A natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne ocorreu, contando a partir da formação de Adão, 5228 anos depois conforme alguns, 6 mil anos conforme outros, 5199 anos conforme Eusébio de Cesaréia em sua crônica, ou seja, no tempo do imperador Otávio. Metódio, que dá a data de 6 mil anos, parece basear-se mais em ideias místicas do que históricas.
Quando o Filho de Deus encarnou, o universo desfrutava uma paz tão profunda que o imperador dos romanos era o único senhor do mundo. Seu primeiro nome foi Otávio, depois se chamou César por causa de Júlio César, de quem era sobrinho. Também foi chamado Augusto, porque expandiu a República, e imperador, por causa dessa dignidade com que foi honrado, sendo o primeiro dos reis a ter esse título. Como o Senhor quis se encarnar para nos trazer paz temporal e paz eterna, quis nascer num tempo de paz terrena. Naquele momento cidades, fortalezas, burgos e homens estavam sob sua autoridade.
Além disso, como está dito na HISTÓRIA ESCOLÁSTICA, ordenou que todos os homens fossem à cidade de que eram originários e que cada um deles desse ao governador da província um denário de prata (que equivalia a dez soldos comuns, daí seu nome), moeda que trazia a efígie e o nome de César, reconhecendo-se assim súdito do Império Romano. Esse reconhecimento acontecia com cada chefe de família antes de entregar o denário em nome próprio e de seus descendentes, colocando a moeda sobre sua cabeça e declarando-se em público súdito do Império Romano. Este ato era parte do recenseamento, que implicava profissão de fidelidade ao império e registro das pessoas. Da expressão próprio ore fassio, "reconheço com meus próprios lábios", surgiu a palavra "profissão"¹. Seguia-se o registro, que consistia em anotar numa lista o número de pessoas em nome de quem o chefe de família oferecido o tributo.
O primeiro a fazer um censo foi Cirino, governador da Síria. A História escolástica diz que Cirino foi o primeiro, mas esta expressão pode ser entendida de outras maneiras. "Primeiro" pode se referir à Judéia, que é o umbigo, isto é, o centro da terra habitável, e portanto era razoável que o censo começasse por ela antes de ser adotado pelos governadores de outras províncias. Diz-se também que foi o primeiro censo universal, porque os feitos anteriormente tinham sido parciais. Ou talvez porque tenha sido o primeiro a contabilizar os chefes de famílias diante do governador local, diferentemente dos que consideravam as cidades e eram realizados diante do lugar-tenente de César, ou daqueles que englobavam as regiões e eram feitos na presença do próprio César.
José vivia em Nazaré, mas como era descendente de Davi foi se registrar em Belém. Como estava próximo o momento do parto de Maria e ele ignorava quando poderia voltar, levou-a consigo, não querendo deixar em mãos estranhas o tesouro que Deus lhe confiara, cioso que estava de se encarregar pessoalmente desta tarefa. Ao se aproximar de Belém (assim atestam BARTOLOMEU em sua compilação e o chamado LIVRO DA INFÂNCIA DO SALVADOR), a bem-aventurada Virgem viu uma parte do povo na alegria e outra no sofrimento, o que um anjo explicou da seguinte forma: "A parte do povo que está alegre é constituída pelos gentios que receberão bênção eterna pelo sangue de Abraão, e a parte que está sofrendo é o povo judeu, merecidamente reprovado por Deus".
Chegando a Belém, como eram pobres e como muitas outras pessoas vindas pelo mesmo motivo ocupavam as hospedarias, não encontraram alojamento. Instalaram-se então numa passagem pública que se encontrava (de acordo com a História escolástica) entre duas casas, uma espécie de tenda fora da cidade, onde se reuniam os cidadãos locais para nos dias livres conversar, ou para se abrigar quando fazia mau tempo. Ali José fez uma manjedoura para um boi e um jumento que levara consigo, ou, segundo alguns autores, a manjedoura já existia, tendo sido feita para os camponeses que se dirigiam ao mercado e ali amarravam seus animais. Por volta da meia-noite de domingo, a bem-aventurada Virgem deu à luz seu filho e colocou-o no feno da manjedoura, feno, como está dito na História escolástica, que foi mais tarde levado a Roma pela bem-aventurada Helena, pois o boi e o jumento não quiseram comê-lo.
