155. 1º -
Fundamento da sua função. A função de Maria repousa no fato de sua íntima união com Jesus ou, dito de outro modo, do dogma da maternidade divina, e tem como consequência a sua excelsa dignidade e seu ofício de mãe dos homens.
A. No dia da Encarnação Maria torna-se Mãe de Jesus, Mãe do Filho-Deus, Mãe de Deus. Quando olhamos com atenção o diálogo entre o anjo e a Virgem Maria, vemos que Maria não somente é mãe de Jesus como indivíduo, pessoa privada, mas também enquanto Salvador e Redentor. "O anjo não fala somente das grandezas pessoais de Jesus, mas propõe a Maria a maternidade do Messias esperado, do Rei eterno da humanidade regenerada. ...Toda a obra redentora depende do Fiat de Maria e disso ela tem plena consciência. Sabe o que Deus lhe propõe; consente no que Deus lhe pede sem qualquer restrição ou condição. O seu Fiat responde à magnitude da proposta divina e alcança toda a obra redentora". 70 Portanto, Maria é mãe do Redentor e, por sê-lo, está associada à obra redentora. Ocupa, na ordem da redenção, o lugar que Eva teve no da nossa ruína espiritual, como observam os Santos Padres, seguindo Santo Irineu.
Por ser mãe de Jesus, Maria tem relação muito íntima com as três Pessoas divinas. É a filha muito amada do Pai e associada na obra da Encarnação. É a Mãe do Filho, com direito a dele ter respeito, amor e, na terra, até mesmo obediência. Em razão do papel que exerceu nos seus mistérios, secundário mas real, é colaboradora na obra da salvação e santificação dos homens. Enfim, é o templo vivo, o santuário privilegiado do Espírito Santo e, em sentido analógico, a sua Esposa, posto que com Ele e dependendo Dele, contribui na regeneração das almas para Deus.
156. B) No mesmo dia da Encarnação Maria também tornou-se mãe dos homens. Como dissemos (nº142), Jesus é o chefe da humanidade regenerada, a cabeça de um corpo místico cujos membros somos nós, e como tal, ou seja, em sua completude, Maria o gerou. Além disso, gera também todos os membros do corpo místico de Jesus, todos aqueles que Lhe serão incorporados, todos os regenerados ou aqueles que serão chamados a sê-lo. Portanto, ao tornar-se Mãe de Jesus segundo a carne, tornou-se simultaneamente Mãe dos membros de Jesus segundo o espírito. O episódio do calvário somente confirma essa verdade. No exato momento a Maria, referindo-se a São João e, por ele, a todos os seus discípulos presentes ou tradição que remonta até Orígenes, declarar que todos os regenerados eram filhos espirituais de Maria.
Deste duplo título, Mãe de Deus e Mãe dos homens, é que se origina o papel que Maria exerce em nossa vida espiritual.
157. 2º - Maria causa meritória da graça. Já vimos (nº 133) que, em sentido próprio, Jesus é a causa meritória principal de todas as graças que recebemos. Maria, sua colaboradora na obra da nossa santificação, mereceu todas essas mesmas graças, mas apenas secundariamente, ou seja, na dependência de seu Filho e porque este lhe deu o poder de merecer por nós; e somente de côngruo,71 isto é, com mérito de conveniência. Mereceu-as, inicialmente no dia da Encarnação, no momento em que deu o seu fiat. A Encarnação é a Redenção começada e, portanto, cooperar em Encarnação é cooperar na Redenção, nas graças que são fruto dela e, por conseguinte, em nossa salvação e santificação.
158. Maria, cuja vontade é em tudo conforme a de Deus e de seu Filho, ao longo de toda a sua vida associa-se à obra redentora. É ela que cria e educa Jesus, alimenta-o e prepara-o para a imolação como vítima no calvário.Tomando parte nas suas alegrias e tribulações, em seu humilde trabalho na casa de Nazaré, em suas virtudes, une-se, com generosíssima compaixão, à paixão e morte de seu Filho, reiterando o seu fiat ao pé da cruz e consentindo na imolação daquele que ama muito mais que a si mesma. Nesse momento, seu amoroso coração é transpassado por uma espada de dor: "E uma espada transpassará a tua alma" (Lc 2,35). Quantos méritos não conquistou com tão perfeita imolação!
