sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne

 
 
 
 
 
 
A natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne ocorreu, contando a partir da formação de Adão, 5228 anos depois conforme alguns, 6 mil anos conforme outros, 5199 anos conforme Eusébio de Cesaréia em sua crônica, ou seja, no tempo do imperador Otávio. Metódio, que dá a data de 6 mil anos, parece basear-se mais em ideias místicas do que históricas.
Quando o Filho de Deus encarnou, o universo desfrutava uma paz tão profunda que o imperador dos romanos era o único senhor do mundo. Seu primeiro nome foi Otávio, depois se chamou César por causa de Júlio César, de quem era sobrinho. Também foi chamado Augusto, porque expandiu a República, e imperador, por causa dessa dignidade com que foi honrado, sendo o primeiro dos reis a ter esse título. Como o Senhor quis se encarnar para nos trazer paz temporal e paz eterna, quis nascer num tempo de paz terrena. Naquele momento cidades, fortalezas, burgos e homens estavam sob sua autoridade.
Além disso, como está dito na HISTÓRIA ESCOLÁSTICA, ordenou que todos os homens fossem à cidade de que eram originários e que cada um deles desse ao governador da província um denário de prata (que equivalia a dez soldos comuns, daí seu nome), moeda que trazia a efígie e o nome de César, reconhecendo-se assim súdito do Império Romano. Esse reconhecimento acontecia com cada chefe de família antes de entregar o denário em nome próprio e de seus descendentes, colocando a moeda sobre sua cabeça e declarando-se em público súdito do Império Romano. Este ato era parte do recenseamento, que implicava profissão de fidelidade ao império e registro das pessoas. Da expressão próprio ore fassio, "reconheço com meus próprios lábios", surgiu a palavra "profissão"¹. Seguia-se o registro, que consistia em anotar numa lista o número de pessoas em nome de quem o chefe de família oferecido o tributo.
O primeiro a fazer um censo foi Cirino, governador da Síria. A História escolástica diz que Cirino foi o primeiro, mas esta expressão pode ser entendida de outras maneiras. "Primeiro" pode se referir à Judéia, que é o umbigo, isto é, o centro da terra habitável, e portanto era razoável que o censo começasse por ela antes de ser adotado pelos governadores de outras províncias. Diz-se também que foi o primeiro censo universal, porque os feitos anteriormente tinham sido parciais. Ou talvez porque tenha sido o primeiro a contabilizar os chefes de famílias diante do governador local, diferentemente dos que consideravam as cidades e eram realizados diante do lugar-tenente de César, ou daqueles que englobavam as regiões e eram feitos na presença do próprio César.
José vivia em Nazaré, mas como era descendente de Davi foi se registrar em Belém. Como estava próximo o momento do parto de Maria e ele ignorava quando poderia voltar, levou-a consigo, não querendo deixar em mãos estranhas o tesouro que Deus lhe confiara, cioso que estava de se encarregar pessoalmente desta tarefa. Ao se aproximar de Belém (assim atestam BARTOLOMEU em sua compilação e o chamado LIVRO DA INFÂNCIA DO SALVADOR), a bem-aventurada Virgem viu uma parte do povo na alegria e outra no sofrimento, o que um anjo explicou da seguinte forma: "A parte do povo que está alegre é constituída pelos gentios que receberão bênção eterna pelo sangue de Abraão, e a parte que está sofrendo é o povo judeu, merecidamente reprovado por Deus".
Chegando a Belém, como eram pobres e como muitas outras pessoas vindas pelo mesmo motivo ocupavam as hospedarias, não encontraram alojamento. Instalaram-se então numa passagem pública que se encontrava (de acordo com a História escolástica) entre duas casas, uma espécie de tenda fora da cidade, onde se reuniam os cidadãos locais para nos dias livres conversar, ou para se abrigar quando fazia mau tempo. Ali José fez uma manjedoura para um boi e um jumento que levara consigo, ou, segundo alguns autores, a manjedoura já existia, tendo sido feita para os camponeses que se dirigiam ao mercado e ali amarravam seus animais. Por volta da meia-noite de domingo, a bem-aventurada Virgem deu à luz seu filho e colocou-o no feno da manjedoura, feno, como está dito na História escolástica, que foi mais tarde levado a Roma pela bem-aventurada Helena, pois o boi e o jumento não quiseram comê-lo.
Em primeiro lugar, o nascimento de Cristo foi milagroso em três aspectos: quanto à geratriz, quanto ao que foi gerado, quanto ao modo de geração. Primeiro quanto à geratriz, que foi virgem antes e depois do parto. Prova-se de cinco maneiras que ela permaneceu virgem. Primeira, pela profecia de Isaías,7: "Eis a virgem que conceberá e dará a luz um filho etc.". Segunda, pelos símbolos que a prefiguraram: a vara de Aarão floriu sem cuidado humano e a porta de Ezequiel permaneceu sempre fechada. Terceira, por aquele que a guardou: José sempre cuidou dela, e foi testemunha da sua virgindade. Quarta, pela comprovação: no momento do parto (como podemos ler na compilação de Bartolomeu e no Livro da infância do Salvador), apesar de não duvidar que Deus ia nascer de uma virgem, José, segundo o costume local, convocou duas parteiras, uma chamada Zebel, outra Salomé. Depois de examinar a parturiente com cuidado, Zebel verificou que era virgem e exclamou: "Uma virgem deu à luz!". Salomé que não acreditou quis comprovar, mas sua mão secou de imediato. Entretanto apareceu-lhe um anjo, que a fez tocar a criança e ela ficou imediatamente curada. Quinta, pela evidência do milagre: segundo conta Inocêncio III, Roma viveu em paz por doze anos, e para comemorar ergueu-se à paz um templo magnífico, no qual colocaram a estátua de Rômulo. Consultaram Apolo para saber quanto tempo a paz duraria e obtiveram a resposta: "Até o momento em que uma virgem der à luz". Ouvindo isso, todos disseram: "Então vai durar para sempre", pois achavam impossível que uma virgem pusesse um filho no mundo. Colocaram então nas portas do templo a inscrição "Templo da paz eterna", mas na mesma noite em que a virgem deu à luz o templo desabou, e nesse lugar situa-se hoje a igreja de Santa Maria Nova.²
Segundo aspecto, a Natividade foi milagrosa quanto ao que foi gerado. Diz Bernardo: "Nela foram reunidos o eterno, o antigo e o novo; o eterno é a divindade, o antigo é a carne tirada de Adão, o novo é uma nova alma criada no momento da concepção". Ele prossegue em outra parte:
 
Deus fez três misturas e três obras, tão singulares que nunca foram e nunca serão feitas outras iguais. Houve união real entre Deus e homem, entre mãe e virgem, entre fé e espírito humano. A primeira união é admirabilíssima, porque barro e Deus, majestade e doença, baixeza e sublimidade foram postos juntos. De fato, não há nada mais sublime do que Deus, como não há nada mais baixo do que o homem. A segunda união não é menos admirável, porque nunca no mundo tinha-se ouvido dizer que uma mulher que houvesse dado à luz fosse virgem, que uma mãe não cessasse de ser virgem. A terceira união é inferior à primeira e à segunda, mas não é menos importante. É admirável o espírito humano ter tido fé nessas duas coisas, ter podido crer que Deus se fez homem e que uma virgem deu à luz e continuou virgem.
 
 Quem falou isso foi Bernardo.
Terceiro aspecto, a Natividade foi milagrosa quanto ao modo de geração. De fato, seu parto superou as leis da natureza, por ter sido uma virgem a conceber; superou a razão, pois o gerado foi Deus; superou a condição da natureza humana, pois foi um parto sem dores; superou o normal, pois a virgem não concebeu a partir de sêmen humano, mas de um sopro místico do Espírito Santo, que tomou o que havia de mais puro e de mais casto no sangue da virgem para formar aquele corpo. Deus assim mostrou um quarto modo, admirável, de criar um homem. ANSELMO diz a respeito: "Deus pode criar o ser humano de quatro maneiras: sem homem nem mulher, como criou Adão; de um homem sem mulher, como criou Eva; do homem e da mulher, como de costume; de uma mulher sem homem, como nesse caso maravilhoso".
 
Em segundo lugar, o caráter milagroso da Natividade foi demonstrado pelo fato de nela terem intervindo todas as espécies de criaturas. A que tem somente o ser, como as que são puramente corpóreas, por exemplo as pedras. A que tem o ser e a vida, como os vegetais e as árvores. A que tem o ser, a vida e o sentimento, como o homem. A que tem o ser, a vida, o sentimento, o discernimento e a inteligência, como o anjo. Todas essas criaturas anunciaram o nascimento de Cristo de diversas formas.
Primeira. As puramente corpóreas dividem-se em três grupos: são ou opacas ou transparentes ou brilhantes. As opacas notificaram ao mundo o nascimento de Cristo por meio da destruição do templo dos romanos, como já foi dito, e também da queda de diferentes estátuas que naquele momento caíram em vários outros lugares. Sobre isso pode-se ler na História escolástica:
 
O profeta Jeremias, ao ir para o Egito após a morte de Godolias,³ informou aos reis do país que seus ídolos cairiam por terra quando uma virgem desse à luz um filho. É por isso que os sacerdotes dos ídolos adoravam num lugar secreto do templo a imagem de uma virgem com uma criança no colo. O rei Ptolomeu perguntou-lhes certa vez o que significava aquilo, e eles responderam que era um mistério revelado a seus ancestrais por um santo profeta, e que um dia iria se realizar.
 
