segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Tudo se acaba com a morte - parte II



Achando-se Filipe II, rei de Espanha, às portas da morte, mandou vir seu filho à sua presença e, abrindo o manto real com que se cobria, mostrou-lhe o peito já roído de vermes, dizendo: Príncipe, vede como se mede e como se acabam todas as grandezas deste mundo. Foi com razão que Teodoreto disse que a morte não teme riquezas, nem poder, nem púrpura; e que tanto os vassalos como os príncipes se tornam presa de corrupção. Assim, todo aquele que morre, ainda que seja príncipe, nada leva consigo ao túmulo. Toda a glória acaba no leito mortuário (Sl 48,18). 

Refere Santo Antônio que, na morte de Alexandre Magno, exclamara um filósofo: "Ai está quem ontem calcava a terra aos pés; hoje é pela terra oprimido. Ontem cobiçava a terra inteira; hoje basta-lhe um espaço de sete palmos. Ontem dirigia exércitos inumeráveis através do mundo; hoje uns poucos coveiros o levam ao túmulo". Mas escutemos, antes de tudo, o que disse o próprio Deus: "Por que se ensoberbece o pó e a cinza? (Eclo 10,9). Homem, não vês que és pó e cinza, de que te orgulhas? Para que te serve consumir teus anos e teu espírito em adquirir grandezas deste mundo? Virá a morte e então se dissiparão todas as grandezas e todos os teus projetos (Sl 145,4). 

Quão preferível foi a morte de São Paulo Eremita, que viveu sessenta anos em uma gruta, à de Nero, imperador de Roma! Quanto mais feliz a morte de São Félix, simple frade capuchinho, do que a de Henrique VIII, que passou sua vida entre as pompas reais, mas sendo inimigo de Deus! É preciso considerar, porém, que os Santos, para alcançar morte semelhante, abandonaram tudo: pátria, delícias e quantas esperanças o mundo lhes oferecia, para abraçarem a vida pobre e menosprezada. 

Sepultaram-se em vida sobre a terra, para não serem sepultados no inferno depois da morte. Como, porém, os mundanos podem esperar morte feliz, vivendo como vivem, em pecados, prazeres terrestres e ocasiões perigosas? Deus preveniu os pecadores que na hora da morte o procurarão e não o hão de achar (Jo 7,34). Disse que então já não será tempo de misericórdia, mas sim de justa vingança (Dt 32,15). 

A razão nos ensina esta mesma verdade, porque, na hora da morte, o mundano se achará fraco de espiríto, obscurecido e duro de coração pelos maus hábitos que contraiu; as tentações então manifestar-se-ão mais violentas, e ele, que em vida se acostumou a render-se e a deixar-se vencer, como resistirá naquele transe? Seria uma graça extraordinária e poderosa para lhe transformar o coração. Mas será Deus obrigado a lhe conceder? Ou talvez a mereceu pela vida desordenada que levou? E, no entanto, trata-se nessa ocasião da desdita ou da felicidade eterna. Como é possível, ao pensar nisto, que aquele que crê nas verdades da fé não renuncie a tudo para entregar-se inteiramente a Deus, que nos julgará segundo nossas obras? 


AFETOS E SÚPLICAS 

Ah, Senhor! quantas noites passei sem vossa graça! Em que estado miserável se achava então a minha alma! Vós a odiáveis, e ela queria vosso ódio! Estava condenado ao inferno; só faltava executar a sentença. 

Meu Deus, dignaste aproximar-vos de mim, incitando-me ao perdão. Mas quem me assegurará que agora já me haveis perdoado? Ó meu Jesus, devo viver nesse receio até que venhais julgar-me? Contudo, a dor que sinto de vos ter ofendido, meu desejo de amar-vos e sobretudo vossa Paixão, é Redentor meu, dão-me confiança de que me acho em vossa graça. Arrependo-me de vos ter ofendido, ó Soberano Bem, e amo-vos sobre todas as coisas. Prefiro perder tudo a perder a vossa graça e o vosso amor. Quereis que sinta alegria o coração que vos procura (1Cr 16,10). Detesto, Senhor, as injúrias que vos fiz; inspirai-me confiança e coragem. Não me lanceis em rosto minha ingratidão, que eu mesmo reconheço e destesto. Dissestes que não quereis a morte do pecador, mas que se converta e viva (Ez 33,11). Pois bem, meu Deus, renuncio a tudo e me converto à vós: é a vós a quem procuro, a vós a quem eu quero, a vós a quem eu amo sobre todas as coisas. 