E em razão do longo martírio que padeceu depois da ascensão de seu Filho ao céu, continuou a aumentá-los. Privada da presença daquele que era a sua felicidade, ansiava ardentemente pelo momento em que se uniriam para sempre, e aceitava amorosamente essa provação para cumprir a vontade de Deus e contribuir para edificar a Igreja nascente. Com isso, Maria acumulou para nós inumeráveis merecimentos. Suas obras são tão mais meritórias porque: foram praticadas com a mais perfeita pureza de intenção. "Minha alma glorifica ao Senhor." (Lc 1,46); e cumprem, em sua integridade, a vontade de Deus, com o mais intenso fervor e a mais estreita união com Jesus, fonte de todo mérito. "Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).
Sem dúvida esses merecimentos, que eram principalmente para Ela mesma, aumentavam o seu manancial de graça e os seus direitos à glória. Mas, em razão da função que exercia na obra redentora, Maria merecia também, de côngruo, para todos e, conforme a expressão de São Bernardo:72 "aquela que era cheia de graça, deixou transbordar essa graça sobre nós."
159. 3º - Maria causa exemplar. Depois de Jesus, Maria é o mais belo modelo que podemos imitar. O Espírito Santo que habitava em Maria em razão dos merecimentos do seu Filho, fez dela uma imagem viva das virtudes de Jesus. Jamais cometeu a mínima falta ou teve a mínima resistência à graça, levando à letra o "seja feito conforme a tua palavra". Por isso os Santos Padres, sobretudo Santo Ambrósio e o Papa São Libério, apresentam-na como modelo perfeito de todas as virtudes, "caritativa e atenciosa com todas as suas companheiras, sempre pronta a servi-las, não dizendo ou fazendo coisa alguma que pudesse desgostá-las, amando todas e sendo por todas amada".73
É suficiente indicar as virtudes constantes no próprio Evangelho: 1) a sua profunda fé, que a fez crer sem vacilar nas coisas que o anjo da parte de Deus lhe anuncia. Por essa fé Isabel, inspirada pelo Espírito Santo, a congratulou: "Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir coisas que da parte do Senhor te foram ditas!" (Lc 1,45); 2) a sua virgindade, revelada na resposta do anjo, "Como se fará isso pois não conheço homem?" (Lc 1,34), mostra sua determinação de permanecer virgem, mesmo que isso significasse sacrificar a dignidade de Mãe do Messias; 3) a sua humildade é evidenciada na perturbação que experimenta diante dos elogios do anjo, na declaração de ser escrava do Senhor no mesmo instante em que é proclamada Mãe de Deus, na oração do Magnificat, que já foi chamado o êxtase da humildade, no amor que mostra pela vida oculta, apesar de ter, na qualidade de Mãe de Deus, o direito a todas as honras; 4) o seu recolhimento interior a fez guardar em silêncio e meditar tudo o que se relacionava com o divino Filho. "Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração." (Lc 2,19); 5) o seu amor para com Deus e o próximo, que generosamente a fez aceitar todas as provações de uma longa vida, principalmente a imolação de seu Filho no calvário e a longa separação desse Filho tão amado, desde a Ascensão até o momento de sua morte.
160. Esse modelo tão perfeito é, ao mesmo tempo, inteiramente atrativo. Maria é uma simples criatura como nós, uma irmã, uma Mãe que nos convida a imitá-la, ainda que seja somente para manifestar-lhe nossa gratidão, veneração e amor. Destarte, é um modelo fácil de imitar, no sentido de que Maria santificou-se na vida comum, no cumprimento de seus deveres de jovem e de mãe, nos humildes trabalhos domésticos, na vida oculta, nas alegrias e nas tristezas, na exaltação e nas mais profundas humilhações.
Portanto, temos a certeza de estar trilhando caminho seguríssimo quando imitamos a Santíssima Virgem. É o melhor meio de imitar a Jesus e de alcançar a sua poderosa mediação.
161. 4º - Maria medianeira universal da graça. São Bernardo formulou essa doutrina há muito tempo, num texto muito conhecido: "É da vontade de Deus que recebamos todas as graças através de Maria." 74 É importante esclarecer como deve ser entendido. É certo que Maria, ao dar-nos Jesus, autor e causa meritória da graça, deu-nos também de maneira mediata, todas as graças. Contudo, além disso, segundo o ensino cada vez mais comum,75 não há uma só graça concedida aos homens, que não venha imediatamente por Maria, isto é, sem a sua intercessão. Portanto, trata-se de uma mediação imediata, universal, mas subordinada à de Jesus.