 
Os corpos transparentes falaram da Natividade quando na mesma noite em que ela ocorreu a escuridão foi transformada em claridade semelhante à do dia. Em Roma (atestam ORÓSIO e Inocêncio III), a água de uma fonte transformou-se em óleo e correu abundantemente até o Tibre. Ora, a sibila predissera que quando jorrasse uma fonte de óleo, nasceria o Salvador. Corpos luminosos apareceram no céu no dia da Natividade. De acordo com antigos relatos (conta-nos Crisóstomo), os magos estavam orando numa montanha quando diante deles apareceu uma estrela com a forma da mais linda criança, sobre cuja cabeça brilhava uma cruz. A estrela disse aos magos para irem à Judéia, onde encontrariam esse recém-nascido. Nesse mesmo dia três sóis apareceram no Oriente, e pouco a pouco tornaram-se apenas um. Era um sinal de que aquele que acabava de nascer reunia em sua pessoa três substâncias: a alma, a carne e a divindade.
Pode-se ler, entretanto, na História escolástica, que não foi no dia da Natividade que apareceram os três sóis, mas algum tempo antes, após a morte de Júlio César. Eusébio também o assevera em sua crônica. O imperador Otávio (diz o papa Inocêncio III) depois de ter submetido o universo à dominação romana agradou tanto ao Senado que este quis honrá-lo como um deus. Mas o imperador, cheio de prudência e sabendo-se homem, não quis usurpar a honra da imortalidade. Instado pelo Senado, consultou a sibila para saber por seus oráculos se algum dia nasceria no mundo um mortal maior que ele. Isso aconteceu no dia da Natividade do Senhor, e enquanto a sibila explicava seus oráculos a sós com o imperador num quarto do palácio, eis que no meio do dia um círculo de ouro rodeia o sol e no meio do círculo aparece uma virgem maravilhosamente bela, trazendo uma criança no colo, o que a sibila mostrou a César, extasiado com essa visão. Ele então ouviu uma voz dizer: "Eis o altar do céu". E a sibila acrescentou: "Esta criança é maior que você, adore-a". Esse quarto foi dedicado a Santa Maria, sendo hoje a igreja Santa Maria in Aracoeli. 4 O imperador compreendeu que aquele menino era maior do que ele. Ofereceu-lhe incenso e a partir desse momento renunciou a ser chamado deus.
Eis como se exprime Orósio a esse respeito: "No tempo de Otávio, mais ou menos na terceira hora, num céu claro, puro e sereno, um círculo em forma de arco-íris rodeou o disco do sol, como se tivesse vindo aquele que havia criado o sol e o universo e os rege sozinho". Eutrópio também diz isso. O historiador Timóteo relata ter encontrado nas antigas histórias dos romanos que no trigésimo quinto ano de seu reinado, Otávio subiu ao Capitólio e perguntou insistentemente aos deuses qual seria depois dele o governador da República, e ouviu uma voz responder: "Um menino celeste, filho do Deus vivo, Deus e homem sem mácula, que em breve nascerá de uma virgem imaculada". Ao saber disso, erigiu um altar nesse lugar e nele colocou a inscrição: "Altar do Filho de Deus vivo".
Segunda forma de anúncio: a Natividade também foi mostrada por criaturas que possuem ser e vida, como as plantas e as árvores. Naquela noite (segundo relata Bartolomeu em sua compilação) as vinhas de Engadia, que produzem bálsamo, floriram, deram frutos e destilaram seu licor. Terceira forma: o nascimento foi divulgado pelas criaturas que têm o ser, a vida e o sentimento, como os animais. Indo para Belém com Maria, que estava grávida, José levou consigo um boi - talvez para vende-lo e pagar o censo que ele e a esposa deviam, ficando com o restante para viver - e um jumento, talvez para servir de montaria à Virgem. O boi e o jumento conheceram o Senhor por milagre e ajoelharam-se para adorá-lo. Antes da Natividade de Cristo (conta Eusébio em sua crônica), por alguns dias os bois que aravam diziam aos lavradores: "Que homens faltarão, as colheitas abundarão".
Quarta forma: o nascimento foi anunciado por criaturas que têm o ser, a vida, o sentimento e o discernimento, como é o caso do homem e, portanto, dos pastores. De fato, naquela hora os pastores vigiavam seus rebanhos como tinham o costume de fazer duas vezes por ano nas noites mais longas e nas noites mais curtas. Antigamente, a cada solstício, isto é, no solstício de verão, por volta da festa de João Batista, e no solstício de inverno, por volta da Natividade do Senhor, era costume dos gentios velar a noite para reverenciar o sol, costume esse que se arraigara também entre os judeus, talvez para seguir o uso dos estrangeiros que habitavam em seu país. O anjo do Senhor apareceu, anunciando-lhes o nascimento do Salvador e ensinando-lhes um sinal  para encontra-lo. A esse anjo juntou-se uma multidão de outros, que diziam: "Glória a Deus nas alturas etc.".5 Os pastores seguiram as indicações e encontraram tudo como o anjo dissera.
Também César Augusto manifestou o nascimento ao proibir que o tratassem como deus, conforme testemunha Orósio. Por ter visto o arco em torno do sol, por ter se lembrado da ruína do templo e da fonte de óleo, compreendeu que aquele que o sobrepujava em grandeza tinha nascido e não quis ser chamado nem deus nem senhor. Pode-se também ler em certas crônicas que ao se aproximar o nascimento do Senhor, Otávio construiu vias públicas pelo mundo e perdoou todas as dívidas dos romanos. O nascimento foi manifestado mesmo pelos sodomitas, que em todo o mundo foram destruídos naquela noite, como diz Jerônimo comentando a passagem Lux orta est: "Elevou-se então uma luz tão forte que fez morrer todos os que se entregavam a esse vício. Cristo assim fez para extirpar da natureza humana que ele assumira, uma impureza tão infame". Ademais, diz Agostinho, tendo Deus visto no gênero humano esse vício contrário à natureza, quase desistiu de se encarnar. Quinta forma: o nascimento foi proclamado pela criatura que tem o ser, a vida, o sentimento, o discernimento e a inteligência, isto é, o anjo. De fato, os anjos anunciaram o nascimento de Cristo aos pastores, como acabamos de dizer acima.
Em terceiro lugar, a Natividade foi útil aos homens por várias razões. Primeira delas, pela confusão em que ficaram os demônios, que não mais poderiam levar vantagem sobre nós, como antes. Lemos que certa vez na véspera da Natividade do Senhor, São Hugo,6 abade de Cluny, viu a bem-aventurada Virgem com o filho nos braços, e ela lhe disse: "Hoje é o dia em que os oráculos dos profetas são renovados. Onde está agora esse inimigo que antes era o amo dos homens?". A essas palavras o diabo saiu debaixo da terra para ultrajar a Virgem, mas a iniquidade fracassou, porque ao percorrer o mosteiro foi rejeitada no oratório pela devoção, no refeitório pela leitura, nos dormitórios pelas camas desconfortáveis, na sala capitular pela paciência. Também podemos ler no livro de PEDRO DE CLUNY que na véspera do Natal a bem-aventurada Virgem apareceu a São Hugo, abade de Cluny, com o filho no colo e brincando com ele, que dizia: "Mãe, você sabe com que alegria a Igreja celebra hoje o dia do meu nascimento. Onde está agora a força do diabo? Que pode ele dizer e fazer?". Então o diabo saiu da terra e disse: "Se não posso entrar na igreja onde se celebram os ofícios, entrarei no capítulo, no dormitório e no refeitório". E tentou fazê-lo, mas a porta do capítulo era estreita demais para sua largura, a porta do dormitório baixa demais para sua estatura e a porta do refeitório tinha barreiras formadas pela caridade dos servidores, pela atenção dada à escuta da leitura, pela sobriedade no beber e comer, e então ele desapareceu confuso.
Segunda razão pela qual a Natividade foi útil: para obtenção do perdão. Podemos ler num livro de exempla 7 que mesmo tendo abandonado a vida lúbrica e tendo se arrependido, uma mulher não acreditava que obteria o perdão e temia o Juízo por se achar culpada. Ao pensar no Inferno, considerava-se imunda e merecedora dele; ao pensar no Paraíso, achava-se indigna dele; ao pensar na Paixão, considerava-se ingrata. Mas ao pensar na facilidade em se acalmar as crianças, ela invocou Cristo por sua infância e ouviu uma voz que lhe garantia já ter merecido o perdão.
Terceira razão: para a cura das doenças. Eis que diz Bernardo sobre essa utilidade da Natividade: "O gênero humano tinha três doenças, no começo, no meio e no fim, isto é, no nascimento, na vida e na morte. O nascimento era maculado, a vida perversa e a morte perigosa. Veio Cristo que trouxe um tríplice remédio a essa tríplice doença. Ele nasceu, viveu e morreu. Seu nascimento purificou o nosso, sua vida foi um exemplo para a nossa, sua morte destruiu a nossa".
Quarta razão: para humilhar nosso orgulho, o que fez Agostinho dizer que a humildade mostrada pelo Filho de Deus na Encarnação foi um exemplo, um sacramento e um remédio. Um exemplo a imitar, um sacramento pelo qual o vínculo de nosso pecado foi rompido e um remédio que cura a presunção de nosso orgulho. Assim falou Agostinho. De fato, o orgulho do primeiro homem foi curado pela humildade de Cristo. Observe-se ainda que a humildade do Salvador corresponde ao orgulho do traidor, porque o orgulho do primeiro homem foi contra Deus, até Deus e acima de Deus. Foi contra Deus, porque ia contra o preceito que proibia comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Foi até Deus, porque desejou igualar-se a Ele, crendo no diabo que dissera: "Vocês serão como deuses" 8. Foi acima de Deus, segundo Anselmo, ao querer o que Deus não queria que o homem quisesse. Com efeito, este colocou sua vontade acima da vontade de Deus, mas o Filho de Deus, segundo JOÃO DAMASCENO, humilhou-se não contra os homens, mas pelos homens, até os homens e acima dos homens: pelos homens, isto é, para sua utilidade e sua salvação; até os homens, por um nascimento semelhante do deles; acima dos homens, por um nascimento diferente do deles. Seu nascimento foi semelhante ao nosso, pois nasceu de uma mulher, e foi diferente do nosso, pois nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria.
 
 
 
Notas:
1.  O sentido primeiro da palavra era "declaração pública", isto é, autodefinição da condição familiar, social, política, religiosa etc., inclusive da atividade econômica exercida, acepção que, sem eliminar as demais, acabaria por ser a mais popular nas línguas românicas.
 
