quinta-feira, 16 de junho de 2022

Riso incrédulo




 Ano 596 - Roma 


Certa matrona romana, de importante família patrícia, costumava enviar ao bem-aventurado Papa São Gregório Magno* as hóstias que ela mesma fazia para o santo sacrifício da Missa, mostrando-se nessa obra muito solícita e cuidadosa. 

O espírito maligno, capital inimigo de tudo o que é bom, e que segundo a expressão do Apóstolo São Pedro anda ao redor de nós como o leão que ruge aguardando o momento de agarrar a presa, julgou conveniente perturbar a senhora, primeiro com tentações de vanglória, em seguida com impertinentes dúvidas acerca da fé no Santíssimo Sacramento, e finalmente fazendo com que, sem deixar as práticas piedosas, caísse em manifesta incredulidade. 

Com efeito, aconteceu que um dia, estando esta senhora ajoelhada no altar para receber a Comunhão das mãos de São Gregório, no momento solene em que o santo Pontífice ia dar-lhe a Sagrada Hóstia dizendo aquelas palavras da antiga Liturgia: "o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo guarde tua alma para a vida eterna", pôs-se a rir a referida senhora como se tivesse perdido a fé e a devoção. 

Ao dar-se conta disso, imediatamente o Santo retirou a mão e pôs sobre o altar a Hóstia consagrada. Acabada a Missa, o Pontífice perguntou diante de todo o povo à senhora a causa de seu riso naquela ocasião tão imprópria. Surpreendida pela pergunta ela não se atreveu logo a declarar o motivo, mas depois de algum tempo disse: 

- Estou rindo porque vós me dizeis que esse pão que eu própria amassei é o Corpo de Cristo. 

Escandalizado com essa resposta, São Gregório se pôs no mesmo instante com todo o povo a rezar ao Senhor para que iluminasse com sua divina luz aquela mulher incrédula. 

Mal acabaram a fervorosa oração, sucedeu uma maravilha, e foi que a Hóstia sacrossanta deixou-Se ver em carne humana, e nesta forma, diante do povo ali congregado, A mostrou também o Santo Pontífice à mulher. Esse prodígio a converteu, no mesmo momento, à fé na Eucaristia e confirmou nessa fé a todos os presentes.

Diante de tão grande milagre determinaram continuar rezando, o que se fez com extraordinário recolhimenton e fervor, até que se viu que aquela Carne Se reduziu novamente à forma de hóstia que antes tinha. E, tomando-A o santo Pontífice em suas mãos, a deu em comunhão à senhora; e glorificaram todos ao Supremo Criador, que Se dignou obrar tais maravilhas para que uma alma recuperasse a fé no Santíssimo Sacramento.

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São Gregório Magno, Papa, Confessor e Doutor da Igreja, é considerado o último dos Papas do antigo Império Romano e o primeiro dos Papas medievais. Teve que enfrentar a peste e a fome em Roma, bem como a devastação produzida pelos invasores Lombardos, que chegaram a assediar a cidade e só foram contidos graças à diplomacia do Pontífice. Apesar dessas dificuldades, seu Pontificado é tido a justo título como um dos mais fecundos e grandiosos da História da Igreja. Entre muitas outras realizações, São Gregório reformou o Clero e deu impulso considerável à vida monástica em todo o Ocidente, incentivando a adoção da Regra de São Bento; empenhou-se pela conversão da Inglaterra, para lá enviando Santo Agostinho de Cantuária; combateu eficazmente as muitas heresias que grassavam na Europa, na África e no Oriente; combateu com firmeza a prepotência do patriarca de Constantinopla, o qual, apoiado pelo imperador bizantino, contestava o Primado de Roma; conseguiu, com esforço diplomático e apostólicos, aproximar da verdadeira Fé reinos bárbaros pagãos, ou dominados pela heresia ariana. Reformou, ademais, a Liturgia Romana, e fundou uma escola de canto sacro que influenciou toda a Europa, nela propagando o que ficou sendo conhecido como Canto Gregoriano. Zelou ainda pelos bens da Igreja, até então dispersos e mal administrados; é a ele que se deve a primeira organização sistemática do Patrimônio de São Pedro. Sem embargo de tão intensa e variada atividade e de sua má saúde, nos 14 anos de seu pontificado, não abandonou os estudos teológicos e místicos, e escreveu diversas obras de espiritualidade que tiveram e ainda têm grande influência. Faleceu no ano de 604.