Em primeiro lugar, o nascimento de Cristo foi milagroso em três aspectos: quanto à geratriz, quanto ao que foi gerado, quanto ao modo de geração. Primeiro quanto à geratriz, que foi virgem antes e depois do parto. Prova-se de cinco maneiras que ela permaneceu virgem. Primeira, pela profecia de Isaías,7: "Eis a virgem que conceberá e dará a luz um filho etc.". Segunda, pelos símbolos que a prefiguraram: a vara de Aarão floriu sem cuidado humano e a porta de Ezequiel permaneceu sempre fechada. Terceira, por aquele que a guardou: José sempre cuidou dela, e foi testemunha da sua virgindade. Quarta, pela comprovação: no momento do parto (como podemos ler na compilação de Bartolomeu e no Livro da infância do Salvador), apesar de não duvidar que Deus ia nascer de uma virgem, José, segundo o costume local, convocou duas parteiras, uma chamada Zebel, outra Salomé. Depois de examinar a parturiente com cuidado, Zebel verificou que era virgem e exclamou: "Uma virgem deu à luz!". Salomé que não acreditou quis comprovar, mas sua mão secou de imediato. Entretanto apareceu-lhe um anjo, que a fez tocar a criança e ela ficou imediatamente curada. Quinta, pela evidência do milagre: segundo conta Inocêncio III, Roma viveu em paz por doze anos, e para comemorar ergueu-se à paz um templo magnífico, no qual colocaram a estátua de Rômulo. Consultaram Apolo para saber quanto tempo a paz duraria e obtiveram a resposta: "Até o momento em que uma virgem der à luz". Ouvindo isso, todos disseram: "Então vai durar para sempre", pois achavam impossível que uma virgem pusesse um filho no mundo. Colocaram então nas portas do templo a inscrição "Templo da paz eterna", mas na mesma noite em que a virgem deu à luz o templo desabou, e nesse lugar situa-se hoje a igreja de Santa Maria Nova.²
Segundo aspecto, a Natividade foi milagrosa quanto ao que foi gerado. Diz Bernardo: "Nela foram reunidos o eterno, o antigo e o novo; o eterno é a divindade, o antigo é a carne tirada de Adão, o novo é uma nova alma criada no momento da concepção". Ele prossegue em outra parte:
Deus fez três misturas e três obras, tão singulares que nunca foram e nunca serão feitas outras iguais. Houve união real entre Deus e homem, entre mãe e virgem, entre fé e espírito humano. A primeira união é admirabilíssima, porque barro e Deus, majestade e doença, baixeza e sublimidade foram postos juntos. De fato, não há nada mais sublime do que Deus, como não há nada mais baixo do que o homem. A segunda união não é menos admirável, porque nunca no mundo tinha-se ouvido dizer que uma mulher que houvesse dado à luz fosse virgem, que uma mãe não cessasse de ser virgem. A terceira união é inferior à primeira e à segunda, mas não é menos importante. É admirável o espírito humano ter tido fé nessas duas coisas, ter podido crer que Deus se fez homem e que uma virgem deu à luz e continuou virgem.
Quem falou isso foi Bernardo.
Terceiro aspecto, a Natividade foi milagrosa quanto ao modo de geração. De fato, seu parto superou as leis da natureza, por ter sido uma virgem a conceber; superou a razão, pois o gerado foi Deus; superou a condição da natureza humana, pois foi um parto sem dores; superou o normal, pois a virgem não concebeu a partir de sêmen humano, mas de um sopro místico do Espírito Santo, que tomou o que havia de mais puro e de mais casto no sangue da virgem para formar aquele corpo. Deus assim mostrou um quarto modo, admirável, de criar um homem. ANSELMO diz a respeito: "Deus pode criar o ser humano de quatro maneiras: sem homem nem mulher, como criou Adão; de um homem sem mulher, como criou Eva; do homem e da mulher, como de costume; de uma mulher sem homem, como nesse caso maravilhoso".
Em segundo lugar, o caráter milagroso da Natividade foi demonstrado pelo fato de nela terem intervindo todas as espécies de criaturas. A que tem somente o ser, como as que são puramente corpóreas, por exemplo as pedras. A que tem o ser e a vida, como os vegetais e as árvores. A que tem o ser, a vida e o sentimento, como o homem. A que tem o ser, a vida, o sentimento, o discernimento e a inteligência, como o anjo. Todas essas criaturas anunciaram o nascimento de Cristo de diversas formas.