2. O nome dessa igreja (localizada entre o Fórum e o Coliseu) devia-se à proximidade de outra, conhecida por Santa Maria Antiqua, adaptação que a Alta Idade Média fizera de um edifício imperial romano. A atual Santa Maria Nova (também chamada Santa Francesca Romana) é do século XVII, tendo apenas alguns vestígios do século XII.
 
3. Não se deve confundir Godolias, amigo do profeta (Jeremias 39,14), com o gigante Golias derrotado por Davi (I Samuel 17,4-51).
 
4. Isto é, Santa Maria Altar do Céu, situada ao norte do monte Capitolino, no lugar do antigo templo de Juno, atrás da moderna Piazza Venezia.
 
5. Lucas 2,14.
 
6. São Hugo (1024-1109) foi o abade que fez de Cluny a cabeça da mais importante rede monástica do Ocidente, a qual passou de 65 casas no início de seu abaciado para 1200 por ocasião de sua morte. Refletindo o crescimento da abadia-mãe nesse período (de cem para trezentos monges), Hugo empreendeu a construção de uma nova igreja (conhecida por Cluny III), que seria a maior do Ocidente por quatro séculos.
 
7. Sobre este gênero literário, ver nossas observações na Introdução.
 
8.Gênesis 3,5.
 
 
Fonte: Jacopo de Varazze, Legenda Áurea - Vidas de Santos
Tradução do latim, apresentação, notas e seleção iconográfica
Hilário Franco Júnior, 2003.
Editora Schwarcz S.A. - Companhia das Letras 
 

 

sábado, 16 de dezembro de 2017

Catecismo - 6º Artigo: Subiu aos céus




1. Estas palavras: subiu aos céus, significam que Jesus Cristo se elevou ao céu pelo seu próprio poder e em presença de um grande número de seus discípulos, no quadragésimo dia depois de sua ressurreição.
2. Jesus Cristo subiu ao céu no dia da Ascensão.
3. Antes da Ascensão, Jesus Cristo estava no céu como Deus,  não como homem. Depois da Ascensão está no céu como Deus e como homem.
4. Nosso Senhor subiu ao céu: 1º para tomar posse da glória que lhe era devida; 2º para nos preparar ai lugar; 3º para interceder por nós junto do seu Pai; 4º para nos enviar o Espírito Santo.
5. A Ascenção de Nosso Senhor é contada assim no capítulo 1 dos Atos dos Apóstolos, versículos I a II: "No meu primeiro discurso falei na verdade, ó Teófilo, de todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, até ao dia em que, dando preceitos pelo Espírito Santo aos apóstolos que elegeu, foi assunto acima. Aos quais também se manifestou a si mesmo vivo, com muitas provas, depois da sua paixão, aparecendo-lhes por quarenta dias e falando-lhes do reino de Deus. E comendo com eles lhes ordenou que não saíssem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai que ouvistes (disse Ele) da minha boca. Porque João na verdade batizou em água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo não muito depois destes dias. Portanto, os que se haviam congregado lhes perguntavam, dizendo: Senhor, dar-se-á caso que restituas neste tempo o reino a Israel? E Ele lhes disse: Não é da vossa conta saber os tempos nem momentos que o Pai reservou ao seu poder; Mas recebereis a virtude do Espírito Santo que descerá sobre vós, e me sereis testemunhas em Jerusalém, e em toda a Judeia e Samaria, e até às extremidades da terra. E tendo dito isto, vendo-o eles, se foi elevando e o recebeu uma nuvem que o ocultou a seus olhos. E como estavam olhando para o céu quando ele ia subindo, eis que se puseram ao lado deles dois varões com vestiduras brancas, os quais também lhes disseram: Varões Galileus, que estais olhando para o céu? Este Jesus que, separando-se de vós, foi assunto ao céu, assim virá, do mesmo modo que o haveis visto ir ao céu".
6. Jesus Cristo subiu ao céu por sua própria virtude, sem ser arrebatado por qualquer força estranha, como aconteceu a Elias, por exemplo, que para lá foi transportado num carro de fogo, ou como o profeta Habacuc, ou o diácono Filipe que, sustidos nos ares pela força divina, assim percorreram consideráveis distâncias.
7. Jesus Cristo subiu ao céu não somente por efeito desta virtude onipotente que lhe dava a sua divindade, mas ainda pela que possuía como homem.
8. Semelhante prodígio ultrapassava as forças da natureza humana, mas esta virtude de que era dotada a alma bem-aventurada do Salvador podia transportar o seu corpo para onde Ele quisesse. Por outro lado, o corpo assim em estado de glorificação, obedecia facilmente às ordens da alma quando esta lhe imprimia o movimento.
9. Os outros artigos do símbolo que se aplicam a Nosso Senhor mostram-nos a sua humildade e os seus prodigiosos abatimentos. Nada se pode imaginar, com efeito, de mais baixo e abjeto para o Filho de Deus que haver tomado a nossa natureza com todas as suas fraquezas, e ter querido sofrer e morrer por nós. Mas ao mesmo tempo, ao proclamar no artigo precedente que Ele ressuscitou dos mortos, e neste artigo que subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai, nada mais admirável e magnífico podemos dizer para celebrar a sua glória e a sua majestade divina.

Explicação da gravura

10. A gravura representa a Ascenção de Jesus Cristo sobre o monte das Oliveiras. Esta montanha tem três cumes, e foi no cume central que Nosso Senhor subiu ao céu na presença das santas mulheres e dos seus discípulos, e deixando, diz-se, o sinal do seu pé esquerdo gravado na rocha.
11. Quando Jesus Cristo desaparecia na nuvem luminosa aos olhos de seus discípulos, três anjos lhes surgiram, dizendo: "Varões Galileus, que estais olhando para o céu? Este Jesus que, separando-se de vós, foi assunto ao céu, assim virá do mesmo modo que o haveis visto ao céu."


Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910. (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica)
Edição da Juventude Católica de Lisboa.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A Contrição Perfeita - uma chave de ouro do Céu


aos fiéis oferecida
por

J. de Driesch

Sacerdote da Arquidiocese de Colônia

com um prólogo
pelo

P. Agostinho Lehmkuhl, S.J.

Tradução para o português

Bahia
Tip. de S. Francisco

1913
NIHIL OBSTAT.

Fr. Benigno Randebrock, O.F.M.
Cens. Dioc.

IMPRIMATUR

Bahia, 11 de Março de 1913.
Mons. Castro,
Vigário Geral




  Sagrado Coração de Jesus,
tende piedade de nós.

Prólogo

Tanto pela importância da matéria, de certo bem pouco conhecida da maioria dos cristãos, como pela abundância de doutrina e o interesse com que ela é tratada no que diz respeito à sua utilidade prática, bem pode dizer-se que este livrinho encerra em suas poucas páginas o valor de muitos volumes.
O grande meio de salvação chamou Santo Afonso Maria de Ligório a um livrinho que, entre muitos outros, compôs sobre a oração; e diz ele que queria vê-lo nas mãos de todos, por tratar de um meio tão principal e de tanta eficácia para assegurar o Céu às almas. Pois, com não menos verdade, ainda que em sentido algum tanto distinto, devemos dizer outro tanto da prática do amor e contrição perfeita, como sendo o grande meio de salvação, pois que está em conexão ainda mais imediata com a consecução da vida eterna do que somente a oração.
Por isso, queria eu, como Santo Afonso com o seu, ver este livrinho nas mãos de todos, persuadido de que a sua atenta leitura e execução prática das doutrinas que nele se ensinam, abrirão as portas do céu a muitíssimas almas, para quem, sem ele, estariam eternamente cerradas, e de que hão de acrescentar de uma maneira inesperada o direito ao Céu e à eterna bem-aventurança a muitas outras que, pela guarda da graça santificante, já são credores dele.
Não devia haver cristão algum que não estivesse solidamente instruído sobre a transcendência que tem um ato de contrição e caridade perfeita, pois que é de incalculável importância tanto para a hora da morte própria como para a dos outros, a quem talvez tenha de assistir.
Assim, pois, ninguém deveria esquecer-se desta verdade em tempo de saúde; porém, para o tempo de enfermidade e de perigo sobretudo, é sumamente para desejar-se que a conheçam a fundo e profundamente a gravem na alma dos que a têm esquecido ou só imperfeitamente a conhecem.
Oxalá, pois, se difunda o mais possível esta obrazinha, e não duvido de que a sua leitura será acompanhada de inumeráveis bênçãos do céu.

Pe. Agostinho Lehmkuhl, S.J.
Valkenburg, Colérgio de Santo Inácio, outubro de 1903.



Introdução

Ao ver o título de Chave de ouro do Céu, parece-me, amado leitor, que estarás ansioso por ver se este livrinho corresponde por dentro ao que promete por fora. Mas, pode ser que te ocorram algumas suspeitas. Talvez que, nas práticas dominicais, o teu zeloso pároco te tenha prevenido contra certas folhas e publicações supersticiosas, contra as Chaves do céu, os Ferrolhos do Inferno, as Orações maravilhosas autênticas e contra todas as mercadorias parecidas, chamam-lhe como quiserem.
"Porém, se este livrinho é o que deve e promete ser - dirás, de ti para ti - seria ditoso, teria uma chave do Céu, de que poderia muito bem aproveitar-me".

E verdadeiramente de ouro e digna, portanto, de todo o apreço deve ser a chave que este autor me apresenta reluzente diante dos olhos.
Se é verdadeiro ouro, e não só de ouropel, estou feliz.
Sim, amado leitor, sólida e legítima é a chave e bem fácil de manejar por certo: é a contrição perfeita. Ela te abrirá, em cada dia e a cada momento, o Céu se o fechaste com o ferrolho do pecado mortal; e sobretudo se, no fim da tua vida, como pode suceder, não tiveres nem puderes ter ao teu lado o sacerdote, que é o depositário das chaves da divina misericórdia, a contrição perfeita será a última e suprema chave com que, ajudado da graça de Deus, poderás franquear-te o Céu. Porém, para isso, é preciso que te acostumes a manejá-la em vida.
Pela contrição perfeita, estão salvas no Céu inumeráveis almas que, de outro modo, se teriam perdido para sempre. Já vês, pois, que é importante, e sumamente importante, o que te recomendo neste livrinho. Por isso, dizia o douto e piedoso cardeal Franzelin: "Se eu pudesse percorrer os campos pregando a palavra divina, nenhuma outra coisa pregaria com mais frequência do que a contrição perfeita."
Mais adiante, no capítulo V, te direi como vim a escrever este livrinho e a percorrer assim os campos pregando a contrição perfeita. Deus Nosso Senhor, por seu amor e misericórdia, te assista com sua graça para que o compreendas, e, sobretudo, para que o pratiques, que é o que importa, conforme a sua doutrina.
Posto isto, começo em nome do Senhor.


