sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

Fonte: Livro Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem 
Autor: São Luís Maria Grignion de Montfort; Missionário Apostólico, Fundador da Congregação dos Missionários da Companhia de Maria e da Congregação das Filhas da Sabedoria. 
44° edição- Editora Vozes- Petrópolis, 2014.

CAPÍTULO II

Verdades fundamentais da devoção à Santíssima Virgem

60. Até aqui dissemos alguma coisa sobre a necessidade que temos da devoção à Santíssima Virgem. Com o auxílio de Deus, direi agora em que consiste esta devoção, expondo, porém, antes, alguma verdades fundamentais, que esclarecerão esta grande e sólida devoção que quero manifestar. 

ARTIGO I 
 Jesus Cristo é o fim último da devoção à Santíssima Virgem

61. Primeira verdade, - Jesus Cristo, nosso Salvador, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, deve ser o fim último de todas as nossas devoções; de outro modo, elas serão falsas e enganosas. Jesus Cristo é o alfa e o ômega ¹, o princípio e o fim de todas as coisas. Nós só trabalhamos, como diz o apóstolo, para tornar todo homem perfeito em Jesus Cristo, pois é em Jesus Cristo que habita toda a plenitude da Divindade e todas as outras plenitudes de graças, de virtudes, de perfeições; porque nele somente fomos abençoados de toda a benção espiritual; porque é nosso único mestre que deve ensinar-nos, nosso único Senhor de quem devemos depender, nosso único chefe ao qual devemos estar unidos, nosso único modelo, com o qual devemos conformar-nos, nosso único médico que nos há de curar, nosso único pastor que nos há de alimentar, nosso único caminho que devemos trilhar, nossa única verdade que devemos crer, nossa única vida que nos há de vivificar, e nosso tudo em todas as coisas, que deve nos bastar. Abaixo do céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual devemos ser salvos. Deus não nos deu outro fundamento para nossa salvação, nossa perfeição e nossa glória, senão Jesus Cristo. Todo edifício cuja base não assentar sobre esta pedra firme, estará construído sobre areia movediça, e ruirá fatalmente, mais cedo ou mais tarde. Todo fiel que não está unido a ele, como um galho ao tronco da videira, cairá e secará, e será por fim atirado ao fogo. Fora dele tudo é ilusão, mentira, iniquidade, inutilidade, morte e danação. Se estamos porém, em Jesus Cristo e Jesus Cristo em nós, não temos danação a temer; nem os anjos do céu, nem os homens da terra, nem criatura alguma nos pode embaraçar, pois não pode separar-nos da caridade de Deus que está em Jesus Cristo. Por Jesus Cristo, com Jesus Cristo, em Jesus Cristo, podemos tudo: render toda a honra e glória ao Pai, em unidade do Espírito Santo e tornar-nos perfeitos e ser para nosso próximo um bom odor de vida eterna. 
62. Se estabelecermos, portanto, a sólida devoção à Santíssima Virgem, teremos contribuído para estabelecer com mais perfeição a devoção a Jesus Cristo, teremos proporcionado um meio fácil e seguro de achar Jesus Cristo. Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus Cristo, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário, que, como já fiz ver e farei ver, ainda, nas páginas seguintes, esta devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lo ternamente e fielmente servi-lo. 
63. Volto-me, aqui, um momento, para vós ó Jesus, a fim de queixar-me amorosamente à vossa divina majestade, de que a maior parte dos cristãos, mesmo os mais instruídos, desconhecem a ligação imprescindível que existe entre Vós e vossa Mãe Santíssima. Vós, Senhor, estais sempre com Maria, e Maria sempre convosco, nem pode estar sem Vós; doutro modo, ela deixaria de ser o que é; e de tal maneira está ela transformada em Vós pela graça, que já não vive, já não existe; sois Vós, meu Jesus, que viveis e reinais nela, mais perfeitamente que em todos os anjos e bem-aventurados. Ah! se conhecêssemos a glória e o amor que recebeis nesta admirável criatura, bem diferentes seriam os nossos sentimentos a respeito de Vós e dela. Maria está tão intimamente unida a Vós que mais fácil seria separar do sol a luz, e do fogo o calor; digo mais: com mais facilidade se separariam de Vós os anjos e os santos que a divina Mãe, pois que ela vos ama com mais ardor e vos glorifica com mais perfeição que todas as vossas outras criaturas juntas. 