Primeira. As puramente corpóreas dividem-se em três grupos: são ou opacas ou transparentes ou brilhantes. As opacas notificaram ao mundo o nascimento de Cristo por meio da destruição do templo dos romanos, como já foi dito, e também da queda de diferentes estátuas que naquele momento caíram em vários outros lugares. Sobre isso pode-se ler na História escolástica:
O profeta Jeremias, ao ir para o Egito após a morte de Godolias,³ informou aos reis do país que seus ídolos cairiam por terra quando uma virgem desse à luz um filho. É por isso que os sacerdotes dos ídolos adoravam num lugar secreto do templo a imagem de uma virgem com uma criança no colo. O rei Ptolomeu perguntou-lhes certa vez o que significava aquilo, e eles responderam que era um mistério revelado a seus ancestrais por um santo profeta, e que um dia iria se realizar.
Os corpos transparentes falaram da Natividade quando na mesma noite em que ela ocorreu a escuridão foi transformada em claridade semelhante à do dia. Em Roma (atestam ORÓSIO e Inocêncio III), a água de uma fonte transformou-se em óleo e correu abundantemente até o Tibre. Ora, a sibila predissera que quando jorrasse uma fonte de óleo, nasceria o Salvador. Corpos luminosos apareceram no céu no dia da Natividade. De acordo com antigos relatos (conta-nos Crisóstomo), os magos estavam orando numa montanha quando diante deles apareceu uma estrela com a forma da mais linda criança, sobre cuja cabeça brilhava uma cruz. A estrela disse aos magos para irem à Judéia, onde encontrariam esse recém-nascido. Nesse mesmo dia três sóis apareceram no Oriente, e pouco a pouco tornaram-se apenas um. Era um sinal de que aquele que acabava de nascer reunia em sua pessoa três substâncias: a alma, a carne e a divindade.
Pode-se ler, entretanto, na História escolástica, que não foi no dia da Natividade que apareceram os três sóis, mas algum tempo antes, após a morte de Júlio César. Eusébio também o assevera em sua crônica. O imperador Otávio (diz o papa Inocêncio III) depois de ter submetido o universo à dominação romana agradou tanto ao Senado que este quis honrá-lo como um deus. Mas o imperador, cheio de prudência e sabendo-se homem, não quis usurpar a honra da imortalidade. Instado pelo Senado, consultou a sibila para saber por seus oráculos se algum dia nasceria no mundo um mortal maior que ele. Isso aconteceu no dia da Natividade do Senhor, e enquanto a sibila explicava seus oráculos a sós com o imperador num quarto do palácio, eis que no meio do dia um círculo de ouro rodeia o sol e no meio do círculo aparece uma virgem maravilhosamente bela, trazendo uma criança no colo, o que a sibila mostrou a César, extasiado com essa visão. Ele então ouviu uma voz dizer: "Eis o altar do céu". E a sibila acrescentou: "Esta criança é maior que você, adore-a". Esse quarto foi dedicado a Santa Maria, sendo hoje a igreja Santa Maria in Aracoeli. 4 O imperador compreendeu que aquele menino era maior do que ele. Ofereceu-lhe incenso e a partir desse momento renunciou a ser chamado deus.
Eis como se exprime Orósio a esse respeito: "No tempo de Otávio, mais ou menos na terceira hora, num céu claro, puro e sereno, um círculo em forma de arco-íris rodeou o disco do sol, como se tivesse vindo aquele que havia criado o sol e o universo e os rege sozinho". Eutrópio também diz isso. O historiador Timóteo relata ter encontrado nas antigas histórias dos romanos que no trigésimo quinto ano de seu reinado, Otávio subiu ao Capitólio e perguntou insistentemente aos deuses qual seria depois dele o governador da República, e ouviu uma voz responder: "Um menino celeste, filho do Deus vivo, Deus e homem sem mácula, que em breve nascerá de uma virgem imaculada". Ao saber disso, erigiu um altar nesse lugar e nele colocou a inscrição: "Altar do Filho de Deus vivo".