I
Que é a contrição perfeita?

Contrição é uma dor da alma e uma detestação dos pecados cometidos. Deve acompanhá-la o propósito, quer dizer, uma firme vontade de emendar a vida e de não mais pecar. Para que a contrição seja legítima, deve ser interna e estar na alma, isto é, que não seja uma mera expressão feita com os lábios e sem reflexão: isto seria apenas contrição de boca.
Não é necessário manifestar exteriormente a contrição interna por meio de suspiros, lágrimas, etc.: tudo isto pode ser sinal de contrição, não é, porém, sua essência. A essência da contrição está na alma, na vontade, em afastar-se deveras do pecado e converter-se para Deus.
Além disto, a contrição deve ser geral, quer dizer, deve estender-se a todos os pecados cometidos ou, pelo menos, a todos os mortais. Deve, finalmente, ser sobrenatural e não meramente natural, pois esta nada aproveita.
Segue-se que a contrição, como todo o bem, deve proceder de Deus e da sua graça, e, com a graça de Deus, desenvolver-se na alma. Porém, não tenhas receio; basta que a peças, basta que tenhas boa vontade e te arrependas por algum motivo legítimo, sobrenatural, e Deus te dará a graça necessária.
Se o motivo se funda na natureza ou somente na razão (por exemplo, nos danos temporais, na vergonha, doença, etc.), é muito fácil que a dor seja puramente natural e sem mérito; porém, se o motivo da contrição é alguma verdade da Fé, por exemplo: o inferno, o purgatório, o céu, Deus, etc., então a contrição é legítima, sobrenatural.
E esta contrição legítima e sobrenatural pode, por sua vez, ser de duas classes: perfeita e imperfeita; e com isto temos chegado a nossa matéria da contrição perfeita.
Em poucas palavras, contrição perfeita é a contrição que procede de amor; imperfeita, a que procede do temor de Deus.
É contrição perfeita quando procede de amor perfeito a Deus. Pois bem, o nosso amor a Deus é perfeito quando o amamos porque Ele é em Si infinitamente perfeito, formoso e bom (amor de benevolência), e porque nos mostrou de uma maneira tão admirável o seu amor (amor de agradecimento).
É imperfeito o amor de Deus quando o amamos porque esperamos alguma coisa dEle. De modo que, com o amor imperfeito, pensamos sobretudo nos dons; com o perfeito, na bondade do dador; com o amor imperfeito, amamos mais os dons; com o perfeito amamos mais o dador, e isto não tanto pelos seus dons como pelo amor e bondade que nos dons se manifesta.
Do amor nasce a contrição. Será, pois, perfeita a contrição se nos arrependermos dos pecados por amor perfeito de Deus, quer seja de benevolência quer de agradecimento. Será imperfeita se nos arrependermos dos pecados por temor de Deus, porque pelo pecado perdemos a recompensa de Deus, o Céu, e merecemos seu castigo, o inferno ou o purgatório.
Na contrição imperfeita, fixamo-nos principalmente em nós e nas desgraças que, segundo a Fé nos ensina, nos acarretou o pecado. Na contrição perfeita, fixamo-nos sobretudo em Deus, na sua grandeza, na sua formosura, amor e bondade, vendo quanto o pecado O ofende, e que foi o pecado que Lhe ocasionou tantos sofrimentos e dores para nos redimir. Na contrição perfeita, não queremos unicamente o nosso bem, senão o bem de Deus.
Com um exemplo o verás melhor. Quando São Pedro negou o Divino Salvador, saiu fora e "chorou amargamente" (Lc 22,62). - Por que chora São Pedro? É, porventura, pensando na vergonha que vai ter diante dos outros apóstolos? Se assim fosse, a sua dor teria sido puramente natural e sem mérito. É porque receia que seu Divino Mestre lhe tire, como ele merece, o cargo de Apóstolo e Superior e o expulse do seu reino? Então seria boa contrição, mas somente imperfeita. Mas, não; Pedro arrepende-se e chora, antes de tudo, porque ofendeu a seu amado Mestre, tão bom, tão santo, tão digno de ser amado e por ser tão desagradecido ao seu imenso amor por ele. Tem, pois, verdadeira e perfeita contrição.
Agora dize-me: tens tu também, cristão de minha alma, algum fundamento, algum motivo, parecido com o de São Pedro, para te arrependeres dos teus pecados por amor, e por amor perfeito e agradecido? Sim, certamente, pois os benefícios que Deus te tem feito são mais que os cabelos da tua cabeça, e, considerando-os, podes dizer, em cada um deles, o que dizia São João: "Amemos a Deus já que Ele nos amou primeiro" (Jo 4,19).
E como te amou?
"Com amor eterno te amei - disse Ele - e me compadeci de ti e te atrai a mim" (Jer 31,3).
Sim, com amor eterno te amou. Desde toda a eternidade, desde quando ainda não havia nem um átomo de ti sobre a terra, te olhou com aqueles seus olhos amorosos e que tudo penetram, e te preparou alma e corpo, céu e terra, com o amor com que uma mãe prepara todo o necessário para o filhinho que ainda não nasceu. Ele deu-te a saúde e a vida, Ele te deu e te dá, em cada dia, todos os bens naturais. Consideração esta que até aos pagãos pode fazê-los chegar ao conhecimento e amor perfeito de Deus; quanto mais a ti, cristão, que conheces outro gênero muito diferente de amor e de bondade, o amor e bondade sobrenatural de Deus para contigo; porque Deus se compadeceu de ti; e quando, com todo o gênero humano, estavas condenado pela culpa original, Deus enviou o seu Unigênito Filho, e Ele se fez teu Salvador e te remiu com seu sangue, morrendo na Cruz. E em ti pensava com entranhado amor quando agonizava no horto das Oliveiras, e quando derramava o seu sangue com os açoites e os espinhos, e quando subia arrastando a pesada Cruz pelo longo e áspero caminho do Calvário; e quando, cravado nela, se desfazia em sangue entre indizíveis tormentos. Em ti pensava com entranhado amor, como se tu foras o único homem da terra.
Que tens a concluir daqui? "Amemos a Deus já que Ele nos amou primeiro" (I Jo 4,19).
E Deus te atraiu a Ele pelo batismo, graça capital e primeira da tua vida, e pela Igreja, em cujo seio foste então admitido. Quantos há que, só a força de trabalhos e canseiras, conseguem encontrar a verdadeira Fé, e a ti te ofereceu Deus desde o berço, por puro amor. Atraiu-te a Ele e te atrai sempre pelos sacramentos e pelas inumeráveis graças interiores e exteriores de que te enche todos os dias, pois, em verdade, estás nadando, como em imenso mar, na bondade e amor de Deus. E este amor, quer ainda coroá-lo colocando-te consigo no Céu e fazendo-te eternamente feliz. Que lhe deves por tanto amor? Não é verdade que deves corresponder a ele? Amemos também a Deus já que Ele nos amou primeiro.
Pois, vamos a contas e dize-me: Como tens pago a Deus, tão bom e amoroso, o seu amor e bondade para contigo? Dir-me-ás, sem dúvida, que com ingratidão e pecados. E pesa-te essa ingratidão? Sem dúvida que sim e queres ressarcir a tua pesada ingratidão, amando quanto possas tão grande e amoroso benfeitor. Pois, olha, se assim é, já tens contrição perfeita, contrição de amor de Deus. Para facilitar, chama-se a esta contrição de amor de Deus, contrição de amor ou de caridade.
Na mesma contrição de caridade, há uma mais levantada, que é quando alguém ama a Deus porque Ele é em si infinitamente formoso, glorioso, perfeito e digno de amor, prescindindo do seu amor e misericórdia para conosco. Há estrelas - e com esta comparação julgo que entenderás melhor - que, por estarem muito longe de nós, não as podemos distinguir, e, contudo, são tão grandes e formosas como o sol, que tão prodigiosamente nos dá o calor e a vida.  Pois assim, ainda quando o homem não tivesse visto nem gozado nunca do amor de Deus, eterna estrela do céu, ainda quando Deus não tivesse criado o mundo nem criatura alguma, seria apesar disso grande, formoso, glorioso e digno de ser amado, porque é em si mesmo e para si, o bem mais excelente, o mais perfeito e digno de amor. Isto e não outra coisa quer dizer essa expressão que, mais de uma vez, terás encontrado nos devocionários e nas fórmulas do ato de contrição e te terá parecido talvez um tanto obscura.
Detém-te, pois, agora e contempla o amor de Deus; contempla-o, sobretudo, nos amargos sofrimentos do Salvador, a cuja luz o compreenderás tão facilmente como facilmente te arrebatará o coração.
Eis aqui o modo de alcançar praticamente a contrição perfeita.


II
Como se excita a contrição perfeita?