162. Para dar mais precisão a essa doutrina, acompanhamos o Pe. De la Broise,76 que diz: "a atual ordenação dos decretos divinos dispõe que todos os bens sobrenaturais, concedidos ao mundo, sejam outorgados com o concurso de três vontades e nenhum sem essa condição. A primeira é a vontade de Deus, que confere todas as graças. Depois, a vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, mediador, que as merece por si mesmo, obtendo-as por estrita justiça. Por fim, a vontade de Maria, mediadora secundária, que as merece e obtém por conveniência, através de Nosso Senhor." Essa mediação é imediata, no sentido de que, para cada graça dada por Deus, Maria intervém pelos seus méritos passados ou pelas suas presentes súplicas. Porém, tal fato não implica que, quem as recebe, deva pedi-las necessariamente através de Maria, pois ela pode intervir sem que ninguém o peça. Essa mediação é universal, abrangendo todas as graças concedidas ao homem desde a queda de Adão. Contudo, está subordinada à mediação de Jesus, porque Maria não pode merecer ou obter graça alguma senão pelo seu divino Filho. Desse modo, a mediação de Maria somente realça o valor e a fecundidade da mediação de Jesus.
Essa doutrina foi confirmada pelo Ofício e a Missa dedicados à honra de Maria Medianeira, concedidos pelo Papa Bento XV às igrejas da Bélgica e a qualquer outra que pedir, de toda a cristandade.77 Portanto, a doutrina é segura, pode ser utilizada na prática e move-nos a uma grande confiança em Maria.
CONCLUSÃO: DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM
163. Por ser tão importante o papel de Maria em nossa vida espiritual, devemos dedicar-lhe muitíssima devoção. Essa palavra dedicação quer dizer entrega voluntária de si mesmo. Seremos, pois, devotos de Maria, se nos entregarmos completamente a Ela e, por Ela, a Deus. Isso somente nos fará imitar o próprio Deus, que se entregou por nós e também nos deu o seu Filho por intermédio de Maria. Entregaremos o nosso entendimento com a mais profunda veneração; a nossa vontade com confiança absoluta; o nosso coração com um amor terníssimo de filho; inteiramente todo o nosso ser com a imitação mais perfeita possível de suas virtudes.
164. A) Veneração profunda. Essa veneração funda-se na dignidade de Mãe de Deus e nas consequências que dela derivam. Com efeito, jamais poderemos honrar em excesso aquela que o Verbo Encarnado venera como Mãe, que o Pai contempla amorosamente como Filha muito amada e que o Espírito Santo considera seu templo predileto. O Pai trata-a com sumo respeito ao enviar-lhe um anjo para saudá-la como cheia de graça e pede-lhe o consentimento na obra da Encarnação, à qual deseja associá-la intimamente. O Filho venera-a, ama-a como sua mãe e é-lhe obediente. O Espírito Santo desce sobre ela e nela tem as suas complacências. Portanto, ao venerar Maria apenas nos associamos às três divinas Pessoas, estimando o que elas estimam.
Não há dúvida que há excessos que devemos evitar, especialmente todo aquele que tenda a fazê-la igual a Deus ou torná-la a fonte da graça. Todavia, enquanto a considerarmos criatura, que em si mesma não tem grandeza, nem santidade, nem poder, a não ser na medida em que recebe de Deus, não há razão para temer o excesso; é Deus que veneramos nela.
Essa veneração deve ser maior que a dedicada aos anjos e aos outros santos, precisamente porque pela dignidade de Mãe de Deus, pelo ofício de mediadora, pela santidade, Maria está acima de todas as criaturas. Por isso, o seu culto, que é culto de dulia e não de latria, é com razão chamado culto de hiperdulia, pois é superior ao que se dedica aos anjos e santos.