64. Depois disto, meu amável Mestre, não é triste e lamentável ver a ignorância e as trevas em que jazem todos os homens na terra, a respeito de vossa Mãe Santíssima? Não falo dos idólatras e pagãos, que, não vos conhecendo, também não se importam de conhecê-la; nem falo dos hereges e cismáticos, que não têm a peito de ser devotos de vossa Mãe Santíssima, pois estão separados de Vós e de vossa santa Igreja; falo, porém, dos cristãos católicos, e mesmo de doutores entre os católicos²  que exercem a profissão de ensinar aos outros a verdade, e, no entanto, não vos conhecem nem a vossa Mãe Santíssima, a não ser de um modo especulativo, seco, estéril e indiferente. 
Estes senhores raras vezes falam de Maria e da devoção que se lhe deve ter, porque, dizem, receiam que se abuse dessa devoção e que se vos ofenda, honrando excessivamente vossa Mãe Santíssima. Se veem ou ouvem algum devoto da Santíssima Virgem falar muitas vezes, dum modo terno, forte e persuasivo, da devoção a esta boa Mãe, como de um meio seguro e sem ilusão, dum caminho curto e sem perigo, duma via imaculada e sem imperfeição, e dum segredo maravilhoso para chegar a Vós e vos amar perfeitamente, clamam contra ele, e lhes apresentam mil razões falsas, para provar-lhe que não é necessário falar tanto a respeito da Santíssima Virgem, que há muito abuso nessa devoção, que é preciso empenhar-se em destruir e aplicar-se em falar sobre Vós em vez de favorecer a devoção à Virgem Maria, a quem o povo já ama suficientemente. 
Às vezes metem-se a falar da devoção à vossa Mãe Santíssima, não, porém, para assentá-la e propagá-la, e sim para destruir os abusos que dela se fazem. Estes senhores são, no entanto, desprovidos de piedade, e não têm por Vós sincera devoção, pois que não têm a Maria. Consideram o rosário, o escapulário, o terço, como devoções de mulheres, própria de ignorantes, sem as quais se pode obter muito bem a salvação. E se lhes cai nas mãos algum devoto da Virgem Santíssima, que recita o seu terço ou pratica qualquer outra devoção mariana, mudam-lhe em pouco tempo o espírito e o coração: em lugar do terço lhe aconselham recitar os sete salmos; em vez da devoção à Santíssima Virgem aconselham a devoção a Jesus Cristo.
Ó meu amável Jesus, terá essa gente o vosso espírito? Será possível que vos agradem, agindo desse modo? Poderá alguém agradar-vos sem fazer todos os esforços para agradar a Maria, por medo de desagradar? A devoção à vossa Mãe impede a vossa? Atribuir-se-á ela as honras que lhe damos? Formará ela um partido diverso do vosso? É ela, acaso, uma estrangeira sem a menor ligação convosco? É desagradar-vos querer agradar-lhe? Separamo-nos, talvez, ou nos afastamos de vosso amor, se nos damos a ela e amamos?
65. Entretanto, meu amável Mestre, a maior parte dos sábios, em castigo de seu orgulho, não se afastariam mais da devoção à Santíssima Virgem, nem a olhariam com mais indiferença, se tudo o que acabo de dizer fosse verdade. Guardai-me, Senhor, guardai-me de seus sentimentos e de suas práticas, e dai-me uma parte dos sentimentos de reconhecimento, de estima, de respeito e de amor, que tendes para com vossa Mãe Santíssima, a fim de que eu vos ame e glorifique, na medida em que vos imitar e mais de perto vos seguir.
66. Concedei-me a graça de louvar dignamente vossa Mãe Santíssima, como se nada fosse o que, até aqui, disse em sua honra. "Fac me digne tuam Matrem collaudare", a despeito de todos os seus inimigos, que são os vossos, e que eu lhes repita com os santos: "Nom praesumat aliquis Deum se habere propitium qui benedictam Matrem offensam habuerit. Não presuma receber à graça de Deus, quem ofende sua Mãe Santíssima". 
67. E, para alcançar de vossa misericórdia uma verdadeira devoção a vossa Mãe Santíssima, e inspirá-la a toda a terra, fazei que eu vos ame ardentemente, e recebei para este fim a súplica ardente que vos dirijo com Santo Agostinho³ e vossos verdadeiros amigos: 
(3. Meditationum lib. I, cap. XVIII, n. 2 inter opera S. Augustini).
*