Dai-me vosso amor e nada mais vos peço. 

Ó Maria, que sois minha esperança, alcançai-me a santa perseverança. 


Santo Afonso Maria de Ligório - Preparação para a morte, pg. 19-22. 

sábado, 14 de dezembro de 2024

Os pecados


 Do pecado em geral - o pecado original 


1. O pecado é a livre trangressão da lei de Deus; é pois qualquer pensamento, palavra, ação ou omissão contra a lei de Deus. 

2. Por lei de Deus entende-se não só lei que Ele mesmo deu, isto é o Decálogo, mas também qualquer lei humana tanto eclesiástica como civil porque Deus deu aos superiores a faculdade de fazerem leis. 

3. O pecado é o maior de todos os males, porque ofende à Deus que é o supremo bem, e porque dele provêm todos os males que sofremos nesta vida e na outra. 

4. Há duas espécies de pecado, o pecado original e o pecado atual ou pessoal. 

5. O pecado original é aquele com que nascemos e o temos como por herança do nosso primeiro pai Adão. 

6. Adão e Eva, os nossos primeiros pais, foram depois de criados colocados no paraíso terrestre, jardim delicioso, cheio de toda a sorte de árvores e de frutas, onde haviam de passar uma vida venturosa, trabalhando sem cansaço, louvando e engrandecendo a Deus, a serem depois transportados no céu sem morrerem para gozar da eterna felicidade. Os seus descendentes haviam de participar dessa fortuna, mas Adão e Eva perderam tanto bem pelo seu pecado e desobediência, comendo do fruto duma árvore, de que Deus lhes tinha proibido que comessem. 

7. Como se moveram eles a cometer este pecado de soberba e desobediência? Deixou-se Eva enganar pelo demônio que lhe disse que seriam como Deuses, e Adão seguiu o exemplo da mulher, comendo daquele fruto como ela. 

Para enganar Eva serviu-se o demônio duma serpente, e o espírito maligno obrou assim por inveja, querendo que os homens fossem infelizes como ele. 

8. Por essa desobediência Adão e Eva fizeram-se desgraçados a si e a sua posteridade, ficando incursos, por causa de sua culpa a muitas felicidades. 

Respectivamente ao corpo, foram reduzidos aos trabalhos, às infelicidades e à morte. Relativamente à alma contraíram a ignorância, a concupiscência, e o império do demônio. 

Relativamente a esta vida, foram excluídos do paraíso terrestre, e perderam o senhorio que tinham sobre todos os animais. Como se haviam rebelados contra Deus, tudo se rebelou contra eles. Adão e seus descendentes foram condenados a comerem o pão com suor do seu rosto. Pelo que toca a outra vida foi-lhes vedada a entrada no céu e tornaram-se dignos do inferno.

9. Adão e Eva foram causa da desgraça de seus descendentes comunicando-lhes o seu pecado e as consequências dele. 

10. Esta transmissão da culpa original e das suas consequências a todos os homens é um mistério. 

11. Encontramos porém na justiça humana exemplo semelhante de comunicação. Assim quando um homem é condenado a perder seus bens, perde-os para si e para os filhos e descendentes. 

12. Por um privilégio especial e para honra de Nosso Senhor que foi o seu filho. Maria Santíssima foi preservada do pecado original. 

13. O sacramento do Batismo nos lava do pecado original, mas não tira as consequências dele. Ficamos com a ignorância, a fraqueza da vontade para o bem, a concupiscência ou inclinação do pecado, as misérias da vida e a necessidade de morrer. 


Explicação da gravura

14. Representa a gravura Adão e Eva desodecendo a Deus e expulsos por um anjo do paraíso terrestre. 

15. No ângulo superior esquerdo vê-se a morte do Salvador que nos remiu do pecado e do inferno.

16. No ângulo superior direito vê-se um padre batizando uma criança para lembrar-nos que o batismo tira a culpa original.

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Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910 (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica).
Edição da Juventude Católica de Lisboa. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Tudo se acaba com a morte




 Finis venit; venit finis. 

O fim chega; chega o fim (Ez 7,6). 