165. B) Confiança absoluta, baseada no poder e bondade de Maria. a) Este poder não procede de si mesma, mas do poder de intercessão, porque Deus não quer negar nada de legítimo Àquela que ama e venera acima de todas as criaturas. Nada mais justo. Tendo Maria dado a humanidade a Jesus, com a qual Ele pode merecer, e colaborado com Ele na redenção por meio de suas obras e dores, era conveniente que fosse partícipe na distribuição dos frutos dessa redenção. Assim, Jesus não lhe negará nada que pela de legítimo e por isso podemos dizer que Ela é onipotente pelas suas súplicas (omnipotentia supplex); b) Com relação à bondade, é aquela pela qual a Mãe nos transmite, como membros de Jesus Cristo, o afeto que dedica ao seu Filho; uma Mãe que, tendo-nos dado à luz na dor, em meio às angústias do Calvário, tanto mais nos amará quando mais lhe custarmos. Portanto, nossa confiança nela deve ser inabalável e universal.
1) Inabalável, em que pese nossas misérias e pecados. Maria é Mãe de misericórdia, cuja função não é ocupar-se com a justiça; foi escolhida antes de tudo para exercer a compaixão, a bondade, a condescendência. Sabendo que estamos expostos aos ataques da concupiscência, do mundo e do demônio, tem compaixão de nós, que não deixamos de ser seus filhos, ainda que caiamos em pecado. Assim, basta que manifestemos um mínimo de boa vontade e o desejo de voltar a Deus para que ela bondosamente nos acolha. Muitas vezes é ela que, antecipando-se a esses bons propósitos, alcança-nos graças que os suscitam em nossa alma. Compreendendo muito bem essa doutrina a Igreja instruiu, em certas dioceses, uma festa com um título que à primeira vista parece estranho, mas que no fundo é perfeitamente justificável. Trata-se da festa do Coração Imaculado de Maria, refúgio dos pecadores. Justamente por ser Imaculada e jamais ter cometido a menor falta é que Maria tem mais compaixão dos seus pobres filhos, que não têm, como ela, o privilégio de ser livre da concupiscência.
2) Universal, ou seja, abrange todas as graças que precisamos; graças de conversão, de progresso espiritual, de perseverança final, graças de proteção no meio dos perigos, das angústias, das mais graves dificuldades que se possam apresentar. Essa é a confiança que tão encarecidamente São Bernardo recomenda: 78 "Se as tempestades das tentações se levantam, se estiveres no meio dos perigos das tribulações, lança os olhos para a estrela do mar, invoca Maria em teu auxílio; se és agitado pelas ondas da soberba, da ambição, da maledicência, da inveja, olha para a estrela, invoca Maria; se a cólera, a avareza, os prazeres da carne agitam a barca da tua alma, olha para Maria; se, perturbado pela grandeza dos teus crimes, confuso pela estado miserável da tua consciência, horrorizado pelo pensamento do juízo, começas a afundar no abismo da tristeza e do desespero, pensa em Maria. No meio dos perigos, das angústias, das incertezas, não se afaste o seu nome dos teus lábios, nem o coração do pensamento dela e, para obteres mais seguramente o auxílio de tuas súplicas, não descuides de imitar os seus exemplos. Seguindo-a, não te extravias; suplicando-a, não te desesperas; pensando nela, não te perdes. Enquanto ela te levar pela mão, não cairás; sob sua proteção, não terás nada a temer; sob o seu governo, não te fatigarás; com o seu favor, chegarás certamente ao termo." Como continuamente precisamos de graça para vencer os nossos inimigos e progredir na virtude, devemo-nos dirigir frequentemente Àquela que tão acertadamente é chamada Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
166. C) O amor filial, cheio de candura, simplicidade, generosidade e ternura, deve ser unido à confiança. Seguramente Maria é a mais amável das mães, pois Deus, havendo-a escolhido para ser Mãe do seu Filho, deu-lhe todas as qualidades que tornam amável uma pessoa: delicadeza, prudência, bondade e dedicação de mãe. É a mais amante, pois o seu coração foi criado especificamente para amar um Filho-Deus, e amá-lo o mais perfeitamente possível. Esse mesmo amor que tinha por Jesus, tem também por nós que somos membros vivos do seu divino Filho, seu prolongamento e complemento. E esse amor brilha mais forte: no mistério da Visitação, quando correu pressurosa para levar à sua prima Isabel aquele Jesus que recebeu em seu seio e que, só pela sua presença, santificou toda a casa; nas bodas de Caná onde, atenta a tudo o que se passava, intercedeu junto a seu Filho para evitar uma triste humilhação aos recém-casados; no Calvário, onde aceita sacrificar o que tem de mais precioso para nos salvar; no Cenáculo, onde exercita o seu poder de intercessão, para obter para os Apóstolos uma maior abundância de dons do Espírito Santo.