Hás de pressupor que a contrição perfeita é graça e grande graça do amor e misericórdia de Deus; e, se assim é, hás, portanto, de pedi-la com instância. Porém, não te contentes com fazê-lo somente quando trates de excitar a contrição, porque o desejo de alcançá-la deve ser um dos mais ardentes anseios de tua alma. Pede-a, pois, dizendo: Senhor, dai-me a graça do perfeito arrependimento, da perfeita contrição dos meus pecados. E Deus não te faltará com a sua graça, se tiveres boa vontade.
Posto isto, repara como poderás facilmente conseguir a contrição perfeita
Põe-te diante de um crucifixo, na igreja ou na casa de tua habitação, ou senão imaginas que o tens diante de ti, e, chorando de compaixão à vista das feridas do Senhor, pensa uns momentos com fervor: Quem é este que está pendente da Cruz e sofrendo nela? - É Jesus, meu Deus e Salvador. Que sofre? - As mais terríveis dores no corpo, tem-no ensanguentado e coberto de feridas; a alma, tem-na lacerada pelas dores e afrontas. Por que sofre tudo isso? - Pelos pecados os homens e... também pelos meus pecados; em meio de suas amarguradas dores, também pensa em mim, também sofre por mim, também quer expiar os meus pecados. - Entretanto, deixa que o sangue redentor do Salvador, quente ainda, caia sobre ti, gota a gota, e pergunta a ti mesmo como tens correspondido ao teu Salvador, tão atormentado por ti.
Pensa um momento, recorda teus pecados, e esquece-te, se quiseres, do Céu, do inferno, e arrepende-te principalmente porque são eles que a tão miserando estado reduziram o teu Salvador; promete-lhe que não tornarás a crucificá-lo com mais pecados e, por fim, reza, pausadamente e com fervor acompanhando com sentimento interno, as palavras, a fórmula da contrição.
Esta oração ou fórmula pode ser diversa e ainda pode cada um servir-se para ela de suas próprias palavras. No fim do livrinho, encontrarás algumas; contudo juntarei aqui uma bastante vulgar:

Senhor meu e Deus meu: pesa-me, do mais íntimo do coração, de todos os pecados de minha vida, porque com eles tenho merecido que a vossa divina Justiça me castigasse na vida e na eternidade; porque tenho correspondido ao vosso amor com tanta ingratidão, sendo como sois o meu maior benfeitor; porém, sobretudo, porque com eles Vos tenho oferecido a Vós, meu bem supremo e digno de todo o amor. Proponho firmemente emendar-me e não mais pecar. Dai-me, meu Jesus, a graça para cumpri-lo. Amém.

Três porquês contém esta oração, e a cada porquê acompanha um motivo de contrição, primeiro da imperfeita, depois da perfeita; pois, da imperfeita se passa mais facilmente para a perfeita e é por isto conveniente unir as duas espécies de contrição. Em outras palavras, convém que se excite em primeiro lugar a contrição imperfeita e depois a perfeita. Dize, pois:
1 - "porque com eles, tenho merecido..." Isto é ainda contrição imperfeita.
2 - "porque tenho correspondido..." Esta vai já se aproximando da contrição perfeita e até se reduz a ela; porque, se deveras sinto ter correspondido com ingratidão e com pecados ao amor e bondade de Deus, necessariamente hei de querer ressarcir com amor esta ingratidão; e o sentir por amor a ofensa do benfeitor, a quem até agora se desconhecia, é já contrição perfeita, contrição de caridade para com Deus.
3 - "porém, sobretudo, porque com eles Vos tenho ofendido..." Se voltares a ler o capítulo I, entenderás o que isto significa e, entendendo-o, verás mais claramente expressado aqui o amor perfeito e a contrição perfeita. Para consegui-lo mais facilmente podes acrescentar, mentalmente ou por palavras, o que segue: "porém, sobretudo, porque com eles Vos tenho ofendido a Vós, meu bem supremo e digno de todo o amor. Salvador meu que, por meus pecados, morrestes na Cruz".
Depois vem o propósito: "Proponho..."
- Porém, padre - dir-me-ás talvez - para outros, será isso muito fácil, mas para mim, é coisa muito difícil, quase impossível. - Parece-te isso? Pois não o julgues tal.


III
É difícil excitar a contrição perfeita?
Antes de tudo, é verdade que, para a contrição perfeita, se requer mais do que para a imperfeita, que é a de que se necessita para a Confissão.
Contudo, porém, ajudado com a graça de Deus, pode qualquer um alcançar a contrição perfeita, bastando que deveras a deseje, porque a verdadeira contrição está na vontade e não no sentimento. Tudo se reduz a termos o devido motivo de arrependimento, quer dizer, que nos arrependamos porque amamos a Deus sobre todas as coisas e, por seu amor, detestamos os nossos pecados; nisto, e não na duração ou intensidade da dor, está a contrição perfeita. Digo isto, porque muitas vezes se confunde a contrição perfeita com certa contrição que há, altíssima e sublime, não se advertindo que a contrição perfeita tem seus graus e degraus, e que, para que o seja, não é necessário que chegue à contrição altíssima e firmíssima de São Pedro, de Madalena, de São Luiz Gonzaga e de outros santos; muito bom seria isso, não é necessário; um grau mais baixo de contrição perfeita e verdadeira basta para perdoar os pecados.
Além disso advertirás uma coisa, que me parece te animará e te dará confiança para poderes alcançar a contrição perfeita. Antes de Jesus Cristo, na Lei antiga, por espaço de 4.000 anos, foi a contrição perfeita o único meio que tiveram os homens para alcançarem o perdão dos pecados e entrarem no Céu. E hoje mesmo a milhões e milhões de pagãos e hereges que só e unicamente pela contrição perfeita, podem sair do pecado. Portanto, se é verdade, como é, que Deus não quer a morte do pecador, parece natural que não haja exigido para a contrição perfeita ato demasiadamente difícil, mas antes que esteja ao alcance de todos. Pois, se podem alcançar a perfeita contrição tantos e tantos que vivem e morrem afastados, é verdade que sem culpa sua, da corrente da graça e da Igreja Católica, ser-te-á isto a ti difícil, a ti, que tens a grande dita de ser cristão e católico, a ti, que tens muito mais graças e estás mais instruído do que eles?
E ainda te digo mais: muitas vezes, sem o saber ou sem o pensar, tens realmente contrição perfeita; quando, por exemplo, ouves piedosamente a santa Missa, quando fazes com devoção a Via-Sacra, quando meditas com fervor diante de uma imagem de Jesus crucificado ou do Sagrado Coração, ou assistes à pregação da palavra divina.
Além disso, muitas vezes pode-se exprimir com poucas palavras o amor mais ardente e a mais profunda contrição, atendendo só ao sentido e ao motivo (o amor de Deus). Por exemplo, com estas jaculatórias: "Deus meu e meu tudo!"; "Meu Jesus, misericórdia!"; "Ó meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas!"; "Meu Deus, compadecei-Vos de mim pecador!" E

"Pequei, já minha alma
Sua culpa confessa;
Mil vezes me pesa
De tanta maldade.

Mil vezes me pesa
De haver, obstinado,
Teu peito rasgado,
Ó suma Bondade!"

Finalmente, se tão soberanos efeitos obra Deus pela contrição perfeita, sinal é de que quer que a excitemos e de que Ele nos ajudará para consegui-la.
E que efeitos são estes que produz a contrição perfeita?


IV
Que efeitos produz a contrição perfeita?

Efeitos verdadeiramente admiráveis!
Se és pecador, perdoa-te imediatamente os pecados e isto de cada vez e ainda antes de receberes o sacramento da Confissão; necessário é, porém, que tenhas vontade de confessá-los mais tarde (vontade esta que já está incluída na contrição perfeita). E este efeito é produzido pela contrição perfeita e verdadeira não só em perigo de morte, mas sempre e quando a excitamos no coração; de modo que o pecador, ao mesmo tempo que lhe são remitidas as penas do inferno, recobra os méritos passados e, de inimigo de Deus, se faz seu filho e herdeiro do Céu.
Se és justo, a contrição perfeita assegura-te e aumenta-te o estado de graça, apaga-te os pecados veniais que, pelo ato de contrição de caridade, detestaste; perdoa-te, sobretudo, as penas dos pecados, firmando e robustecendo-te no verdadeiro e sólido amor de Deus.
Tais são as maravilhas que o amor e a misericórdia de Deus obram na alma do cristão pela contrição perfeita.
Tão grandes são que, talvez, te pareçam incríveis; tratando-se do perigo de morte, já terás ouvido que se devem pedir a contrição e a dor; mas que também, em tempo de saúde e em qualquer tempo, a contrição perfeita obre tais maravilhas, mal te atreverás a acredita-lo.
- Será, pois, certa e segura esta doutrina da contrição perfeita?
Digo-te que é tão firme e tão segura como a própria palavra de Deus.
No Concílio ecumênico de Trento, onde a Igreja declarou e explicou os principais ensinamentos divinos que já eram correntes nela e eram combatidos por muitos hereges, diz-se na Sessão 14, cap. 4: "A contrição perfeita, a contrição que procede do amor de Deus, justifica o homem e reconcilia-o com Deus ainda antes de receber o sacramento da Confissão".
Como o Concílio não diz que isto seja só em tempo de necessidade e em perigo de morte, segue-se que a contrição perfeita produz sempre este efeito. E, para o afirmar, apoia-se a Igreja na palavra e ensino de Jesus Cristo, que diz entre outras coisas: "Se alguém me ama (e isto só o faz o que tem verdadeira contrição no coração), meu Pai o amará e Nós viremos a ele e faremos nela morada" (I Jo 14,23).
Para que, porém, Deus possa habitar na alma, é preciso que o pecado tenha desaparecido; logo, o apagar o pecado é um dos efeitos da contrição perfeita, da contrição de caridade.
Assim também o tem declarado sempre a Igreja infalível, chegando a condenar como herege, Baio, por dizer o contrário.
O mesmo ensinam os Santos Padres e Doutores sagrados sem exceção e o mesmo confirma a razão,  porque se, como já disse, tão grandes efeitos produzia a verdadeira contrição no Antigo Testamento, quando ainda imperava a lei do temor, quanto maior produzirá no Novo, em que impera a lei do amor!
- Dir-me-ás, talvez, porém, se a contrição perfeita destrói os pecados, a que vem confessá-los depois?
Sim, é verdade; a contrição perfeita faz o mesmo que a Confissão, faz com que desapareçam da alma os pecados; não o faz, porém, com independência do sacramento da Confissão, porque é necessário ter vontade de confessar mais tarde os pecados destruídos ou apagados pela contrição perfeita. E isto porque é lei de Jesus Cristo que se confessem todos os pecados, pelo menos todos os mortais, e esta lei, de forma alguma, se pode mudar. Verdade é que, se alguém não quisesse depois confessar os pecados que lhe foram perdoados pela contrição perfeita, não os contrairia novamente; mas é certo que perderia de novo o estado de graça, precisamente por faltar à obrigação de confessá-los.
- E devemos confessar os pecados logo que o possamos fazer depois da contrição de caridade?
- Em rigor, não é necessário; porém, de todo o coração, aconselho-te e recomendo-te que o faças; assim estarás mais seguro de ter alcançado o perdão e conseguirás, por sua vez, as grandes graças que traz consigo o sacramento da Confissão e que se chamam graças sacramentais.
Talvez que alguém, tentado pelo demônio, vendo os grandes efeitos da contrição perfeita, diga: "Pois se é tão fácil alcançar o perdão dos pecados com a contrição perfeita, já não preciso mais me confessar; peco quanto quiser, arrependo-me depois com contrição perfeita, e estou pronto. Não é assim?"
Não, de forma alguma; porque quem assim pensa não tem nem sombra de contrição. Não ama a Deus sobre todas as coisas logo que não queira em tudo e por tudo romper com o pecado mortal, nem trata seriamente de emendar a sua vida, coisa que tanto se requer para a Confissão como para a contrição perfeita; em uma palavra, falta-lhe boa vontade e, faltando-lhe esta, faltar-lhe-á a graça de Deus, sem a qual a contrição perfeita é absolutamente impossível.
Poderá enganar-se a si mesmo, jamais, porém, enganará a Deus Nosso Senhor. Aquele que tem contrição perfeita, está inteiramente resolvido a romper com o pecado mortal; receberá logo que possa e com mais fervor do que dantes, os santos sacramentos, e com a sua boca vontade, ajudada da graça de Deus, conservar-se-á livre de pecado e se firmará mais e mais no feliz estado de filho de Deus.
A quem, de modo especial, a contrição perfeita auxilia, é aos que leal e sinceramente querem adquirir e conservar o estado de graça e, sobretudo, aos que pecam por costume, isto é, aos que, ainda que tenham boa vontade, a força dos maus hábitos e a própria fraqueza os fazem cair de vez em quando; porém, de forma alguma, a contrição perfeita ajuda aos que se acolhem a ela para pecarem mais à vontade. E estes convertem o celestial remédio do perfeito arrependimento em narcótico fatal e em infernal veneno. Não sejas, pois, destes, leitor amado; não consintas, incauto, que graça tão preciosa como a contrição perfeita te sirva para o mal, senão para o bem, já que tão grandes bens produz na alma do cristão.
- E que bens são esses que produz a contrição perfeita?


