quinta-feira, 8 de junho de 2023

Estandarte Eucarístico



Ano 1238 - Daroca (Espanha)






Conquistadas à moirama as Ilhas Baleares, empreendeu D. Jaime I sua campanha contra os mouros de Valência. A oportunidade era muito favorável, pois pelejavam entre si dois emires mouros, mas a empresa se apresentava algo difícil pela superioridade numérica do exército inimigo. 

Confiando mais em Deus do que em suas próprias forças, apresentou-se D. Jaime em campanha, e imediatamente as populações de Daroca, Calatayud e Teruel alistaram tropas que se uniram às hostes do ilustre Conquistador. Começou-se a conquista pela vila de Burriana, construindo-se logo um sólido castelo, perfeitamente entricheirado, e D. Berenguer de Entenza e D. Guillén de Aguillón foram encarregados de defender essa fortaleza, a partir do qual, com os contingentes das três referidas comunidades, não cessavam de hostilizar o inimigo. 

Zaén enviou contra ela quarenta mil soldados a pé, sem contar os montados a cavalo, para que entrassem nela a ferro e fogo e a arrasassem. Saiu para enfrentá-los D. Jaime, com quatro mil combatentes de infantaria e quatrocentos cavalos, travando-se então um terrível combate, no qual os defensores da Cruz obtiveram uma gloriosa vitória. Seguiu-se a esse triunfo a tomada da cidade de Valência, onde os valentes soldados de Daroca foram os primeiros a afixar a bandeira da Fé na Porta de Serranos. 

Prosseguindo a guerra, trataram, não obstante a justificada ausência de D. Jaime, de atacar o castelo de Chio, magnífica praça-forte que possuíam os sarracenos. Mas estes, diante do perigo, fizeram sair suas hostes, que logo conseguiram cercar o acampamento dos cristãos, colocando-os na alternativa de entregar-se ou morrer.

Naquela aflição, o general católico arengou os seus, exortando-os, com entusiasmo, a pelejarem com denodo, a rezarem um ato de contrição e a receberem os chefes a Sagrada Eucaristia. Imediatamente se dispôs o sacerdote, de nome Mateo Martínez, a celebrar o Santo Sacrifício, e logo depois da Consagração ressoaram os alaridos da moirama que se precipitava sobre os católicos, mas estes se levantaram, empunharam as armas, e ocorreu então o combate mais sangrento e progidioso de toda a campanha.

Nesse ínterim, o capelão consumiu a Hóstia do Sacrifício e correu a esconder numa gruta, envolta nos Corporais, as Hóstias consagradas. A luta se generalizou, e pelo espaço de três horas pelejaram os cristãos aragoneses com grande bravura, tornando-se vencedores e fugindo os mouros espavoridos à vista de tão inaudito valor. 

Depois do glorioso triunfo, apressou-se o capelão a recolher as sagradas Espécies, e ao abrir os Corporais, estando ajoelhados os cinco capitães com seu general para receber a Comunhão, observou com assombro que as Hóstias se tinham convertido em sangue...

Aqueles heróis, cheios de respeito e emoção, se inclinaram, as lágrimas correndo pelas faces, quando viram com seus olhos mortais o Sangue do próprio Redentor, que o Céu lhes dava como prêmio de sua invencível fé. Extasiados soldados e capitães com dom tão precioso, esqueceram-se das incertezas do passado combate e de que podia refazer-se o inimigo, quando de repente se viram novamente envoltos pelos raivosos sarracenos que desejavam vingar a afronta da sua vergonhosa derrota.

No momento de começar a peleja, o sacerdote havia celebrado o Santo Sacrifício hasteou sobre um pau aquele bendito Corporal, e posto de fé o mostrou aos combatentes.

Brilhantes com os reflexos do sol e açoitado pelos ventos, ondeava flutuando no azul dos céus aquele estandarte maravilhoso, colorido com o preciosíssimo Sangue de Jesus Cristo e despedindo de suas manchas avermelhadas raios de luz que infundiram terror e cegavam os mouros, ao mesmo tempo que davam ânimo aos cristãos. Desde o local do convento chamado hoje de Corpus Christi até o castelo de Chio foi tão geral o escarmento, que fora os poucos que fugiram, não ficou nenhum mouro com vida. 

Depois desse milagroso triunfo deixou finalmente a meia lua aquela região para não mais voltar a ela, devendo-se ao Santo Mistério, que ainda hoje se venera em Daroca, a completa reconquista de Aragão à moirama.