(Diáconos Paulo e João, Vida de San Gregório Magno, liv. 2, cap. 21).

Pe. Manuel Traval y Roset S.J. - Milagres Eucarísticos

O pão dos hereges


 


Ano 400 - Constantinopla


São João Crisóstomo*, esclarecido luminar de seu século, foi chamado "Crisóstomo" devido às torrentes de sagrada eloqüência que fluíam de seus lábios; e foi também chamado "martelo da heresia". devido à eficácia e vigor de sua argumentação em defesa da Fé católica. 

Conseguiu, com sua pregação, converter inúmeros hereges macedônicos. O Senhor permitiu que acontecesse um fato maravilhoso com uma mulher que se obstinava em permanecer filiada aos sectários, e tal fato determinou por fim sua perfeita conversão. 

As verdades católicas expostas por Crisóstomo mostravam-se tão evidentes ao marido dessa mulher, que lhe pareceu que não deveria tolerar por mais tempo que sua esposa professasse os perniciosos erros da heresia. 

Procurava persuadi-la a renunciar a eles e abraçar a verdadeira Fé católica, mas nenhum fruto tirava de seus conselhos nem de suas longas discussões, porque era grande a tenacidade com que ela aceitava as opiniões heréticas. 

Afinal, esgotados todos os meios de conduzi-la ao bom caminho, ameaçou de separar-se dela se não acedesse aos seus desejos, seguindo o bom exemplo que lhe tinha dado.

A mulher, para obedecer ao marido na aparência, mas perseverando na sua obstinação, lhe disse que faria o que mandava; mas, combinando antes com uma criada sua, foi a um templo de hereges e, tomando o pão falsamente consagrado que davam a seus adeptos, deu-o à criada para que o guardasse; em seguida foi à igreja dos católicos com seu marido, para comunhar e assegurar-lhe que já era católica, e recebendo a Sagrada Hóstia, fingindo que se inclinava para orar, deu-a à criada que estava ao seu lado, e tomou dela o pão recebido dos hereges, o qual imediatamente se transformou em pedra. 

A desventurada mulher, atônita e fora de si, procurar São João Crisóstomo para narrar-lhe o que lhe tinha acontecido, e ele a converteu à Fé católica e publicou o milagre, conservando-se em Constantinopla, para perpétua memória, aquela pedra em que o pão dos hereges se tinha convertido.


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*São João Crisóstomo, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja, passou alguns anos como eremita solitário no deserto e depois foi sacerdote em Antioquia. Nomeado bispo e patriarca de Constantinopla, esforçou-se para moralizar o Clero, no qual havia desvios e escândalos, e chegou a depor bispos indignos. Denunciou também, corajosamente, abusos de autoridades civis. Despertou, por tudo isso, antipatias em pessoas poderosas, tanto na ordem espiritual quanto na temporal. Foi, em consequência, duas vezes desterrado e morreu no exílio, no ano de 407. Era amigo íntimo e tinha sido colega de estudos de São Basílio Magno. Sua eloqüência extraordinária lhe valeu o título de Crisóstomo, que em grego significa "Boca de Ouro" e a designação, pelo Papa São Pio X, como o patrono da eloqüência sagrada. É considerado um dos quatro grandes Doutores da Igreja Oriental e deixou uma produção intelectual abundante e variada, composta de aproximadamente 600 sermões e discursos. 


(Sozomeno, Vida de San Juan Crisóstomo, liv. 8, cap.5 - Baronius, Annales Ecclesiastici, t. 5, p. 126).