V
Por que é tão importante e até necessária a contrição perfeita?

É importante na vida e na morte.

I - É importante na vida
Porque: que precioso não é o estado de graça!
A graça não adorna somente a alma, mas invade-a e penetra-a toda, e transforma-a em uma nova criatura, em filha de Deus e herdeira do céu. Além disso, faz com que todas as obras e trabalhos do cristão sejam meritórios para o Céu; a graça é a varinha mágica que tudo converte em ouro, porém em ouro de méritos celestiais.
Pelo contrário, que triste é o estado do cristão que jaz em pecado! Todos os seus trabalhos, todas as suas orações, todas as suas obras ficam inúteis e sem mérito para o Céu; é inimigo de Deus e, no momento em que o tênue fio da vida se parta, cairá precipitado no inferno. Não será, pois, importante e necessário o estado de graça para o cristão?
Pois, se o perdeste, podes recuperá-lo, principalmente de duas maneiras:
1º Pela Confissão.
2º Pela contrição perfeita.
A Confissão é o meio adequado e ordinário para alcançar a graça santificante. Com este meio, porém, nem sempre está ao nosso alcance, Deus deu-nos outro extraordinário, que é a contrição perfeita.
Imagina que, um dia, tens a imensa desgraça de cometer um pecado mortal. Quando, passada a agitação do dia, vem o sossego da noite, a tua consciência angustiada levanta-se e clama com voz poderosa. - Confessar-se agora... não é possível. Como remediar este estado? Pois olha, Deus põe em tuas mãos a chave de ouro que te vai abrir as portas do Céu; arrepende-te de teus pecados por verdadeiro amor de Deus, protesta-lhe firmemente não tornar a cometê-los, promete confessá-los quanto antes, e podes acreditar que estás reconciliado com Deus; deita-te tranquilo.
Porém, se o cristão não conhece nem pratica a contrição perfeita, que triste estado o da alma! Em pecado mortal se deita e se levanta, e assim vive dois, três, quatro meses e mais, até a Confissão seguinte.
E talvez que, neste estado, continue por anos inteiros, sem que a profunda noite do pecado seja interrompida, nem um momento sequer, na sua alma pelos raios do sol da graça, depois da Confissão. Triste estado! Viver quase sempre em pecado, inimigo de Deus, sem mérito para o Céu e em perigo de eterna condenação!
Mais; quando alguém, antes de receber um sacramento, por exemplo, o da Confirmação, o do Matrimônio. se lembra de um pecado grave não perdoado, pode, pela contrição perfeita, fazer-se digno de receber o sacramento. Somente para a Comunhão, isso não basta; é necessária a Confissão.

***

Também para o cristão que está em estado de graça, é importante o uso frequente da contrição perfeita.
Antes de tudo, nunca podemos estar completamente seguros de que estamos em estado de graça. Porém, esta segurança aumenta e se confirma em cada ato de verdadeira contrição perfeita.
Sucede, além disso, que alguém tenha dúvida sobre se consentiu em alguma tentação; estas dúvidas acovardam e desalentam a alma no caminho da virtude. Que há a fazer nestes casos? Examinar se consentimos ou não? Isso de nada aproveita. Excita-te à contrição perfeita e fica tranquilo.
Porém, ainda não tivéssemos toda a certeza possível de que estamos em graça, que preciosa não é a contrição perfeita!
Por cada ato de contrição perfeita, aumentamos este estado de graça na alma, e cada grau de graça vale mais do que todas as riquezas do mundo.
Por cada ato de contrição perfeita e caridade, destroem-se os pecados veniais e as faltas que mancham a alma, e esta fica cada vez mais formosa diante de Deus.
Por cada ato de contrição perfeita, são perdoados as penas temporais dos pecados (*).
(*) Quer dizer que se perdoam sempre algumas penas e até todas, se o ato for mui intenso (N.T.).
Recorda-te do que o Senhor disse à Madalena: "Perdoados lhe são muitos pecados, porque amou muito" (Lc 7,47). E se tanto apreciamos, e com razão, as indulgências, as boas obras, as esmolas, incluamos entre estas a caridade, a rainha das virtudes.
Por cada ato de contrição perfeita vai a alma confirmando-se mais e mais no bem e robustecendo-se contra o mal, de modo que, com razão, pode esperar a suprema graça da perseverança final. Já vês, pois, que é importante a contrição perfeita na vida. Porém, de modo particular.

II - É importante na morte

Sobretudo em perigo de morte repentina.
Houve um grande incêndio numa cidade, e neste pereceram centenas de pessoas. Entre muitas que gemiam no pátio de uma casa, via-se um menino de doze anos que, de joelhos, pedia em voz alta a graça da contrição; explicou depois porque o fazia e suplicou que orassem com ele em voz alta.
Talvez que, por seu intermédio, muitos daqueles infelizes se salvassem para sempre.
Perigos como este sem conta te cercam e, quando menos o penses, podes ser vítima de uma desgraça repentina: podes, por exemplo, cair de uma árvore; podes ser atropelado por um carro na rua; podes ser surpreendido de noite, pelo fogo, na tua habitação; podes colocar mal o pé em uma escada; pode ser que, enquanto trabalhas, te falte repentinamente os sentidos e caias... levam-te moribundo à casa, vão a correr chamar o sacerdote; este, porém, tarda em chegar, e urge tanto!... Que fazer? Excita-te em seguida à contrição perfeita, arrepende-te por amor e gratidão para com Deus, e Jesus Cristo paciente salvar-te-á por toda a eternidade; a contrição perfeita terá sido para ti a chave do Céu no último momento e no último supremo transe para a alma e para o corpo.
Com isto, não desejo que alguém se aventure a deixar tudo para o último momento, à mercê de um ato de contrição perfeita, julgando ficar já por isso livre de pecado, pois é muito duvidoso que a contrição perfeita possa servir aos que têm pecado à sua sombra. O que deixo dito vale, antes de tudo e sobretudo, para os que têm boa vontade.
- Porém, haverá tempo - dir-me-ás - em tais circunstâncias, para fazer um ato de contrição perfeita?
Com a ajuda de Deus, sim; porque, para a contrição perfeita não se requer muito tempo, sobretudo quando antes, em tempo de saúde, nos temos exercitado nela; em um momento a podemos excitar e penetrar na alma. E como, em casos tão extraordinários, tem mais eficácia a graça de Deus, e o espírito, mais atividade no transe tremendo da morte, dos momentos se fazem horas. Lembra-te de que falo por experiência própria.
Uma vez, a 20 de julho de 1886, estive em grande e terrível perigo de morte, seria coisa de oito ou dez segundos, o espaço para meio Pai-Nosso. Pois, em tão curto espaço de tempo, mil pensamentos cruzaram-se em minha mente; a minha vida inteira passou diante de minha alma, com rapidez incrível, e, atrás dela, o que seria de mim depois de minha morte; tudo isto, como disse, num espaço de tempo insignificante, o suficiente para meio Pai-Nosso. Por dita minha, porém, e grande favor de Deus, a quem rendo graças, não foi aquele momento para morte, mas sim para vida; - do contrário, não teria podido escrever a Chave de ouro. 
Pois, a primeira coisa que fiz, em tão terrível momento, foi o que, segundo o Catecismo, deve fazer todo o cristão em perigo de morte: excitar-se à contrição e recorrer a Deus pedindo-a e implorando-a a seu favor.
E a verdade é que, naquela ocasião, creio que aprendi a amar e apreciar o valor da contrição perfeita; desde então tenho difundido, quanto me tem sido possível, o seu conhecimento e estima.
E esta misericórdia, que podes exercitar na tua alma no último momento, podes exercitá-la também com os demais cristãos, teus irmãos.
E quão triste é que, em tão apurado transe, não seja isto melhor compreendido!
Acode muita gente, choram e gritam desordenadamente, e, sem saber que fazer, correm à procura do médico e do sacerdote, trazem todos os remédios que têm em casa e, entretanto, o enfermo agoniza, e... naqueles breves mas preciosos momentos, talvez não haja quem se compadeça da sua alma imortal e lhe proponha que faça um ato de contrição perfeita e o salve para sempre.
Se te apresenta ocasião, vai com sossego e tranquilidade para o lado do moribundo ferido ou enfermo; se te for possível, põe-lhe o Crucifixo diante dos olhos e, com voz firme mas tranquila, pede-lhe que pense e repita com o coração o que tu vais rezar; e, feito isto, vai dizendo compassada e claramente o ato de contrição, ainda que te pareça que ele nada ouve nem entende. Com isto, terás feito uma obra sumamente boa, e o moribundo te agradecerá eternamente no Céu. Sim, até mesmo a um herege, podes ajudar desta maneira em seus últimos momentos; não lhes fales, se queres, de Confissão, porém excita-o a que faça um ato de amor de Deus e de Jesus Crucificado e dize-lhe compassadamente o ato de contrição.