Tu es Christus, pater meus sanctus, Deus meus pius, rez meus magnus, pastor meus bonus, magister meus unus, adiutor meus optimus, dilectus meus pulcherrimus, panis meus vivus, sacerdos meus in aeternum, dux meus ad patriam, lux mea vera, dulcedo mea sancta, via mea recta, sapientia mea praeclara, simplicitas mea pura, concordia mea pacifica, custodia mea tota, portio mea bona, salus mea sempiterna... Christie Iesu, amabilis Domine, cur amavi, quare concupivi in omni vita mea quidquam praeter te Iesu Deum meum? Ubi eram quando tecum mente non eram? Iam ex hoc nunc, omnia desideria mea, incalescite et effluite in Dominum Iesum; currite, satis hactenus tardastis; properate quo pergitis; quaerite quem quaeritis. Iesu, qui non amat te, anathema sit; qui te nom amat, amaritudinibus repleatur... O dulcis Iesu, te amet, inte delectetur, te admiretur omnis sensus bonus tuae conveniens laudi. Deus cordis mei et pars mea, Christie Iesu, deficiat cor meum spiritu suo, et vivas tu in me, et concalescat in spiritu meo vivus carbo amoris tui et excrescat in ignem perfectum; ardeat iugiter in absconditis animae meae; in die consummationis meae consummatus inveniar apud te... Amem. 

No sentido de satisfazer aos desejos dos fiéis que não compreendem o latim, damos aqui uma tradução desta oração:

"Vós sois, ó Jesus, o Cristo, meu Pai santo, meu Deus misericordioso, meu Rei infinitamente grande; sois meu bom pastor, meu único mestre, meu auxílio cheio de bondade, meu bem-amado de uma beleza maravilhosa, meu pão vivo, meu sacerdote eterno, meu guia para a pátria, minha verdadeira luz, minha santa doçura, meu reto caminho, sapiência minha preclara, minha pura simplicidade, minha paz e concórdia; sois, enfim, toda a minha salvaguarda, minha herança preciosa, minha eterna salvação...
Ó Jesus Cristo, amável Senhor, por que, em toda a minha vida, amei, por que desejei outra coisa senão Vós? Onde estava eu quando não pensava em Vós? Ah! que, pelo menos, a partir deste momento meu coração só deseje a Vós e por Vós se abrase, Senhor Jesus! Desejos de minha alma, correi, que já bastante tardastes; apressai-vos para o fim a que aspirais; procurai em verdade aquele que procurais. Ó Jesus anátema seja quem não vos ama. Aquele que não vos ama seja repleto de amarguras. Ó doce Jesus, sede o amor, as delícias, a admiração de todo coração dignamente consagrado à vossa glória. Deus de meu coração e minha partilha, Jesus Cristo, que  em Vós meu coração desfaleça, e sede Vós mesmo a minha vida. Acenda-se em minha alma a brasa ardente de vosso amor e se converta num incêndio todo divino, a arder para sempre no altar de meu coração; que inflame o íntimo de meu ser, e abrase o âmago de minha alma; para que no dia de minha morte eu apareça diante de vós, inteiramente consumido em vosso amor... Amém". 