Segunda forma de anúncio: a Natividade também foi mostrada por criaturas que possuem ser e vida, como as plantas e as árvores. Naquela noite (segundo relata Bartolomeu em sua compilação) as vinhas de Engadia, que produzem bálsamo, floriram, deram frutos e destilaram seu licor. Terceira forma: o nascimento foi divulgado pelas criaturas que têm o ser, a vida e o sentimento, como os animais. Indo para Belém com Maria, que estava grávida, José levou consigo um boi - talvez para vende-lo e pagar o censo que ele e a esposa deviam, ficando com o restante para viver - e um jumento, talvez para servir de montaria à Virgem. O boi e o jumento conheceram o Senhor por milagre e ajoelharam-se para adorá-lo. Antes da Natividade de Cristo (conta Eusébio em sua crônica), por alguns dias os bois que aravam diziam aos lavradores: "Que homens faltarão, as colheitas abundarão".
Quarta forma: o nascimento foi anunciado por criaturas que têm o ser, a vida, o sentimento e o discernimento, como é o caso do homem e, portanto, dos pastores. De fato, naquela hora os pastores vigiavam seus rebanhos como tinham o costume de fazer duas vezes por ano nas noites mais longas e nas noites mais curtas. Antigamente, a cada solstício, isto é, no solstício de verão, por volta da festa de João Batista, e no solstício de inverno, por volta da Natividade do Senhor, era costume dos gentios velar a noite para reverenciar o sol, costume esse que se arraigara também entre os judeus, talvez para seguir o uso dos estrangeiros que habitavam em seu país. O anjo do Senhor apareceu, anunciando-lhes o nascimento do Salvador e ensinando-lhes um sinal para encontra-lo. A esse anjo juntou-se uma multidão de outros, que diziam: "Glória a Deus nas alturas etc.".5 Os pastores seguiram as indicações e encontraram tudo como o anjo dissera.
Também César Augusto manifestou o nascimento ao proibir que o tratassem como deus, conforme testemunha Orósio. Por ter visto o arco em torno do sol, por ter se lembrado da ruína do templo e da fonte de óleo, compreendeu que aquele que o sobrepujava em grandeza tinha nascido e não quis ser chamado nem deus nem senhor. Pode-se também ler em certas crônicas que ao se aproximar o nascimento do Senhor, Otávio construiu vias públicas pelo mundo e perdoou todas as dívidas dos romanos. O nascimento foi manifestado mesmo pelos sodomitas, que em todo o mundo foram destruídos naquela noite, como diz Jerônimo comentando a passagem Lux orta est: "Elevou-se então uma luz tão forte que fez morrer todos os que se entregavam a esse vício. Cristo assim fez para extirpar da natureza humana que ele assumira, uma impureza tão infame". Ademais, diz Agostinho, tendo Deus visto no gênero humano esse vício contrário à natureza, quase desistiu de se encarnar. Quinta forma: o nascimento foi proclamado pela criatura que tem o ser, a vida, o sentimento, o discernimento e a inteligência, isto é, o anjo. De fato, os anjos anunciaram o nascimento de Cristo aos pastores, como acabamos de dizer acima.
Em terceiro lugar, a Natividade foi útil aos homens por várias razões. Primeira delas, pela confusão em que ficaram os demônios, que não mais poderiam levar vantagem sobre nós, como antes. Lemos que certa vez na véspera da Natividade do Senhor, São Hugo,6 abade de Cluny, viu a bem-aventurada Virgem com o filho nos braços, e ela lhe disse: "Hoje é o dia em que os oráculos dos profetas são renovados. Onde está agora esse inimigo que antes era o amo dos homens?". A essas palavras o diabo saiu debaixo da terra para ultrajar a Virgem, mas a iniquidade fracassou, porque ao percorrer o mosteiro foi rejeitada no oratório pela devoção, no refeitório pela leitura, nos dormitórios pelas camas desconfortáveis, na sala capitular pela paciência. Também podemos ler no livro de PEDRO DE CLUNY que na véspera do Natal a bem-aventurada Virgem apareceu a São Hugo, abade de Cluny, com o filho no colo e brincando com ele, que dizia: "Mãe, você sabe com que alegria a Igreja celebra hoje o dia do meu nascimento. Onde está agora a força do diabo? Que pode ele dizer e fazer?". Então o diabo saiu da terra e disse: "Se não posso entrar na igreja onde se celebram os ofícios, entrarei no capítulo, no dormitório e no refeitório". E tentou fazê-lo, mas a porta do capítulo era estreita demais para sua largura, a porta do dormitório baixa demais para sua estatura e a porta do refeitório tinha barreiras formadas pela caridade dos servidores, pela atenção dada à escuta da leitura, pela sobriedade no beber e comer, e então ele desapareceu confuso.