VI. 
Quando se deve excitar a contrição perfeita?

1. Se, com fidelidade e bom desejo, me tens seguido até aqui, cristão leitor, deixa que, olhando-te afetuosamente e apertando-te a mão, te diga de todo o coração e com a maior insistência: dá este prazer a Deus e à tua alma: faze devotamente todas as noites, com tuas orações, um ato de contrição perfeita. Não deixes passar noite alguma sem exame de consciência e contrição, como não deixes passar manhã alguma sem purificar a intenção. Não pecarás, é claro, se o deixares de fazer alguma vez; porém tem por bom e saudável o conselho que te dou.
E não me digas que isso de exame de consciência e contrição é coisa própria de sacerdotes e homens perfeitos e não para ti; não te escuses com o "não há tempo"; "está a gente tão cansado quando chega a noite..."
Quanto tempo julgas que é necessário? Meia hora? Não. Um quarto de hora? Também não; alguns poucos minutos bastam. Não costumas recitar algumas orações antes de te deitares? Pois, em seguida à tua pequena oração, pensas uns momentos nas faltas e pecados do dia que acaba de passar, e reza, pausadamente e com fervor, diante do Crucifixo, o ato de contrição. Depois podes recolher-te tranquilo. Deste ao Senhor as boas noites, e ele te respondeu: "Boa noite, filho". Ele perdoou-te misericordiosamente os teus pecados. Que te pareces? Fá-lo desde esta noite e jamais te arrependerás.
2. Se, nesta vida, tiveres a imensa desgraça de cometeres um pecado mortal, não permaneças mergulhado em tão grande miséria; levanta-te pela contrição perfeita, levanta-te imediatamente, ou, o mais tarde, logo que faças as tuas orações da noite; depois não demores muito em confessar-te.
3. Finalmente, cristão da minha alma, mais tarde ou mais cedo, terás que morrer, e se, o que não te desejo, a morte te colhesse de improviso, já sabes onde está o remédio, já sabes onde está a chave do Céu.
Chama imediatamente por Deus com íntima e perfeita contrição, e, se em vida te exercitares nela gostosa e devidamente, não te faltarão então tempo, vontade e graça de Deus para teres firme contrição perfeita, e a contrição perfeita te salvará.
4. Porém, se antes de morrer, tens tempo para prevenir-te e preparar-te para o caminho da eternidade, que a última coisa que na terra penses e faças, com conhecimento, seja um ato de entranhado amor de Deus, teu Criador, teu Redentor, Salvador e Juiz; um ato de sincera e perfeita contrição de todos os pecados da tua vida. Feito isto, lança-te com confiança nos braços da misericórdia divina e Deus será para ti bondoso Juiz.
Com isto, me despeço de ti, amado leitor; vê e faze o que neste livrinho tens lido. Ama e pratica a contrição perfeita, meio esplêndido de graça que a divina misericórdia põe em tuas mãos para saíres do pecado mortal em qualquer momento, e não só em perigo de morte; meio fácil, que tão grandes efeitos produz; meio supremo e único que, em caso de necessidade, salvará a tua alma; fonte, enfim, de graças na vida e na morte - verdadeira chave de ouro do Céu.


Atos de Contrição

1. Senhor meu Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, Criador e Redentor meu, por serdes Vós quem sois, e porque Vos amo sobre todas as coisas, pesa-me de todo o coração de Vos ter ofendido; proponho firmemente nunca mais pecar, confessar-me, cumprir a penitência que me for imposta, e afastar-me de todas as ocasiões de Vos ofender; ofereço-Vos a minha vida, obras e sofrimentos em satisfação de todos os meus pecados, e confio na vossa bondade e misericórdia infinitas que os perdoareis pelos merecimentos do vosso preciosíssimo Sangue, Paixão e Morte, e me dareis graça para emendar-me e perseverar em vosso santo serviço até o fim da minha vida. Amém.
2. Senhor meu e Deus meu! Do íntimo do coração, me pesa de todos os pecados da minha vida. Pesa-me porque com eles mereci o purgatório ou o inferno; porque tenho desprezado o céu e porque tenho sido tão ingrato para convosco, o meu maior benfeitor. Pesa-me, sobretudo, porque com os meus pecados, Vos tenho açoitado e crucificado, a Vós meu amabilíssimo Salvador. Agora, porém, amo-Vos, meu maior benfeitor, meu pai amabilíssimo e misericordiosíssimo Redentor; amo-Vos de todo o coração e sobre todas as coisas, e, porque Vos amo, me pesa e me arrependo de Vos ter ofendido, Deus meu, que sois infinitamente formoso, bom e digno de ser amado. Proponho firmemente emendar a minha vida e não mais pecar. Ó meu Jesus! dai-me a vossa graça para cumpri-lo. Amém.
3. Senhor meu Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, Vós me criastes à vossa imagem e semelhança, Vós me remistes com infinito amor, morrendo na Cruz e me quereis levar ao Céu para me fazer eternamente feliz.
Eu, em troca, tenho-Vos ofendido tantas vezes com meus pecados e tenho merecido justos castigos nesta vida e na outra.
Sim, sou culpado do vosso Sangue e de vossas feridas; tenho afligido e amargurado o vosso amantíssimo Coração de Redentor com meus pecados e minha ingratidão. Detesto esta ingratidão e, para compensá-la, amo-Vos com mais ardente amor, sobre todas as coisas. E, porque Vos amo, pesa-me de todo o coração e sobre todas as coisas, de Vos ter ofendido, Senhor meu e Deus meu.
Perdoai-me, eu Vos peço. Quero desde este momento emendar-me com fervor. Dai-me, Jesus misericordioso, a vossa graça para isto. Amém.


Ato de amor perfeito e contrição perfeita, 
atribuído a São Francisco Xavier

Não me move meu Deus, para querer-te,
O Céu que me tens prometido,
Nem me move o inferno, tão temido,
Para deixar por isso de ofender-te.
Tu me moves, Deus meu, move-me o ver-te
Cravado em uma cruz, escarnecido;
Move-me o ver teu Corpo tão ferido,
Move-me tuas afrontas e tua morte;
Move-me, enfim, teu amor e de tal maneira
Que, ainda que não houvesse Céu, te amaria,
E, ainda que não houvesse inferno, te temeria.
Nada tens que dar-me porque te quero;
Porque, se não esperasse o que espero,
Te queria o mesmo que te quero.

Resumo do ato de Contrição
que usava o Ven. Marcos de Aviano, religioso capuchinho,
morto em odor de santidade

Eu, ruim e indigna criatura, me lanço a vossos pés, Deus meu, e, com o coração contrito e aflito, reconheço e confesso diante de Vós, Redentor de minha alma, que, desde o instante em que nasci até agora, tenho cometido inumeráveis negligências e pecados.
Tenho-Vos ofendido, Deus meu! Pequei, Senhor! Porém, detesto os meus pecados e me arrependo do íntimo do coração. Por isso, prometo solenemente não mais pecar. Porém, se Vós, em vossa altíssima sabedoria, preveis que posso novamente  ofender-Vos e cair outra vez no vosso desagrado, de todo o coração Vos peço que me leveis agora desta vida, em vossa graça.
Oxalá a minha dor fosse tão grande que o propósito de não mais Vos ofender permanecesse sempre imutável! Porque Vos devo infinito agradecimento pela vossa divina bondade e porque mereceis que Vos ame sobre todas as coisas, arrependo-me de meus pecados, não tanto para livrar-me dos tormentos eternos que por eles mereci, nem para gozar das delícias do Céu, que tão inconsideradamente desprezei, como porque vos desagradam a Vós, Deus meu, que, por vossa bondade e infinitas perfeições, sois digno de infinito amor.
Oxalá todas as criaturas vos mostrem sem interrupção, amor, reverência e agradecimento. Amém.

Ato de contrição usual no Brasil

Senhor meu Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, Criador e Redentor meu, por serdes Vós quem sois, sumamente bom e digno de ser amado, e porque Vos amo e estimo sobre todas as coisas; pesa-me, Senhor, de todo o meu coração, de Vos ter ofendido; pesa-me, também, por ter perdido o Céu e merecido o inferno;  e proponho firmemente, ajudado com os auxílios de vossa divina graça, emendar-me e nunca mais Vos tornar a ofender. Espero alcançar o perdão de minhas culpas pela Vossa infinita misericórdia. Amém.