Quis transcrever no original esta oração admirável de Santo Agostinho para que assim a possam recitar as pessoas que entendem latim. Recitemo-la todos os dias para pedir o amor de Jesus, que procuramos por intermédio da Santíssima Virgem. 

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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

Fonte: Livro Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem 
Autor: São Luís Maria Grignion de Montfort; Missionário Apostólico, Fundador da Congregação dos Missionários da Companhia de Maria e da Congregação das Filhas da Sabedoria. 
44° edição- Editora Vozes- Petrópolis, 2014.


§ III. A devoção à Santíssima Virgem será especialmente necessária nesses últimos tempos. 

1. Papel especial de Maria nos últimos tempos

49. Por meio de Maria começou a salvação do mundo e é por Maria que deve ser consumada. Na primeira vinda de Jesus Cristo, Maria quase não apareceu, para que os homens, ainda insuficientemente instruídos e esclarecidos sobre a pessoa de seu Filho, não se lhe apegassem demais e grosseiramente, afastando-se, assim, da verdade. E isto teria aparentemente acontecido devido aos encantos admiráveis com que o próprio Deus lhe havia ornado a aparência exterior. São Dionísio o Areopagita o confirma numa página que nos deixou 5 e em que diz que, quando a viu, tê-la-ia tomado por uma divindade, tal o encanto que emanava de sua pessoa e beleza incomparável, se a fé, em que estava bem  confirmado, não lhe ensinasse o contrário. Mas, na segunda vinda de Jesus Cristo, Maria deverá ser conhecida e revelada pelo Espírito Santo, a fim de que por ela seja Jesus Cristo conhecido, amado e servido, pois já não subsistem as razões que levam o Espírito Santo a ocultá-la só pouco depois da pregação do Evangelho. 

5. Testor qui aderat in Virgine Deum, si tua doctrina non me docuisset, hanc verum Deum esse credidissem (Ep. ad  s. Paulum).
***

50. Deus quer, portanto, nesses últimos tempos, revelar-nos e manifestar Maria, a obra-prima de suas mãos:

1°) Porque ela se ocultou neste mundo, e, por sua humildade profunda, colocou-se abaixo do pó, obtendo de Deus, dos apóstolos e evangelistas não ser quase mencionada. 
2°) Porque, sendo a obra-prima das mãos de Deus, tanto aqui em baixo, pela graça, como no céu, pela glória, Ele quer que, por ela, os viventes o louvem e glorifiquem sobre a terra. 
3°) Visto ser ela a aurora que precede e anuncia  o Sol da justiça, Jesus Cristo, deve ser conhecida e notada para que Jesus Cristo o seja. 
4°) Pois que é a via pela qual Jesus Cristo nos veio a primeira vez, ela o será ainda na segunda vinda, embora de modo diferente. 
5°) Pois é o meio seguro e o caminho reto e imaculado para se ir a Jesus Cristo e encontrá-lo plenamente, é por ela  que as almas, chamadas a brilhar em santidade, devem encontrá-lo. Quem encontrar Maria encontrará a vida (cf. Pr 8, 35), isto é, Jesus Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). Mas não pode encontrar Maria quem não a procura; não pode buscá-la quem não a conhece, e ninguém procura nem deseja o que não conhece. É preciso, portanto, que Maria seja, mais do que nunca, conhecida, para maior conhecimento e maior glória da Santíssima Trindade. 
6°) Nesses últimos tempos, Maria deve brilhar, como jamais brilhou, em misericórdia, em força e graça. Em misericórdia, para reconduzir e receber amorosamente os pobres pecadores e desviados que se converterão e voltarão ao seio da Igreja Católica; em força contra os inimigos de Deus, os idólatras, cismáticos, maometanos, judeus e ímpios empedernidos, que se revoltarão terrivelmente para seduzir e fazer cair, com promessas e ameaças, todos os que lhe forem contrários. Deve, enfim, resplandecer em graça, para animar e sustentar os valentes soldados e fiéis de Jesus Cristo que pugnarão por seus interesses. 
7°) Maria deve ser, enfim, terrível para o demônio e seus sequazes como um exército em linha de batalha, principalmente nesses últimos tempos, pois o demônio, sabendo bem que pouco tempo lhe resta para perder as almas, redobra cada dia seus esforços e ataques. Suscitará, em breve, perseguições cruéis e terríveis emboscadas aos servidores fiéis e aos verdadeiros filhos de Maria, que mais trabalho lhe dão para vencer. 