A respeito da posse do santo estandarte houve diversidade de pareceres. O general D. Berenguer pretendia que tão cobiçado tesouro ficasse em Valência, por ter ocorrido o prodígio em seu território. O capitão de Teruel o reclamava, porque suas tropas tinham sido as mais prejudicadas pelo inimigo; o de Calatayud, por ser o que maior contingente de soldados e bens dera para a guerra; e o de Daroca, por ser filho desta cidade o sacerdote que hasteou o santo estandarte.

Como todas as razões alegadas pareciam de muito peso, ninguém queria ceder o suposto direito; isso obrigou a que se lançasse sorte, e três vezes consecutivas elas foram favoráveis a Daroca. 

Entretanto, mesmo assim não ficariam satisfeitos os ânimos, e se combinou, de comum acordo, que fossem colocados os milagrosos Corporais num cofre precioso, sobre uma mula do exército inimigo, e que o animal seguisse, na marcha que tomasse, seu próprio instinto, sendo cedidos os Corporais à comunidade em cujo território a mula fosse ter. 

Fez-se conforme se havia determinado, e a cavalgadura tomou o caminho de Játiva, seguindo-a o capelão Mateo Martínez e uma boa parte do exército. Passando por Artiaza se realizou o milagre da cura de um endemoninhado, e na divisa com Aragão outras muitas maravilhas devidas ao Santo Mistério, que prodigalizava suas bondades pelos povoados por onde passava.

Entrou a mula em território aragonês seguindo em não interrompida carreira, sem comer nem beber, e depois de cinquenta léguas de jornada chegou no dia 7 de março de 1239 a Daroca, em frente à igreja de São Marcos, que mais tarde foi da Santíssima Trindade, e ali caiu de repente sem vida.

Ficou, pois, com a cidade de Daroca aquele Tesouro dos céus entre os vivas, regojizos e aclamações de seus filhos, que logo o transladaram com grande solenidade à igreja de Santa Maria, depositando-o nela como a glória maior de Aragão e o timbre mais prezado do Catolicismo.

Logo se fundou em Daroca uma capelania para que todos os dias se rezasse a Missa do Santíssimo Sacramento, e ordenou-se que nos dias 7 de março se fizesse a cada ano uma solene procissão com todo o regojizo, música e acompanhamento possíveis. E como os fiéis que acorriam a essa festa eram muito numerosos e não cabiam na povoação, foi erigida fora da cidade uma torrezinha, para a qual eram levados os santos Corporais, que um sacerdote expunha ao numeroso concurso de gente.

Fazia já vinte e três anos que assim se celebrava a festa, e para mais autorizá-la enviaram-se embaixadores ao Papa Urbano IV, a fim de impetrar graças e favores com que acrescentar mais e mais a devoção dos fiéis ao Santo Mistério. 

Estavam os delegados em Roma, quando sucedeu o milagre de destilar sangue uma Hóstia consagrada em Bólsena, e comovido o Sumo Pontífice por ambos os prodígios, e também por algumas revelações que os haviam precedido, instituiu em  1264 a festa de Corpus Christi, encomendando a São Tomás de Aquino que compusesse o ofício de tão solene festividade.

No átrio da igreja de Daroca, chamado dos Perdões, pelo qual entrou o Santo Mistério, costumava, oito dias antes da festa ou alguns depois, fixar-se um enxame de abelhas como sinal de que ali havia passado Jesus Cristo nosso Redentor. 

Quase todos os monarcas espanhóis, começando por D. Jaime I, o Conquistador, reverenciaram esse augusto Mistério, cumulando sua igreja de ofertas e honras até obter que fosse nomeada insigne Colegíada, e os Sumos Pontífices derramaram em seu favor o tesouro das maiores graças espirituais, sendo finalmente declarada Basílica pelo Papa Leão XIII.


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(Núnes, Antiguidades de Daroca, 1ª parte, cap. III - Lanuza, Historia Ecles. de Aragón, tomo I, liv. II, cap. XIII - Pe. Manuel Hernando del Castillo, Historia de la Orden de Predicadores, 1ª parte, tomo III, cap. XXVIII - Pe. Pedro Rivadeneira S.J., Flos Sanctorum).

Fonte: Milagres Eucarísticos, Padre Manuel Traval y Roset S.J.

Fonte da imagem: https://padrepauloricardo.org/blog/as-hostias-milagrosas-de-daroca

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