Pe. Manuel Traval y Roset S.J. - Milagres Eucarísticos


sábado, 4 de junho de 2022

São Pedro, Exorcista


 


2 de junho

Enquanto Pedro, Exorcista, estava detido na prisão por Arquêmio, a filha deste foi atormentada pelo demônio, o que provocou lamentações do pai, levando Pedro a lhe dizer que, caso ele acreditasse em Cristo, no mesmo instante sua filha recuperaria a saúde. Arquêmio falou: "Admira-me que seu Senhor seja capaz de libertar minha filha, se não pode libertar você, que sofre tanto por ele". Pedro respondeu: Meu Deus tem o poder de me tirar daqui, mas Ele quer, por meio de um sofrimento passageiro, fazer com que alcancemos a glória eterna". Arquêmio: "Se depois que eu duplicar a quantidade de correntes que o prendem, seu deus puder libertá-lo e curar a minha filha, acreditarei em Cristo". 

Depois de assim ter sido feito, São Pedro, vestido de branco e empunhando uma cruz apareceu a Arquêmio, que se jogou a seus pés, e sua filha ficou curada. Ele e todos de sua casa receberam o batismo, e depois libertou os prisioneiros que quisessem se tornar cristãos. Muitos aceitaram e foram batizados pelo bem-aventurado padre Marcelino. 

Ao saber disso, o prefeito ordenou que todos os prisioneiros fossem levados até ele. Arquêmio reuniu-os, beijou-lhes as mãos e disse que se algum deles desejasse o martírio, fosse sem medo, e quem não o quisesse podia se retirar são e salvo. Quando o juiz descobriu que Marcelino e Pedro haviam batizado muitas pessoas, mandou prender os dois em celas separadas. Marcelino foi colocado nu em cima de cados de vidro, em um lugar sem luz e água. Pedro foi encerrado em outra profundíssima masmorra, na qual ficou fortemente atado a um tronco. Mas um anjo do Senhor soltou Marcelino e Pedro, levou-os à casa de Arquêmio com a missão de, por sete dias, confortar o povo e depois se apresentarem ao juiz. Como este não os encontrou na prisão, mandou chamar Arquêmio e, diante de sua recusa em sacrificar, prendeu ele e sua mulher em uma cripta. Ao saberem do fato, os santos Marcelino e Pedro foram até o local e protegidos pelos cristãos ali ficaram sete dias, durante os quais São Marcelino celebrou a missa. Depois os santos disseram aos incrédulos: "Poderíamos ter libertado Arquêmio e nos esconder, mas não quisemos fazer isso". 

Mais tarde os pagãos mataram Arquêmio com a espada, enquanto sua mulher e filha eram esmagadas por pedradas. Marcelino e Pedro foram levados para a floresta negra (chamada a partir daí de floresta branca por causa de seu martírio), onde os decapitaram na época de Diocleciano, no ano do Senhor de 287. Como o carrasco, chamado Doroteu, viu anjos que levavam ao Céu as almas deles em trajes esplêndidos e ornados de pedras preciosas, também se fez cristão e morreu em paz algum tempo depois. 



Legenda Áurea, Jacopo de Varazze. p.465-6.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Santa Petronela



 31 de maio


Petronela, cuja vida foi escrita por São Marcelo, era filha do apóstolo Pedro. Ela era de beleza extraordinária e padecia de febre por vontade de seu pai. Um dia em que os discípulos estavam na casa do apóstolo, Tito perguntou-lhe: "Por que você, que cura todos os enfermos, permite que Petronela continue doente?". Pedro respondeu: 'Porque é melhor para ela". E para mostrar que não era impossível curá-la, disse-lhe: "Levante-se já, Petronela, e traga-nos algo para comer". Instantaneamente curada, ela levantou-se e serviu-os. Quando acabou, Pedro ordenou: "Petronela, volte para a cama". Ela assim o fez e imediatamente a febre voltou. Somente quando ela atingiu a perfeição no amor a Deus, ele a curou completamente. 

Apaixonado pela beleza dela, o conde Flaco pediu-a por esposa, ao que ela respondeu: "Se me deseja como esposa, mande umas virgens virem me acompanhar até a sua casa". Enquanto ele providenciava isso, Petronela consagrou-se ao jejum e à prece, recebeu o corpo do Senhor, deitou-se, e três dias depois migrou para o Senhor. Vendo-se enganado, Flaco procurou uma amiga de Petronela, Felícula, e intimou-a a se casar com ele ou imolar aos ídolos. 