***

51. É principalmente a estas últimas e cruéis perseguições do demônio, que se multiplicarão todos os dias até o reino do Anti-cristo, que se refere aquela primeira e célebre predição e maldição que Deus lançou contra a serpente no paraíso terrestre. Vem a propósito explicá-la aqui, para glória da Santíssima Virgem, salvação de seus filhos e confusão do demônio. 
" Inimicitias ponam inter te et mulierem, et semem tuum et semem illius; ipsa conteret caput tuum , et tu insidiaberis calcaneo euis" (Gn 3,15): Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar. 
52. Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu. inimizade irreconciliável , que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. Ele lhe deu até, desde o paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo de Deus, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus. Não que a ira, o ódio, o poder de Deus não sejam infinitamente maiores que os da Santíssima Virgem, pois as perfeições de Maria são limitadas, mas, em primeiro lugar, Satanás, porque é orgulhoso, sofre incomparavelmente mais, por ser vencido e punido pela pequena e humilde escrava de Deus, cuja humildade o humilha mais que o poder divino; segundo, porque Deus concedeu a Maria tão grande poder sobre os demônios, que, como muitas vezes se viram obrigados a confessar, pela boca dos possessos, infunde-lhes mais temor um só de seus suspiros por uma alma, que as orações de todos os santos; e uma só de suas ameaças que todos os outros tormentos. 
53. O que Lúcifer perdeu por orgulho, Maria ganhou por humildade. O que Eva condenou e perdeu pela desobediência, salvou-o Maria pela obediência. Eva, obedecendo à serpente, perdeu consigo todos os seus filhos e os entregou ao poder infernal; Maria, por sua perfeita fidelidade a Deus, salvou consigo todos os seus filhos e servos e os consagrou a Deus. 
54. Deus não pôs somente inimizade, mas  inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridade do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor, nem correspondência íntima existe entre uns e outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram, até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem , como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú, seu irmão Jacob, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra esse orgulhoso, e tão grande será a vitória final que ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo o orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até ao fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo. 
Mas o poder de Maria sobre todos os demônios há de patentear-se com mais intensidade, nos últimos tempos, quando Satanás, começar a armar insídias ao seu calcanhar, isto é, aos seus humildes servos, aos seus pobres filhos, os quais ela suscitará para combater o príncipe das trevas. Eles serão pequenos e pobres aos olhos do mundo, e rebaixados diante de todos  como o calcanhar, calcados e perseguidos como o calcanhar em comparação com os outros membros do corpo. Mas, em troca, eles serão ricos em graças de Deus, graças que Maria lhes distribuirá abundantemente. Serão grandes e notáveis em santidade diante de Deus, superiores a toda criatura, por seu zelo ativo, e tão fortemente amparados pelo poder divino, que, com a humildade de seu calcanhar e em união com Maria, esmagarão a cabeça do demônio e promoverão o triunfo de Jesus Cristo. 