167. Sendo Maria a mais amável e a mais amante das mães, deve ser também a mais amada. Este é um de seus mais gloriosos privilégios. Onde quer que Jesus seja conhecido e amado, Maria também o o é. Não se pode separar a Mãe do Filho e, nunca esquecendo a diferença entre um e outro, temos o mesmo afeto por ambos ainda que em grau diferente: ao Filho tributa-se o amor devido a Deus, a Maria, o devido à Mãe de um Deus: amor terno, generoso, devotado, mas subordinado ao amor de Deus.
É amor de complacência, que se deleita nas grandezas, virtudes e privilégios de Maria, meditando amiúde nessas qualidades, admirando-as, comprazendo-se nelas e felicitando-a por ser tão perfeita. Porém, também é amor de benevolência, que sinceramente deseja que o nome de Maria seja cada vez mais conhecido e amado; ora para que se expanda a sua influência sobre as almas e, à essa oração, agrega a palavra e a ação. É amor filial, cheio de confiança e simplicidade, de ternura e devoção, que chega até aquela respeitosa intimidade que uma mãe consente ao filho. Por fim e sobretudo, é amor de conformidade, que se esforça para submeter a sua vontade à de Maria em todas as coisas e, desse modo, à de Deus, posto que a sua união das vontades é o sinal mais autêntico de amizade. Isso é o que nos leva a imitar a Santíssima Virgem.
168. D) A imitação é, com efeito, a homenagem mais delicada que lhe podemos oferecer; é proclamar não somente com palavras, mas também com atos, que Ela é um modelo perfeito que muito nos alegra tenta imitar. Já dissemos (nº159) como Maria, que é um retrato vivo de seu Filho, dá-nos exemplo de todas as virtudes. Aproximar-se dela é aproximar-se de Jesus. Portanto, nada melhor podemos fazer que estudar suas virtudes, meditar frequentemente nelas e esforçar-nos para reproduzi-las em nós.
Para melhor atingir esse objetivo, o mais eficaz é praticar todas e cada uma das nossas ações por Maria, com Maria e em Maria (per Ipsam et cum Ipsa, et in Ipsa). 79 Por Maria, isto é, por sua intercessão pedir as graças necessárias para imitá-la, indo por Ela para ir a Jesus (ad Jesum per Mariam). Com Maria, isto é, considerando-a como modelo e colaboradora e perguntando-nos sempre: O que Maria faria se estivesse no meu lugar? Então humildemente lhe pedimos auxílio para conformar nossas ações com os seus desejos. Em Maria, ou seja, submissos a ela, aderindo ao seu modo seu ver e às suas intenções e realizando as nossas ações como Ela, isto é, para glorificar a Deus (Minha alma glorifica ao Senhor).
169. Com essas disposições interiores é que devemos recitar em honra à nossa Mãe: a Ave Maria e o Ângelus, que nos recordam a Anunciação e o seu título de Mãe de Deus; o Sob a Vossa Proteção, que é um ato de confiança naquela que nos protege de todos os perigos; o Ato de Consagração a Maria, que é um ato de total entrega em suas mãos, pelo qual lhe confiamos nosso ser, nossas ações e méritos; sobretudo, o Santo Rosário que, unindo-nos aos mistérios gozosos, luminosos, 80 dolorosos e gloriosos, permite-nos santificar em união com Maria e com Jesus, as nossas alegrias, tristezas e glórias. O Pequeno Ofício da Santíssima Virgem equivale ao Breviário para as pessoas que podem recitá-lo. Faz com que muitas vezes ao dia lembremo-nos da grandeza, santidade e da obra santificadora dessa boa Mãe.
ATO DE CONSAGRAÇÃO TOTAL A MARIA 81
170. Natureza e extensão desse ato. É um ato de consagração que encerra todos os demais. Foi proposto por São Grignion de Montfort e consiste em entregar-se inteiramente a Jesus por Maria, abrangendo dois elementos: um ato de consagração, que se renova de tempos em tempos, e um estado habitual, pelo qual vivemos e operamos subordinados a Maria. O ato de consagração, diz São Grignion,"consiste em dar-se inteiramente, na qualidade de escravo, a Maria e a Jesus, por meio de Maria". Não nos deve escandalizar o termo escravo, do qual devemos excluir todo sentido pejorativo, isto é, toda a ideia de opressão. Longe de implicar opressão, esse ato é manifestação do mais puro amor. Devemos dar atenção somente ao elemento positivo, conforme explica o Santo: um simples servo, que recebe seu salário, é livre para deixar o patrão, o qual não dá mais do que o seu trabalho. Não lhe dá a sua pessoa, seus direitos pessoais, seus bens. Um escravo concorda livremente em trabalhar sem salário, confiando que seus senhor lhe dará sustento e abrigo. Dá-se para sempre, com todos os seus recursos, sua pessoas e seus direitos, para viver inteiramente sob a dependência dele.