Como recusou ambas as propostas, o prefeito mandou-a para a prisão, onde ela ficou sem comer e beber durante sete dias. Depois mandou torturá-la no potro¹, matá-la e jogar o corpo numa cloaca. Mas São Nicodemo à sua presença, e diante da recusa dele em sacrificar, surrou-o até a morte com chicotes de pontas de chumbo. Seu corpo foi jogado no Tibre, mas um clérigo chamado Justo tirou-o dali e sepultou-o de forma honrosa. 


¹ Conforme nota I do capítulo 25. 

Autor da pintura: Giovan Francesco Barbieri detto il Guercino

Legenda Áurea - Jacopo de Varazze 

Santo Urbano (Papa)


 25 de maio 

Urbano vem de "urbanidade", ou então de ur, "luz" ou "fogo", e de banal, "resposta". Foi "luz" pela honestidade de sua conduta, "fogo" por sua ardente caridade, "resposta" por sua doutrina. Foi "luz" porque esta é agradável à vista, imaterial na essência, celeste na origem, utilíssima no uso. Esse santo também foi amável na conversa, imaterial no desprezo pelo mundo, celeste na contemplação, útil na pregação. 

Urbano sucedeu ao papa Calisto em um período de enorme perseguição aos cristãos, quando se tornou imperador Alexandre, cuja mãe, Amaéia, havia sido convertida ao cristianismo por Orígenes. As súplicas maternas conseguiram que seu filho interrompesse a perseguição aos cristãos. Contudo Almáquio, o prefeito da cidade que mandara decapitar a bem-aventurada Cecília, continuou cruelmente a ameaçá-los. Ele encarregou um de seus oficiais, Carpásio, de diligentemente buscar Santo Urbano, encontrado por fim em uma gruta com três padres e três diáconos, e todos foram encarcerados. Almáquio acusou Urbano de ter, junto com a sacrílega Cecília e os ilustres Tibúrcio e Valeriano, convertido 5 mil homens. Ele também exigiu os tesouros de Cecília¹.

Urbano replicou: "Vejo que é mais a cupidez do que a veneração aos deuses que o leva a perseguir os santos. O tesouro de Cecília subiu ao Céu pela mão dos pobres". Enquanto ele e seus companheiros eram açoitados com chicotes de pontas de chumbo, Santo Urbano pôs-se a invocar o nome do Senhor, chamando-o de Elyon², o que levou o prefeito a comentar, sorrindo: "Esse velho quer se passar por sábio falando palavras desconhecidas". 

Como os torturadores não conseguiam superá-los, foram levados de volta à prisão, onde Santo Urbano batizou três tribunos que foram vê-lo, assim como o carcereiro Anolino. Ao ser informado de que este último tinha se tornado cristão, o prefeito mandou-o realizar sacrifícios e, diante da recusa, decapitou-o. Quando a Santo Urbano e seus companheiros, foram levados diante de um ídolo e forçados a lhe ofertar incenso. Mas Urbano fez uma oração e o ídolo caiu, matando 22 sacerdotes encarregados de manter aceso o fogo de seu culto. Os cristãos foram duramente torturados e a seguir forçados a sacrificar, mas escarraram no ídolo, fizeram na testa o sinal-da-cruz e, depois de terem dado beijos da paz uns nos outros, receberam a coroa do martírio. Foram decapitados sob o governo de Alexandre, por volta do ano do Senhor de 220. 

Imediatamente Carpásio foi possuído pelo demônio, blasfemou contra seus deuses e, contra a vontade, fez um grande elogio dos cristãos antes de ser sufocado pelo demônio. Ao ver isso, sua mulher, Armênia, a filha Lucina e toda a família receberam o batismo das mãos do santo padre Fortunato, e depois sepultaram honrosamente os santos corpos. 

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1. Conforme o capítulo 163. 

2. A Vulgata traduz por "excelso": Salmos 46,3; 82,19; 96,9. Conforme Isidoro de Sevilha (Etimologias, VII, I, 9, ed. W. M. Lindsay, trad. J. Oroz Reta e M. A. Marcos Casquero, Madri, BAC, 1982, vol. I, pp. 624-7), este era o quinto nome que os hebreus davam a Deus. 


Legenda Áurea - Jacopo de Varazze