Segunda razão pela qual a Natividade foi útil: para obtenção do perdão. Podemos ler num livro de exempla 7 que mesmo tendo abandonado a vida lúbrica e tendo se arrependido, uma mulher não acreditava que obteria o perdão e temia o Juízo por se achar culpada. Ao pensar no Inferno, considerava-se imunda e merecedora dele; ao pensar no Paraíso, achava-se indigna dele; ao pensar na Paixão, considerava-se ingrata. Mas ao pensar na facilidade em se acalmar as crianças, ela invocou Cristo por sua infância e ouviu uma voz que lhe garantia já ter merecido o perdão.
Terceira razão: para a cura das doenças. Eis que diz Bernardo sobre essa utilidade da Natividade: "O gênero humano tinha três doenças, no começo, no meio e no fim, isto é, no nascimento, na vida e na morte. O nascimento era maculado, a vida perversa e a morte perigosa. Veio Cristo que trouxe um tríplice remédio a essa tríplice doença. Ele nasceu, viveu e morreu. Seu nascimento purificou o nosso, sua vida foi um exemplo para a nossa, sua morte destruiu a nossa".
Quarta razão: para humilhar nosso orgulho, o que fez Agostinho dizer que a humildade mostrada pelo Filho de Deus na Encarnação foi um exemplo, um sacramento e um remédio. Um exemplo a imitar, um sacramento pelo qual o vínculo de nosso pecado foi rompido e um remédio que cura a presunção de nosso orgulho. Assim falou Agostinho. De fato, o orgulho do primeiro homem foi curado pela humildade de Cristo. Observe-se ainda que a humildade do Salvador corresponde ao orgulho do traidor, porque o orgulho do primeiro homem foi contra Deus, até Deus e acima de Deus. Foi contra Deus, porque ia contra o preceito que proibia comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Foi até Deus, porque desejou igualar-se a Ele, crendo no diabo que dissera: "Vocês serão como deuses" 8. Foi acima de Deus, segundo Anselmo, ao querer o que Deus não queria que o homem quisesse. Com efeito, este colocou sua vontade acima da vontade de Deus, mas o Filho de Deus, segundo JOÃO DAMASCENO, humilhou-se não contra os homens, mas pelos homens, até os homens e acima dos homens: pelos homens, isto é, para sua utilidade e sua salvação; até os homens, por um nascimento semelhante do deles; acima dos homens, por um nascimento diferente do deles. Seu nascimento foi semelhante ao nosso, pois nasceu de uma mulher, e foi diferente do nosso, pois nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria.
Notas:
1. O sentido primeiro da palavra era "declaração pública", isto é, autodefinição da condição familiar, social, política, religiosa etc., inclusive da atividade econômica exercida, acepção que, sem eliminar as demais, acabaria por ser a mais popular nas línguas românicas.
2. O nome dessa igreja (localizada entre o Fórum e o Coliseu) devia-se à proximidade de outra, conhecida por Santa Maria Antiqua, adaptação que a Alta Idade Média fizera de um edifício imperial romano. A atual Santa Maria Nova (também chamada Santa Francesca Romana) é do século XVII, tendo apenas alguns vestígios do século XII.
3. Não se deve confundir Godolias, amigo do profeta (Jeremias 39,14), com o gigante Golias derrotado por Davi (I Samuel 17,4-51).
4. Isto é, Santa Maria Altar do Céu, situada ao norte do monte Capitolino, no lugar do antigo templo de Juno, atrás da moderna Piazza Venezia.
5. Lucas 2,14.
6. São Hugo (1024-1109) foi o abade que fez de Cluny a cabeça da mais importante rede monástica do Ocidente, a qual passou de 65 casas no início de seu abaciado para 1200 por ocasião de sua morte. Refletindo o crescimento da abadia-mãe nesse período (de cem para trezentos monges), Hugo empreendeu a construção de uma nova igreja (conhecida por Cluny III), que seria a maior do Ocidente por quatro séculos.
7. Sobre este gênero literário, ver nossas observações na Introdução.
8.Gênesis 3,5.
Fonte: Jacopo de Varazze, Legenda Áurea - Vidas de Santos
Tradução do latim, apresentação, notas e seleção iconográfica
Hilário Franco Júnior, 2003.
Editora Schwarcz S.A. - Companhia das Letras