sábado, 16 de julho de 2016

O casamento perfeito




Non tantum caro sed sipiritus unus erat.
"Eram um todo, tanto almas como corpos"

(Epitáfio de dois conjugues cristãos)




Punhamos de parte as concepções não civilizadas e civilizadas não cristãs, para expormos a ideia cristã do casamento. E não como se vive, em cada caso particular, mas como era e é considerado, imposto e organizado pela religião católica e como esta se esforça por fazê-lo viver. Deixemos também as formas neo-pagãs propostas pelo amor livre, a fim de expormos o esplendor humano da concepção cristã do casamento. 
O casamento é a comunidade total de vida de dois seres humanos, de sexo diferentes, comunidade resultante dum livre dom recíproco, feito por amor.

O casamento é a comunidade de vida total: é uma união de carne, de espírito, de alma (totalidade de intensidade), até a morte (totalidade de duração).

União de carne: esta é um dos elementos que distingue o amor da amizade. A amizade é viável entre pessoas do mesmo sexo, o amor não. A amizade é intimidade do coração, de espírito e alma; o amor também, mas, além disso, é coabitação completa e contínua numa família, e é intimidade carnal. Consiste, portanto, numa amizade mais íntima e total, porque se apodera de todo ser, físico e psíquico, e permite os enriquecimentos particulares, inerentes à sexualidade física. 

União de coração: comporta todos os elementos sentimentais e afetivos do amor, os que constituem essa doçura e embriaguez de se reverem, de viverem lado a lado, de sentirem alegria juntos um do outro, de aderirem um ao outro, de se complementarem um ao outro, de desabrocharem um para o outro, de mutuamente se desejarem a felicidade. Esta união de coração, duplicando a união da carne, distingue o amor humano do amor animal, a esposa da comparsa ocasional. 

União de espírito: termos que englobam todos os elementos intelectuais do amor: o acordar das concepções, das ideias, dos juízos, das maneiras de ver e pensar. Dizemos acordar numa troca amigável e amorosa e não o depotismo dum cônjugue autoritário sobre um cônjugue diminuído ou aniquilado¹. Esta união de espírito, junta à união da carne e de coração, distingue, a um novo título, o amor humano do amor animal, a esposa da mulher de um dia.

 União de alma: entendamos por esta todas as profundezas do ser, tanto natual como sobrenatual, todos os elementos tão profundamente enraizados na estrutura íntima dos indivíduos que deixam de ser claramente exprimíveis. É uma espécie de osmose, de aderência íntima, de consonância vivida, de intimidade supra-sensível, de pertença um do outro. Um vive de tal maneira no outro que as suas alegrias tornam-se as alegrias dele, os seus sucessos, os sucessos dele, como também os reveses dum, os reveses do outro, os perigos dum, os perigos do outro. Pertencem um ao outro; melhor: um é, de algum modo, o outro, suportando os dois as mesmas provações, sofrendo os dois os mesmos lutos, fiéis sempre, na dor como na alegria. E esta união de alma, reforçando as outras, distingue o esposo e a esposa do amante e da amante. Estes últimos, muitas vezes, são fiéis, unicamente na prosperidade. De ordinário, só os verdadeiros esposos permanecem unidos, mesmo nas provações.   

União até a morte: é o termo que marca a totalidade da união na duração. Amaram-se sem reserva; irão lado a lado, através das alegrias e das provações da vida, através dos atritos, das desilusões, dos possíveis choques, até ao declínio das forças, companheiros de ardor, na juventude, de trabalho, na idade madura, de solidão, na velhice. 
E esta união efetiva-se pelo livre dom que um ao outro se fazem, dom inspirado no amor. Há reciprocidade no dom. Damo-nos com as nossas riquezas materiais, forças físicas, recursos sentimentais, intelectuais e humanos; damo-nos e recebemos tudo o que o outro tem de riquezas semelhantes; damo-nos para sermos felizes, por meio de alguém e para tornar alguém feliz. O casamento não é a pura posse de outrem; não é a busca da nossa felicidade somente: isso seria egoísmo; não é também simples doação ao outro; é, e deve ser, 'união', isto é, posse e doação, ao mesmo tempo. A liberdade do dom total que fazemos de nós e o amor que dita este dom total constituem a grandeza do casamento, o seu esplendor humano. 

Não podemos imaginar uma concepção mais alta do casamento. É precisamente essa a que o cristianismo tentou inculcar aos homens. No entanto, está bem longe de ser realizada e vivida por todos, na sua perfeição. Muitas dela tem uma concepção mais egoísta e mais comesinha. Algumas buscam no casamento a sua própria liberdade e satisfação sentimental, de preferência à felicidade do esposo; aspiram, sobretudo, a ser rodeadas, aduladas e lisongeadas. Todavia, quase sempre, tem o desejo de se dedicar ao marido e aos filhos. Dificilmente encontramos uma rapariga de coração tão seco, tão egoísta e pouco feminino que só pensasse em si mesma. 
Dar-se totalmente, e para sempre, é viver um casamento tal como Deus o quis. Se as noivas tem esse amor e escolherem bem o eleito do seu coração, hão de fundar um lar profunda e intensamente feliz. Nele distribuirão sem medida a alegria e a felidade e lá a encontrarão também, por acréscimo. 

1. Não vamos consagrar um capítulo especial à autoridade masculina no lar. Que significa a asserção: o marido é o chefe do lar? Não implica nele superioridade alguma de natureza. Não há entre um homem e uma mulher um grau diferente de humanidade mas somente diferenças fisiológicas e psicológicas numa mesma humanidade. O homem e a mulher são diferentes, não desiguais; complementares, não subordinados, como pessoas humanas. Mas, no lar, como em toda a sociedade, tem de haver uma autoridade. O temperamento psicológico masculino é habitual e naturalmente mais apto e mais inclinado a exercer esta autoridade, o temperamento feminino mais expontâneamente disposto a aceitá-la. É esta a razão porque esta autoridade, indispensável no lar, pertence, por sua natureza, ao marido. De mais a mais, há ocasião para repartir judiciosamente os setores segundo as aptidões dos sexos. A autoridade masculina não tem o direito de se transformar numa absorção da personalidade feminina, numa dominação despótica: deve ser uma firmeza amante e delicada, exercendo-se, sobretudo, por via de conolusões, por troca de pontos de vista em comum. É neste sentido que, segundo a sã razão, como segundo o ensinamento cristão, o marido é o chefe da mulher. É-o não por superioridade humana, mas por indicações psicológicas das suas disposições nativas e por necessidade duma autoridade familiar, pois que a vida se encarrega de fazer adaptações e retificações necessárias. 

Fonte: A intimidade conjugal - O livro da esposa. Pierre Dufoyer


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