Disposição do Código de Direito Canônico sobre a contrição perfeita

Cânon 916 - Quem está consciente de pecado grave não celebre a missa nem comungue o Corpo do Senhor, sem fazer antes a confissão sacramental, a não ser que exista causa grave e não haja oportunidade para se confessar; nesse caso, porém, lembre-se que é obrigado a fazer um ato de contrição perfeita, que inclui o propósito de se confessar quanto antes.
A propósito deste cânon, os canonistas espanhóis da Universidade de Navarra, Pedro Lombardia e Juan Ignacio Arrieta, fazem o seguinte comentário, na edição anotada do Código de Direito Canônico promovida pela mesma Universidade.
"Este cânon se refere ao celebrante ou ao que recebe o sacramento. Um ato de contrição perfeita, com efeito, perdoa o pecado mortal; porém - como lembra o segundo mandamento da Igreja - permanece a obrigação de confessar-se previamente à recepção da Eucaristia; obrigação que só se dispensa a iure quando coincidem, suposta a contrição perfeita, estas duas condições: 1) causa grave: perigo de morte, ou de infâmia se não celebrar ou comungar; 2) impossibilidade de confessar-se previamente, por falta de confessor idôneo (cfr. Concílio de Trento, Sessão 13, cap.11). Naturalmente, o ato de contrição, como parte integrante de sua perfeição, exige o propósito firme de confessar-se, que deve satisfazer-se tão logo seja possível".



J. de Driesch, 1913.
















sábado, 18 de novembro de 2017

Os três graus de correção

 
 
 
Três são os graus de correção: aviso, censura e castigo.
 
 

A primeira falta - não se tratando de faltas um tanto graves, mas de erros nascidos mais da leviandade do que da malícia - deve ser perdoada, após se ter mostrado ao delinquente a deficiência moral de seu ato. Esse aviso reveste-se de termos afetuosos e fala mais ao coração.

Recai o filho na mesma falta? Já há no caso, além da inconsideração infantil, uma certa fraqueza de vontade. É necessária agora a censura. A mãe não se contenta com a simples queixa ou aviso. Toma ares mais sérios e "ralha", reprova, condena a conduta do pequeno.

Não bastou a censura? Venha então, perante uma nova falta, o castigo. Às vezes o aviso, a censura e o castigo seguem-se sem mais intervalos. É o caso da mãe encontrar relutância e descaso do filho ao aviso e à censura.
Para maior orientação, daremos às leitoras uns conselhos práticos sobre as três formas de correção.

O aviso deve ser doce, meigo, sem degenerar em fraqueza. Seja cheio de autoridade, mostrando ao menino que a mãe tem poder sobre ele, tem outros recursos mais violentos, mas prefere não recorrer a eles, agora. Seja claro, para que o pequeno não alegue a incompreensão. Do contrário dirá: Mamãe, eu não sabia que a senhora não queria isso ou aquilo.

A censura, o carão, o pito - sejam feitos com dignidade. Nada de termos triviais, inconvenientes, que rebaixariam a mãe. Palavras ofensivas, xingatórios, pragas, nomes feios - que heresias contra a educação! Dizem as mães que perdem a paciência com o guri endiabrado. E para corrigir um erro pequeno dão um péssimo exemplo ao filho, impacientando-se seriamente. Para secar a roupa molhada no corpo do filho, o atiram logo dentro do fogo; eis o método que parecem seguir. Amedrontado perante a fúria da mãe, o pecador se corrigirá por momentos. E depois voltará ao erro.

Não seja a censura espalhafatosa. Acostumados ao ruído dos moinhos, dormem sossegadamente a seu lado os moleiros.  Isso de esparramar brasas com o menino, censurando-o com ruído de palavras, gritos e gestos, acaba convertendo-o em moleiro também. Ele não ligará muito ao barulho.


Geraldo Pires de Souza C. SS. R
As três chamas do lar - Livro II

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Oração Universal de São Pedro Canísio




Todo poderoso, Deus eterno, Senhor, Pai Celestial! Olhai com os olhos de Vossa misericórdia infinita nossos lamentos, misérias e necessidades. Tende compaixão de todos os cristãos, pelos quais Vosso filho, nosso amado Senhor e Salvador, Jesus Cristo, chegou voluntariamente às mãos dos pecadores e derramou seu sangue precioso na haste da Santa Cruz. Por este Senhor Jesus, afastai, Pai misericordioso, as punições bem-merecidas, perigos presentes e futuros, a insurgência danosa, os preparativos de guerra, a escassez, doenças, tempos aflitos, miseráveis. Iluminai também e fortalecei em toda a bondade líderes e regentes espirituais e mundanos para que promovam tudo o que possa fazer prosperar Vossa honra divina, nossa salvação, a paz comum e o bem-estar de toda a cristandade. Concedei-nos, ó Deus da Paz, uma unidade verdadeira na fé, sem toda a divisão e a separação; convertei nosso coração ao arrependimento genuíno e à melhoria de nossa vida; acendei em nós o fogo de Vosso amor; dai-nos fome e ânsia por toda a justiça, para que nós, como filhos obedientes, Vos agradecemos e sejamos serenos na vida  e na morte. Rogamos também, conforme a Vossa vontade, ó Deus, pelos nossos amigos e inimigos, pelos sãos e pelos doentes, por todos os cristãos em agonia e na pobreza, pelos vivos e pelos mortos. A Vós, ó Senhor, confiamos todos os nossos atos, nossos feitos e nossos tratos, nossa vida e nossa morte. Permiti-nos desfrutar de Vossa graça aqui e conseguir lá, com todos os escolhidos, na paz e felicidade eternas, louvar-Vos, honrar-Vos e exaltar-Vos! Concedei-nos, ó Senhor, Pai Celestial! Por Jesus Cristo, Vosso amado filho, que convosco e o Espírito Santo vive e rege como Deus único para todo o sempre. Amém.

São Pedro Canísio, séc XVI - o segundo apóstolo da Alemanha.

Fonte: Bento XVI - O último testamento

sábado, 21 de outubro de 2017

Catecismo - 5º Artigo (continuação): Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos



 
1. Estas palavras: no terceiro dia ressurgiu dos mortos, significam que Jesus Cristo, ao terceiro dia após a sua morte, reuniu a sua alma ao seu corpo pela sua onipotência e saiu do túmulo vivo e glorioso.
2. O corpo de Nosso Senhor esteve no túmulo durante três dias no todo ou em parte, a saber: uma parte da Sexta-Feira, todo o sábado, e uma parte do domingo.
3. Torna-se preciso saber que Jesus Cristo não quis retardar a sua ressureição até o fim do mundo, a fim de dar uma prova da sua divindade; mas não quis também ressuscitar imediatamente depois da sua morte, mas só três dias depois, para dar a conhecer que era verdadeiro homem e que morrera com efeito. Aquele lapso de tempo era suficiente para provar a verdade da sua morte.
 
Aparições
 
4. Sabemos que Jesus Cristo ressuscitou pelo testemunho dos Apóstolos e dos discípulos a quem Ele se mostrou muitas vezes depois da ressureição.
5. No dia da ressureição, Jesus Cristo mostrou-se aos Apóstolos reunidos no cenáculo e deu-lhes o poder de perdoar os pecados.
6. Algum tempo depois, Jesus Cristo mostrou-se a muitos apóstolos que estavam pescando no mar da Galileia. Foi nesta aparição que o Redentor elevou São Pedro à dignidade de pastor supremo da Igreja.
7. Antes de subir ao céu, Jesus Cristo, mostrou-se ainda uma vez aos apóstolos, ordenando-lhes que pregassem o Evangelho a todas as nações.
8. Devemos crer no testemunho dos apóstolos em favor da ressureição de Jesus, porque estes deram a vida para atestar que tinham visto Jesus Cristo ressuscitado. Não podiam ser impostores os homens que se deixavam matar para confirmação do seu testemunho.
 
Qualidades dos corpos ressuscitados
 
9. O corpo de Jesus Cristo ressuscitado tinha todas as qualidades dos corpos gloriosos, a saber: impassibilidade, esplendor, agilidade e sutileza.
10. Por "impassibilidade" entendo que o corpo de Jesus Cristo não podia sofrer nem morrer.
11. Por "esplendor" entendo que o corpo de Nosso Senhor era brilhante como o sol; Jesus porém não quis aparecer assim antes da sua Ascensão.
12. Por "agilidade" entendo que o corpo de Jesus Cristo se podia transportar a grandes distâncias, até da terra ao céu, com a rapidez do relâmpago.
13. Por "sutileza" entendo que o corpo de Jesus Cristo podia atravessar sem dificuldade os corpos mais rijos. Foi assim que Ele saiu do túmulo sem arredar a pedra que tapava a entrada.
14. Reunindo a sua alma ao seu corpo, Jesus Cristo fez desaparecer a maior parte das chagas que recebera durante a paixão. Apenas conservou as das mãos, dos pés e do lado.
15. E conservou-as: 1º para as mostrar aos apóstolos em testemunho da sua ressurreição; 2º para as apresentar a seu Pai, intercedendo por nós; 3º para confundir os pecadores no dia do Juízo, fazendo-lhes ver que tanto sofreu por eles como pelos justos.
16. Foi necessário que Jesus ressuscitasse, a fim de fazer brilhar a justiça de Deus, pois era um ato absolutamente digno da sua justiça elevar aquele que, para lhe obedecer, fora desprezado e coberto dos maiores opróbios. São Paulo refere esta razão na sua epístola aos Filipenses: "Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até a morte, e morte da cruz, pelo que Deus também o exaltou e lhe deu um nome que é sobre todos os nomes".
 
Explicação da gravura
 
17. A gravura representa a "ressureição do Salvador". As numerosas mulheres que vemos à esquerda vinham com o fim de embalsamar o corpo de Jesus, quando de repente se sentiu um grande tremor de terra. Um anjo veio arredar a pedra do sepulcro e sentou-se nele. Os guardas, tomados de assombro, ficaram como mortos. Quando entraram no santo Sepulcro as santas mulheres ficaram cheias de temor ao verem o anjo. Mas ele lhes disse: "Não temais; buscais a Jesus de Nazaré que foi crucificado. Não está aqui: vede o lugar onde o tinham posto".
 
 
 
Fonte da imagem: http://www.sendarium.com
Texto: Catecismo Ilustrado, 1910. (com pequenas alterações devido à mudança ortográfica)
Edição da Juventude Católica de Lisboa.