171. Aplicando agora essa doutrina ao contexto espiritual, o perfeito escravo de Maria dá a esta Senhora e, por ela, a Jesus:
a) Seu corpo, com todos os seus sentidos, conservando-lhe somente o uso, e comprometendo-se a servir-se dele somente na medida em que agrade a SS. Virgem ou o seu Filho. De antemão aceita todas as disposições da Providência referentes à saúde, enfermidade, vida e morte;
b) Todas as posses terrenas, utilizando-as somente sob a dependência de Maria, para sua glória e de Deus;
c) A alma com todas as suas faculdades, consagrando-as ao serviço de Deus e das almas, sob a condução de Maria, e renunciando a tudo quanto possa pôr em risco a salvação e a santificação;
d) Todos os bens interiores e espirituais, seus méritos, satisfações e o valor impetratório das boas obras, na medida em que esses bens forem alienáveis. Esclareçamos este último ponto:
1. Nossos méritos propriamente ditos (de condigno), pelos quais merecemos aumento de graça e de glória para nós mesmos, são inalienáveis. Quando os entregamos a Maria, é para que ela os conserve e aumente e não para aplicá-los a outros. Porém, deixamos Maria dispor livremente dos méritos de simples conveniência ( de congruo), que podem ser oferecidos por intenção de outras pessoas.
2. O valor satisfatório das nossas obras, incluindo as indulgências, é alienável e entregamo-lo à Santíssima Virgem para que ela o aplique. 82
3. O valor impetratório, isto é, as nossas orações e boas obras, posto que se reveste do mesmo valor, pode ser oferecido, e de fato o é, por esse ato de consagração.
172. Após realizado o ato, não mais podemos dispor desses bens sem a permissão da SS. Virgem, mas podemos e por vezes devemos pedir-lhe que se digne, segundo sua vontade, utilizá-los em favor de pessoas com as quais temos obrigações particulares. Para harmonizar tudo, o melhor é oferecer-lhe simultaneamente com a nossa pessoa e os nossos bens, todos os nossos entes queridos (Eu sou todo Teu, tudo o que é meu é Teu). 83 Assim, a SS. Virgem empregará nossos bens e, sobretudo, os seus tesouros e os de seu Filho, em favor dessas pessoas que, desse modo, nada perdem com a nossa consagração; pelo contrário, ganham muito.
173. A excelência desse ato. É um ato de santo abandono, excelente por si mesmo, mas que, além disso, abarca atos das mais belas virtudes:
1. Um ato de profunda religião para com Deus Pai, Jesus e Maria. Por ele reconhecemos concretamente o soberano domínio de Deus, o nosso próprio nada, e proclamamos de todo o coração os direitos que Deus concedeu a Maria sobre nós.
2. Um ato de humildade, pelo qual reconhecemos o nosso nada e a nossa impotência, despojamo-nos de tudo que Deus nos deu, devolvendo-lhe pelas mãos de Maria, de quem, depois dele e por Ele, tudo recebemos.
3. Um ato de amor confiante, posto que o amor é o dom de si mesmo e, para doar-se, é preciso confiança perfeita e fé viva.
Portanto, podemos dizer que se este ato de consagração for bem feito, renovado de coração com frequência e colocado em prática, é mais excelente que o ato heroico em que cedemos apenas o valor satisfatório dos nossos atos e as indulgências que lucramos.
174. Os frutos dessa devoção decorrem da sua própria natureza. 1) É um modo perfeito de glorificar a Deus e a Maria, pois damos-lhe tudo o que somos e temos, sem restrição e sem volta. E fazemos isso de maneira mais agradável a Deus, conforme a ordem estabelecida pela sua sabedoria, isto é, retornando a Ele pelo menos caminho que Ele seguiu para vir a nós.
