sexta-feira, 12 de maio de 2023

Trecho 13 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus





Enfim, também nos graus de graça e glória é preciso nos tornarmos uniformes com o divino querer: devemos estimar aquelas coisas que pertencem à glória de Deus, mas devemos estimar ainda mais a Sua divina vontade: devemos desejar amá-lo mais que os serafins; mas não devemos desejar maior grau de amor que não seja aquele que o Senhor tem determinado conceder-nos. O padre Ávila diz (Audi. Filia. C. 22) "Eu creio que os santos desejariam ser ainda melhores do que foram; porém esses desejos não perturbavam a paz de sua almas, porque eles, se assim o desejavam, não era por motivos de interesse próprio, mas para glória de Deus, a cujas distribuições se submetiam, ainda que Ele menos lhes desse; estimando como perfeito amor o estarem satisfeitos com o que Deus lhes tinha dado, e não apetecendo mais". Assim Rodriguez o interpreta (Trat. 8. C. 30) que, ainda que devamos ser diligentes em aspirar à perfeição até onde possamos chegar para não servir de escusa à nossa preguiça e tibieza, como alguns fazem, e dizermos: "Deus nos dará isto"; "eu posso fazer só isto"; contudo, quando faltamos nesta carreira, não devemos perder a nossa paz de espírito, nem a conformidade com a divina vontade, a qual permitiu nossa falta, humilhar-nos e arrepender-nos; e procurando maior auxílio em Deus, prosseguir nossa carreira. Por este modo, ainda que aspiremos a ser exaltados no Céu ao coro dos serafins, não por certo para termos maior glória, mas sim para dar a Deus, e amá-Lo ainda mais, todavia devemos resignar-nos à Sua santa vontade, contentando-nos com aquele grau que a Sua misericórdia se digne conceder-nos. Seria, pois, grande culpa desejar dons de sobrenatural oração e, particularmente, êxtase e revelações. Os mestres da vida espiritual nos ensinam, quando as almas são favorecidas com tais dons, que deveriam orar para serem privadas deles, para poderem amar a Deus pelo puro caminho da fé, o qual é mais seguro. Muitos têm  chegado à perfeição sem esses sobrenaturais favores; a virtude é bastante para elevar a alma à santidade, e principalmente à uniformidade com a vontade de Deus. E se Deus se não apraz de elevar-nos a um sublime grau de graça e glória, devemos conformar-nos à Sua santa vontade, pedindo-lhe que ao menos, por sua misericórdia, sejamos salvos. Se assim fizermos, a recompensa não será pequena, a qual o nosso bom Senhor derramará sobre nós pela Sua bondade, porque Ele ama acima de todos aqueles que se resignam às Suas determinações. Numa palavra, devemos olhar para tudo quanto nos acontecer como vindo das mãos de Deus. E a este fim se devem dirigir todas as nossas ações. Fazer a vontade de Deus; fazê-la porque é a Sua vontade. E para assim o observarmos mais seguramente, devemos deixar-nos guiar por nossos diretores, quanto ao interno, para melhor conhecermos a vontade de Deus a nosso respeito, tendo grande confiança nestas palavras de Jesus Cristo: "Aquele que vos ouve, a mim ouve" (Lc 10,16). E, sobretudo, devemos ser cuidadosos de servir a Deus por aquele caminho que Ele quer que sirvamos. Digo isto para evitar a ilusão de muitos, que se entretém com a ideia de que estão perdendo o seu tempo, e dizem: "Se eu estivesse em um deserto, se entrasse em um mosteiro, se eu estivesse em outra qualquer parte que não fosse esta, distante de parentes e companheiros, viria a ser santo; praticaria estas ou aquelas mortificações, e me entregaria todo à oração". Eles dizem "eu faria, eu faria", mas, no entanto, suportando involuntariamente a cruz que Deus lhes tem dado, não caminhando pela vereda que o Senhor lhes tem mostrado, não só não se tornam santos, mas fazem-se maus, péssimos. Estes desejos são muitas vezes tentações do Diabo; porque não são conformes a vontade de Deus; e devemos por isso rejeitá-los, e tomar ânimo para servirmos a Deus no caminho que Ele nos tem escolhido. Fazendo assim, viremos a ser santos, em qualquer estado de vida em que o Senhor nos tenha colocado. Queiramos, pois, sempre o que Deus quer, e fazendo assim Ele nos abraçará em Seu seio. Para este fim façamo-nos familiares com certas passagens da Escritura, as quais nos chamam a unir-nos em todo o tempo com a divina vontade: "Senhor, que queres tu que eu faça? Dizei-me, ó Deus, o que queres de mim, e eu cumprirei a tua vontade em todas as coisas, eu sou teu, salva-me" (Sl 118,94). Já não sou de mim mesmo, mas teu, ó Senhor, faze de mim o que for do teu agrado. Particularmente quando alguma pesada adversidade nos oprime, a morte dos parentes ou amigos, ou a perda de bens ou de reputação, digamos: "Sim, meu Pai, sim, meu Deus, porque assim vos é agradável". Sim, meu Pai e meu Senhor, assim seja feito, porque assim te agrada" (Mt 11,26). E, sobretudo, nos seja preciosa aquela oração que Jesus Cristo nos ensinou: Seja feita a tua vontade assim na terra como no Céu. Nosso Senhor disse à Santa Catarina de Gênova, que todas as vezes que recitasse o Pai Nosso, se demorasse particularmente nestas palavras, rogando-lhe que ela pudesse cumprir na terra a Sua santíssima vontade, com a mesma perfeição com que os bem-aventurados a cumprem no Céu. Façamos, pois, outro tanto, e seremos santos no Céu. 


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Minha Biblioteca Católica 

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