Ponto I

Os mundanos só consideram feliz quem goza dos bens deste mundo: honras, prazeres e riquezas. Mas a morte acaba com esta ventura terrestre. "Que é vossa vida? É um vapor que aparece por um momento" (Tg 4,15). Os vapores que a terra exala, quando sobem ao ar, sob o efeito dos raios solares oferecem, às vezes, aspecto vistoso; mas quanto tempo dura essa aparência brilhante? Ao sopro do menor vento, tudo desaparece. Aquele poderoso do mundo, hoje tão acatado, tão temido, quase adorado, amanhã, quando estiver morto, será desprezado, olvidado e amaldiçoado. A morte obriga a deixar tudo. O grande servo de Deus Tomás de Kempis ufanava-se de ter construído uma casa magnífca. Um de seus amigos, porém, observou-lhe que notava um grave defeito. 

- Qual? - perguntou ele. 

- O defeito que encontro nela - respondeu-lhe o amigo - é que mandaste fazer uma porta.

- Como? - retorquiu o dono da casa - a porta é um defeito? - Sim - acrescentou o outro - porque virá o dia em que, por essa porta, deverás sair morto, deixando a casa e tudo o mais que te pertence. 

A morte, enfim, despoja o homem de todos os bens do mundo.

Que espetáculo ver arrancar este príncipe de seu próprio palácio para nunca mais entrar nele, e considerar que outros tomam posse de seus móveis, de seus tesouros e de todos os demais bens! Os servos deixam-no na sepultura coberto apenas com uma veste suficiente para cobrir-lhe as carnes; já não há quem o estime nem o adule; nem se levam em conta as ordens que deixou. Saladino, conquistador de muitos reinos na Ásia, ordenou, ao morrer, que, quando transportassem seu corpo à sepultura, um soldado precedesse o esquife, levando suspensa de uma lança a mortalha e gritasse: "Eis aqui tudo o que Saladino leva para a sepultura!" Quando um cadáver de um príncipe desce à sepultura, desfazem-se suas carnes, e nos restos mortais não se conserva indício algum que o distingua dos outros. "Contempla os sepulcros, - disse São Basílio - e não poderás distinguir quem foi o servo e quem o amo." Na presença de Alexandre Magno, certo dia, Diógenes mostrou-se mui absorvido em procurar alguma coisa entre um montão de ossos humanos. 

- Que procuras aí? - perguntou Alexandre, com curiosidade. 

- Procuro - respondeu Diógenes - o crânio do rei Filipe, vosso pai, e não o encontro. Mostrai-me, se o podeis encontrar.

Neste mundo todos os homens nascem em condições desiguais, mas a morte os iguala - disse Sêneca. Horácio dizia também que a morte nivela os cetros e os cajados. Numa palavra, quando a morte chega, finis venit, tudo se acaba e tudo se deixa; de todas as coisas deste mundo nenhuma levamos para a tumba. 


AFETOS E SÚPLICAS

Senhor, já que me fazes reconhecer que tudo quanto o mundo estima não passa de fumo e demência, dai-me força para livrar-me dele antes que a morte me arrebate. Infeliz de mim, que tantas vezes, por míseros prazeres e bens terrenos, vos ofendi e perdi a vós que sois o Bem infinito! Ó meu Jesus, médico celestial, volvei os vossos olhos para minha pobre alma; vede as feridas que eu mesmo lhe abri com meus pecados, e tende piedade de mim. Mas, para me curar, quereis também que me arrependa das ofensas que vos fiz. Já que me arrependo de coração, curai-me, agora que podeis fazê-lo ( Sl 40,5). Esqueci-me de vós; mas vós não me esquecestes, e agora me dais a entender que até quereis olvidar minhas ofensas, se eu as detestar (Ez 18,21). 

Sim, detesto e aborreço-as mais que todos os males. Esquecei, pois, meu Redentor, as amarguras que vos causei. Doravante, prefiro perder tudo, até a vida, a perder a vossa graça. De que me serviriam, sem ela, todos os bens do mundo? Dignai-vos ajudar-me, Senhor, já que conheceis minha fraqueza. 

O inferno não deixará de tentar-me; prepara mil assaltos para me reduzir de novo à condição de seu escravo. Mas, vós, meu Jesus, não me abandoneis! Quero ser escravo de vosso amor. Sois meu único Senhor, que me criastes, que me remistes e que me amastes sem limites. Sois o único que mereceis amor, e só a vós é que eu quero amar. 


Santo Afonso Maria de Ligório - Preparação para a morte, pg. 16-19.