2. Os apóstolos dos últimos tempos

55. Deus quer, finalmente, que sua Mãe Santíssima seja agora mais conhecida, mais amada, mais honrada, como jamais o foi. E isto acontecerá, sem dúvida, se os predestinados puserem em uso, com o auxílio do Espírito Santo, a prática interior e perfeita que lhes indico a seguir. E, se a observarem com fidelidade, verão, então, claramente, quando lho permite a fé, esta bela estrela do mar, e chegarão a bom porto, tendo vencido as tempestades e os piratas. Conhecerão as grandezas desta soberana e se consagrarão inteiramente a seu serviço, como súditos e escravos de amor. Experimentarão suas doçuras e bondades maternais e amá-la-ão ternamente como seus filhos estremecidos. Conhecerão as misericórdias de que ela é cheia e a necessidade que têm de seu auxílio, e hão de recorrer a ela em todas as circunstâncias como à sua querida advogada e medianeira junto de Jesus Cristo. Reconhecerão que ela é o meio mais seguro, mais fácil, mais rápido e mais perfeito de chegar a Jesus Cristo. 
56. Mas quem serão esses servidores, esses escravos e filhos de Maria?
Serão ministros do Senhor ardendo em chamas abrasadoras, que lançarão por toda parte o fogo do divino amor. 
Serão "sicut sagittae in manu potentis" (Sl 126,4) - flechas agudas nas mãos de Maria todo-poderosa, pronta a traspassar seus inimigos. 
Serão filhos de Levi, bem purificados no fogo das grandes tribulações, "e bem colados a Deus ¹, que levarão o ouro do amor no coração, o incenso da oração no espírito, e a mirra da mortificação no corpo e que serão em toda parte para os pobres e os pequenos o bom odor de Jesus Cristo, e para os grandes, os ricos e os orgulhosos do mundo, um odor repugnante de morte. 
57. Serão nuvens trovejantes esvoaçando pelo ar ao menos sopro do Espírito Santo, que,  sem apegar-se a coisa alguma nem se admirar de nada, nem se preocupar, derramarão a chuva da palavra de Deus e da vida eterna. Trovejarão contra o pecado, e lançarão brados contra o mundo, fustigarão o demônio e seus asseclas, e, para a vida ou para a morte, traspassarão lado a lado, com a espada de dois gumes da palavra de Deus (cf. Ef 6,17), todos aqueles a quem forem enviados da parte do Altíssimo. 
(1. Tradução enérgica da palavra de São Paulo 1Cor 6,17: "Qui adhaeret Domino".)

58. Serão verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, e o Senhor das virtudes lhes dará a palavra e a força para fazer maravilhas e alcançar vitórias gloriosas sobre seus inimigos; dormirão sem ouro nem prata, e, o que é melhor, sem preocupações, no meio dos outros padres, eclesiásticos e clérigos, "inter medios cleros" (Sl 67,14) e, no entanto, possuirão as asas prateadas da pomba, para voar, com a pura intenção da glória de Deus e da salvação das almas, aonde os chamar o Espírito Santo, deixando após si, nos lugares em que pregarem, o ouro da caridade que é o cumprimento da lei (Rm 13,10). 
59. Sabemos, enfim, que serão verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, andando nas pegadas de sua pobreza e humildade, do desprezo do mundo e caridade, ensinando o caminho estreito de Deus na pura verdade, conforme o santo Evangelho, e não pelas máximas do mundo, sem se preocupar nem fazer acepção de pessoa alguma, sem poupar, escutar ou temer nenhum mortal, por poderoso que seja. Terão na boca a espada de dois gumes da palavra de Deus; em seus ombros ostentarão o estandarte ensanguentado da cruz, na direita, o crucifixo, na esquerda o rosário, no coração os nomes sagrados de Jesus e de Maria, e, em toda a sua conduta, a modéstia e a mortificação de Jesus Cristo. 
Eis os grandes homens que hão de vir, suscitados por Maria, em obediência às ordens do Altíssimo, para que o seu império se estenda sobre o império dos ímpios, dos idólatras e dos maometanos. Quando e como acontecerá?... Só Deus o sabe! Quanto a nós, cumpre calar-nos, orar, suspirar e esperar: Exspectans exspectavi (Sl 39,2). 


56.