sábado, 15 de janeiro de 2022

Trecho 9 - Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus

 





A enfermidade é a pedra de toque da alma, porque a enfermidade e a doença descobrem o caráter da virtude que a alma possui. Se uma pessoa não se desassossega, se não se queixa, se não dá inquietação, se obedece às pessoas que a tratam e a seus superiores, e se está perfeitamente tranquila e resignada à vontade divina, sinais são estes de que possui muita virtude. Mas que diremos daquele doente que se queixa e diz que não é bem tratado? Que suas dores são insuportáveis? Que nada o melhora? Que seu médico é ignorante? E que mesmo algumas vezes se queixa de que a mão de Deus pesa sobre ele? São Boaventura relata na vida de São Francisco (C. 14), que o santo, achando-se atacado por extraordinários padecimentos, ouviu de um dos seus religiosos: "Pai, pedi a Deus que vos trate mais benignamente: porque a Sua mão carrega demasiado sobre vós". Ao ouvir isto, replicou São Francisco em alta voz: "Se eu não soubesse que o que dizeis procede da simplicidade, não vos quereria ver mais, por vós terdes atrevido a repreender os juízos de Deus". Dizendo isso, posto que fraco e extenuado pelas dores e pela moléstia, lançou-se fora da cama sobre o duro chão, e beijando-o, exclamou: "Mil graças te sejam dadas, ó Senhor, pelo padecimento que me mandastes. Peço-te que me mandes um maior, se essa for a Tua divina vontade. Desejo que me aflinjas e não me poupes na menor coisa, porque o cumprimento da Tua vontade é a maior consolação que posso receber nesta vida".

Esta conformidade refere-se também a perda de pessoas que promovem o nosso bem temporal e espiritual. Pessoas bastante devotas são muitas vezes culpáveis neste ponto, não se resignando às divinas determinações. A nossa santificação deve proceder de Deus, e não de nossos diretores espirituais. É Sua vontade que nos aproveitemos deles para guia da alma, quando no-los dá: porém quando no-los tira devemos conformar-nos, e aumentar nossa confiança na sua bondade, dizendo :"Tu, ó Senhor, me deste este socorro, e agora o socorro me tiraste, bendita seja para sempre a Tua vontade, porque Tu mesmo suprirás essa falta, e me ensinarás como te devo servir". Igualmente devemos aceitar das mãos de Deus outra qualquer cruz que Ele se digne enviar-nos. Mas tantos padecimentos, direis vós, são castigos. Eu respondo: acaso não são os castigos que Deus envia nesta vida, graças e benefícios? Se o temos ofendido, é necessário satisfazer à divina justiça de algum modo, ou nesta ou na vida futura. A isto exclamaremos com Santo Agostinho: "Cortai e queimai aqui, ó Senhor, mas poupai-me na outra vida". E como o Santo Jó: "Seja consolação minha que, aflingido com tristeza, Ele não me poupe" (Jó 11,10). Aquele que tem merecido o inferno deve consolar-se quando Deus o castiga neste mundo, porque isto lhe inspirará a esperança de que Deus nos pune, o que dizia o sumo sacerdote Eli: "É o Senhor, faça Ele o que for justo e agradável a seus olhos" (Sm 3,18).


Santo Afonso Mª de Ligório - Ed. Biblioteca Católica

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