175. 2) Destarte, desse modo asseguramos nossa própria santificação. Na realidade, Maria, ao ver que lhe entregamos o nosso ser e nossos bens, sente-se fortemente movida a ajuda e santificar aqueles que são, por assim dizer, propriedade sua. Obterá para nós graças muito abundantes, com as quais poderemos aumentar nosso pequeno tesouro espiritual que é seu, conservá-lo e fazê-lo frutificar até o fim da nossa vida. Para isso, Ela se servirá tanto do seu poder de intercessão junto a Deus como da superabundância dos seus méritos e satisfações.
3) Por fim, desse modo são beneficiadas a santificação do próximo e, sobretudo, as almas a nós confiadas. Colocando nas mãos de Maria a distribuição dos nossos méritos e satisfações, conforme o seu agrado, estaremos seguros de que tudo será feito da maneira mais sábia. Ela é mais prudente, previdente e dedicada que nós. Portanto, os nossos parentes e amigos só têm a ganhar.
176. Sem dúvida, pode-se argumentar que desse modo alienamos todo o nosso haver espiritual, sobretudo nossas obras satisfatórias, indulgências e sufrágios, que poderiam ser oferecidos por nós e que, desse modo, poderíamos ficar muitos anos no purgatório. Não deixa de ser verdade, mas é uma questão de confiança. Afinal, temos ou não mais confiança em Maria que em nós mesmos e em nossos amigos? Se sim, não há o que temer; ela cuidará da nossa alma e dos nossos interesses melhor que nós. Se não, devemos evitar esse ato de consagração total, pois poderíamos nos arrepender mais tarde. De qualquer modo, não convém fazê-lo senão depois de madura reflexão e de acordo com o diretor espiritual.
Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, pgs 111-119.
Notas
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*69 SANTO TOMÁS, Suma Teológica, In Salut. Angel. expositio; SUAREZ, De mysteriis Christi, disp. I-XXIII; BOSSUET, Sermons sur la Ste. Vierge; TERRIEN,S.J. La Mère de Dieu et la Mère des hommes, t. III; L. GARRIGUET, La Vierge Marie; Dict. d'Apolog. (d'Alès), no artigo Marie; HUGON, O.P., Marie, pleine de grâce; R. - M. DE LA BROISE E J. - B. BAINVEL, Marie, mêre de grâce, 1921; Synop. Theol. dogm., t. II, nº 1226-1263.
70 BAINVEL, op. cit. P.73 - 75. Essa tese pode-se apoiar nas palavras do anjo: "Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó." (Lucas, 1, 32-32).
71 Essa expressão foi ratificada por São Pio X na Encíclica de 1904, em que declara que Maria mereceu de congruo toda as graças que Jesus mereceu de condigno.
72 In Assumpt, sermo II,2.
73 J.V. BAINVEL, Le Saint Cceur de Marie, pp. 313-314.
74 Sermo de aquaeductu, n . .
75 Provas dessa afirmação podem ser obtidas na obra citada do Pe. Terrien, t. III (todo).
76 Marie, mère de grâce, p. 23-24.
77 Sua Eminência o Cardeal Mercier, em carta de 27 de janeiro de 1921, anunciou o fato aos seus diocesanos nestes termos: "Há vários anos que o Episcopado belga, a faculdade de teologia da Universidade de Lovaina e todas as ordens religiosas, pleiteavam ao Papa para que a SS. Virgem Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, fosse reconhecida como Mediadora universal da obtenção e distribuição das graças divinas. Sua Santidade, Bento XV, concedeu, às igrejas da Bélgica e a toda a Cristandade que lhe pediram, um ofício e Missa próprios, na data de 31 de maio, em honra a Maria Medianeira."
78 Homil. II, De Laudibus Virg. Matris, 17.
79 Essa era a prática piedosa de M. Olier que São Grignion de Montfort aperfeiçoou e tornou popular no Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.
80 Os mistérios luminosos foram introduzidos por sugestão do Santo Papa João Paulo II, na carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, de 16 de outubro de 2002 - NT.
81 GRIGNION DE MONTFORT, op. cit.; A. LHOUMEAU, La vie spirituelle à l'école de S. Grignion de Montfort, 1920, p. 240- 247.
82 SANTO TOMÁS, Supplement., q. 13, a. 2.
83 Tuus totus sunt, omnia mea tua sunt, et omnes mei tui sunt.