sinal de que quer atendê-lo: "Para que daria a Deus um tal desejo, se não o quisesse atender?". Na Escritura há muitos exemplos de pecadores que se converteram pela oração. Assim, livrou-se do pecado o rei Acab, assim Manasses, assim Nabucodonosor, assim também o bom ladrão. Ah! Como é grande e poderosa a oração! Dois pecadores no alto do Calvário morrem ao lado de Jesus. Um se salva porque reza, outro se perde porque não reza!
28. Nenhum pecador arrependido pediu ao Senhor benefícios, sem receber o que desejava
"Nenhum pecador arrependido pediu ao Senhor benefícios, sem receber o que desejava", diz São Crisóstomo. Mas para que alegar mais razões e autoridades, desde que o próprio Jesus Cristo disse: "Vinde a mim a todos o que trabalhais e vos achais carregados e eu vos aliviarei" (Mt 11,28). Segundo São Jerônimo, Santo Agostinho e outros, "carregados" são geralmente os pecadores que gemem sob o peso de suas culpas. Se recorre a Deus, Ele, conforme sua promessa, os salvará, com o auxílio de sua graça.
"Tu não desejas tanto o perdão de teus pecados, quanto Deus deseja perdoar-te", São João Crisóstomo. Não há graça, acrescenta o mesmo Santo, que não se obtenha pela oração ainda feita pelo pecador mais miserável, contanto que seja confiante e assídua. Notemos bem o que diz São Tiago: "Se alguém necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos, sem impropérios" (Tg 1,5). Todos quantos recorrem a Deus pela oração são atendidos por Ele e cumulados de graças. A todos dá liberalmente. Mas consideremos bem as palavras "sem impropérios". Isto quer dizer que Deus não faz como os homens: Quando alguém nos pede um favor, se fomos ofendidos antes, censuramos a injúria recebida. Deus não procede dessa forma com quem o invoca, ainda que fosse o maior pecador do mundo. Quando ele lhe pede qualquer graça necessária à salvação, não o acusa das ofensas feitas, mas o recebe como se nunca tivesse sido ofendido por ele, consola-o, atende-o e prodigamente o enriquece de dons.
29. Rezemos, rezemos muito!
Foi principalmente para nos indicar a rezar que o Redentor disse: "Em verdade, em verdade, vos digo: se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, Ele vo-la dará" (Jo 16,23). É como se dissesse: Ó pecadores, não desanimeis; que os vossos pecados não vos detenham de recorrer a meu Pai e esperar dele a vossa salvação! Não tendes merecimentos, mas deméritos. Aproximai-vos do Pai em meu nome e impetrai as graças desejadas pelos merecimentos. Eu vos prometo e juro ("em verdade, em verdade", palavras que, segundo Santo Agostinho, são uma espécie de juramento), que meu Pai vos concederá tudo quanto pedirdes. Ó Deus! que maior consolação pode ter um pecador, depois de sua queda, do que a de saber, com certeza, que receberá tudo quando pedir a Deus em nome de Jesus Cristo?
30. Receberá tudo
"Receberá tudo" quer dizer: aquilo que se refere à salvação eterna; porque, quanto aos bens temporais (já dissemos anteriormente), ainda que os peçamos, o Senhor às vezes não no-lo concede, porque sabe que esses bens causariam dano à nossa alma.
Mas quanto aos bens sobrenaturais, a sua promessa de atender-nos não é condicional, mas absoluta. Por isso nos adverte Santo Agostinho: "O que Deus prometeu, pedi confiadamente". E como, escreve o Santo, jamais poderá o Senhor negar-nos coisa alguma, quando lhe pedimos com confiança, sendo que Ele deseja mais dar-nos as suas graças do que nós recebê-las.
31. Deus se irrita contra nós
"Deus só se irrita contra nós quando deixamos de rezar", diz São João Crisóstomo. Como pode ser que Deus não queira atender a uma alma que lhe pede coisa que lhe são muitíssimo agradáveis? A alma lhe diz: Senhor, não quero bens terrenos, riquezas, prazeres, honras, mas peço-vos unicamente o vosso amor; livrai-me do pecado, dai-me a vossa santa amizade (graça que, segundo São Francisco de Sales, deve-se pedir antes de todas as outras), dai-me resignação à vossa vontade... Como é possível que Deus não atenda? E que súplicas atendereis, Senhor, diz Santo Agostinho, se não atendereis as que são tanto do vosso gosto?
Mas, sobretudo, deve-se avivar a nossa confiança, quando pedimos a Deus bens espirituais, como disse Nosso Senhor: "Se vós, que sois maus, sabeis dar o que é bom aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem" (Lc 11,13). Se vós, diz o Redentor, tão apegados aos vossos interesses e tão cheios de amor próprio, não negais aos vossos filhos o que pedem, quanto mais o Pai do céu, que vos ama acima de qualquer pai terrestre, vos dará bens espirituais quando lhe pedirdes!
A oração - Santo Afonso Mª de Ligório. Ed. Santuário, 1ª edição1987, 31ª impressão.
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